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Futebol Internacional Liga dos Campeões 2020 - 2021

Perda da Champions por golpe da Superliga será abalo no projeto europeu

Competição é um importante sinal do prestígio do continente no mundo do futebol

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São Paulo

Para um adulto nascido nos anos 1980, que cresceu vendo a União Europeia acelerar a sua integração, a identidade europeia pode ser resumida a três rituais.

Um deles é o extravagante Eurovision, a competição anual em que cantores de qualidade questionável representam os seus respetivos países. Outro é o programa de estudos Erasmus, o equivalente do Ciência sem Fronteiras, que permite a jovens descobrir as maravilhas das profundezas da Europa com direito a bolsa e hospedagem em universidades.

O terceiro pilar é o mais importante: a Champions League, a competição suprema do futebol, na qual os clubes escrevem a sua história e os jogadores se tornam lendas. A competição também é um importante projetor do prestígio da Europa no mundo do futebol. Nada é mais glamour do que o hino criado por Tony Britton sendo tocado numa noite glacial de uma grande capital europeia.

A história da Champions League também é o reflexo das transformações do capitalismo europeu. Nos anos 1990, ela fora dominada por clubes que eram parte de projetos de poder nacionais, como o AC Milan de Silvio Berlusconi, o Rei Ubu italiano.

Em 2012, a Champions foi conquistada pelo Chelsea, um clube mediano turbinado pelos petrodólares de Roman Abramovich. O triunfo do magnata russo inspirou uma geração de megainvestidores globais que avançaram para cima dos clubes com objetivos político-financeiros. Menos de uma década depois, um bom pedaço do futebol europeu passou a ser controlado por um cartel de fundos especulativos norte-americanos, bilionários asiáticos, oligarcas russos, e sheiks dos Emirados Árabes Unidos.

Impossível não ver a relação entre a ultraglobalização do futebol europeu e a tentativa de golpe orquestrada por 12 clubes neste domingo (18). Afinal, mais da metade das formações que anunciaram a criação da Superliga —Milan, Chelsea, Inter de Milão, Liverpool, Manchester City, Manchester United e Arsenal— são controladas por investidores não-europeus.

Todas elas fazem parte das ligas mais afetadas pelo duplo terremoto do Brexit e da pandemia. O Campeonato Italiano mergulhou numa crise financeira devido ao colapso dos direitos televisivos, e o Inglês está sendo duramente afetado pela saída do Reino Unido do regime fiscal e migratório europeu.

Entre os clubes restantes, os três espanhóis, Atlético de Madrid, Real Madrid e Barcelona, também se sentiam pequenos demais dentro do seu campeonato. O presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, é um dos idealizadores do conceito de “clube global”: desde a era dos “galácticos” de Zinedine Zidane e Ronaldo, a maior parte da receita do Real Madrid é realizada fora da Europa.

A Superliga já está sendo violentamente contestada pela federação europeia de futebol, a Uefa, e sua casa mãe, a Fifa. Mas são as autoridades políticas europeias que vão liderar o contra-ataque. Afinal, o projeto europeu não precisa de mais um abalo.

Bandeira com a bola que simboliza o torneio no centro do gramado e times perfilados em estádio cheio
O ritual de entrada em campo da Champions League é parte da identidade europeia - 12.mai.15/AFP

As fronteiras internas foram fechadas pela primeira vez desde a introdução do espaço Schengen, em 1995. A campanha de vacinação, centralizada pela Europa, está demorando para engrenar, e o programa de retomada da economia continua muito aquém das expectativas.

No meio desse marasmo, só sobrou a Champions, com os seus estádios desertos e sua magia intacta. Os europeus já perderam o pão na pandemia. Dificilmente eles vão aceitar perder o circo sem antes uma boa briga.

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