CPI quer ouvir controladora boliviana presa pelo voo da tragédia da Chape

Celia Castedo foi detida na última quinta (23) e teve extradição autorizada por Gilmar Mendes

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São Paulo

A CPI da Chapecoense quer ouvir Celia Castedo Monasterio, a controladora do voo da LaMia, antes que ela seja extraditada para a Bolívia. O problema é que a comissão está suspensa por causa da pandemia e só deverá ser retomada logo após o encerramento de outra, a da Covid.

Celia foi presa em Corumbá, no Mato Grosso, na última quinta-feira (23), pela Polícia Federal, após autorização de Gilmar Mendes, do STF (Superior Tribunal Federal). O ministro também determinou a extradição da mulher.

Cerimônia realizada em homenagem às vítimas da tragédia da Chapecoense, realizada em 2016, em Chapecó
Cerimônia realizada em homenagem às vítimas da tragédia da Chapecoense, realizada em 2016, em Chapecó - Zanone Fraissat-3.dez.16\Folhapress

“Alguma coisa aconteceu e ela sabe. A gente precisa tirar isso dela”, afirma o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), relator da CPI.

Depois de reprovar o primeiro plano de voo apresentado pela companhia boliviana LaMia, ela assinou outro documento apresentado em seguida. Este desrespeitava as normas aeronáuticas. Não previa um plano B de aterrissagem e não contemplava uma reserva de combustível.

Em sua defesa, Celia afirma que a obrigação de fiscalizar o assunto era dos funcionários de pista do aeroporto de Santa Cruz de la Sierra. Em vez de fazê-lo, eles entraram na aeronave para tirar fotos com jogadores da Chapecoense que viajavam para a final da Copa Sul-Americana de 2016.

Horas depois, na noite de 28 de novembro (hora colombiana), o avião caiu nas cercanias de Medellín. Das 77 pessoas que estavam a bordo, 71 morreram.

A controladora estava refugiada no Mato Grosso desde 2016. Ela alega ser perseguida na Bolívia, onde é acusada de crime contra a segurança do espaço aéreo.

“Seria emblemático para o caso ela ser ouvida para dizer se houve interferências superiores ou políticas. Poderíamos salientar as responsabilidades dos organismos aéreos sobre o voo”, lembra Marcel Camilo, advogado de famílias de vítimas do acidente.

Izalci acreditada que será mais difícil conseguir ouvir Celia após a extradição. O senador não descarta fazê-lo mesmo que seja por teleconferência.

Há outros depoentes que a CPI quer ouvir. Entre eles, representantes da Petrobras e da Caixa Econômica Federal.

Existe o componente da pressão política. O seguro da aeronave ainda não foi pago e a Tokio Marine Kiln (resseguradora da apólice) tem contratos com as estatais. A ideia é envolver o governo federal no assunto.

“O Executivo pode pressionar”, concorda Izalci.

A seguradora da aeronave era a Bisa, empresa boliviana que fechou seu escritório no Brasil depois do acidente. Tokio Marine Kiln e Aon (corretora do seguro) se recusaram a pagar, na visão dos advogados das famílias, porque a LaMia estava inadimplente e a viagem tinha como destino final a Colômbia, país que, segundo a apólice, a empresa estaria proibida de voar. A Aon contesta esta visão, pois afirma que, como corretora, não é sua atribuição fazer o pagamento.

Há a discussão quanto aos valores do seguro. A apólice vigente era de US$ 25 milhões (R$ 132,5 milhões em valores atuais).

Advogados da Podhurst Orseck, escritório americano contratado para abrir um processo contra seguradora e corretora nos Estados Unidos, contestam isso. Apresentam troca de e-mails entre Loredana Albacete, filha do dono da aeronave, Ricardo Albacete, com a Aon negociando valores. O seguro original era de US$ 300 milhões (cerca de R$ 1,6 bi em valores atuais).

Como a LaMia não conseguia pagar as prestações, a ação das famílias afirma que a Aon apresentou a Loredana duas opções: uma de US$ 50 milhões (R$ 265 milhões) e outra de US$ 25 milhões. A empresária escolheu a mais barata. O argumento dos advogados é que a apólice deveria ter aumentado, não ter o valor reduzido, já que a companhia aérea começara a transportar jogadores de futebol.

No ano passado, um juiz da Flórida deu procedência à causa, sinalizando que esta deve seguir adiante e colocou o valor do processo em US$ 844 milhões (cerca de R$ 4,5 bilhões em valores atuais).
Aon e Tokio Marine Kiln fizeram pedido à Justiça inglesa para que fosse interrompido o processo nos Estados Unidos. Em primeira instância, isso aconteceu. Uma audiência está marcada para o final deste ano.

“Fomos surpreendidos por essa ação na Inglaterra. Isso mostra cada vez mais as responsabilidades dessas duas empresas com os fatos ocorridos”, contesta Camilo.

Consultado pela reportagem, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou que não comenta eventuais processos de extradição em andamento. A pasta afirmou ainda que a execução da entrega para a extradição só será apreciada pelo órgão após o esgotamento de todos recursos possíveis de serem apresentados ao STF (Supremo Tribunal Federal).

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Aon disse expressar “solidariedade a todos os atingidos por esse trágico evento" e que respeita o "desejo das vítimas e dos familiares de que o caso seja discutido em um tribunal".

A corretora afirma na nota que tomou medidas legais na Europa para "garantir que qualquer disputa contratual entre a Aon Reino Unido e a companhia aérea LaMia seja examinada por um tribunal na jurisdição apropriada, conforme previsto no acordo comercial entre as duas partes".

"O papel da Aon, como corretora, é ajudar seus clientes a contratar seguro e resseguro junto a seguradoras e resseguradoras, que por sua vez decidem sobre o pagamento de indenizações. É decisão do cliente decidir quais coberturas e limites ele optará por adquirir”, completa.

A Folha entrou em contato com a Tokio Marine Kiln, que disse que não irá comentar a reportagem.

Colaborou Marcelo Rocha, de Brasília

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