Descrição de chapéu The New York Times skate

Baixista da banda de rock Pearl Jam cria oásis do skate nos EUA

Jeff Ament é responsável pela construção de dezenas de parques gratuitos em Montana

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Jim Robbins
Browning (EUA) | The New York Times

Não estamos falando da parte do estado de Montana em que os ricos constroem mansões de esqui ou criam riachos para pescar trutas em suas novas propriedades rurais.

Browning é a capital da nação blackfeet, uma comunidade indígena, no ponto em que o planalto coberto de grama colide com a muralha cinzenta dos picos com neve das Montanhas Rochosas, logo ao sul da fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá.

E também é uma nova capital do skate internacional, com um parque de skate de 1,1 mil metros quadrados chamado Thunder Park, cuja construção custou US$ 300 mil (cerca de R$ 1,7 milhão na cotação atual). O projeto foi bancado pelo Montana Pool Service– uma referência à grande bacia central em forma de piscina que ocupa posição central no parque de skate–, uma fundação financiada e dirigida por Jeff Ament.

Jeff Ament, baixista do grupo de rock Pearl Jam, autografa gesso de garoto em pista de skate de Shelby, Montana
Jeff Ament, baixista do grupo de rock Pearl Jam, autografa gesso de garoto em pista de skate de Shelby, Montana - Todd Heisler - 21.jun/The New York Times

Sim, aquele Jeff Ament, baixista e fundador do Pearl Jam. Sete anos atrás, ele se atribuiu a missão de criar parques de skate em qualquer cidade do estado de Montana que esteja interessada em abrigar um deles.

Ament pagou ou ajudou a pagar por 27 parques de skate, a maioria dos quais em Montana. Também ajudou a construir três na Reserva Indígena de Pine Ridge, em Dakota do Sul. Há planos para novos parques em Montana e Dakota do Sul, entre os quais um em Wounded Knee.

"É um projeto muito maior que o skate", disse Ament. "Estamos ensinando a garotada a se levantar de novo quando cai. Se você vive em uma área rural, ou vem de um lar desfeito, cair é algo que vai acontecer muito em sua vida."

Um indício quanto à dedicação filantrópica de Ament ao skate pode ser encontrada nas letras melancólicas e angustiadas do Pearl Jam. "Há uma bomba no meu templo, e ela vai explodir", a banda canta em "Once", parte de seu álbum de estreia, "Ten", que ganhou múltiplos discos de platina. "Tenho uma espingarda escondida sob as roupas."

Embora essa atitude possa ser um pouco de teatro grunge, Ament mesmo passou por algumas tempestades emocionais, ele diz, e o que o ajudou a superá-las foi uma rampa de skate no quintal de sua casa em uma cidadezinha remota de Montana chamada Big Sandy, onde ele passou a infância. O skate, ele conta, com base em sua experiência, é profundamente terapêutico para os jovens insatisfeitos que vivem em lugares como aquele.

As paisagens sublimes de Montana, combinando montanhas e prados, e a recente popularização do estado por meio de séries de TV como "Yellowstone", obscurecem o fato de que, em 2019, a região registrou a terceira maior incidência de suicídio nos Estados Unidos: 27 por 100 mil habitantes. E essa incidência é ainda mais alta nas reservas indígenas, onde chega a 31 por 100 mil habitantes.

Ament, 58, não só doa dinheiro para a construção desses parques, mas cuida da manutenção deles. Ele mora em Missoula, e tem uma pista de skate no quintal de sua casa, não muito distante da constelação de parques de skate em cuja construção e operação ele teve papel fundamental.

Isso requer tempo, algo que ele inesperadamente descobriu ter de sobra quando o Pearl Jam cancelou boa parte de suas turnês durante a pandemia. Ament e sua mulher, Pandora André-Beatty, são basicamente a organização inteira, embora tenham muita ajuda de voluntários.

Em uma recente visita a diversos dos parques de skate que ele inspirou, em sua van Sprinter personalizada, Ament apareceu com uma vassoura e uma pá de lixo para limpar a pista de skate no Thunder Park. Ele raspou as pichações de uma parede em Havre, varreu o parque em Shelby e falou sobre o papel vital dos encanadores. Ele faz diversas visitas por ano aos parques que criou.

"A coisa mais importante no skate é que você não precisa participar de um clube ou pagar mensalidades", disse Ament. "Só precisa garantir que os ralos não entupam; essa é a principal tarefa."

Quando criança, em Big Sandy, uma cidade de 600 moradores, disse Ament, o ponto alto da semana eram os jantares na unidade mais próxima da cadeia de restaurantes Dairy Queen, que ficava a meia hora da cidade, de carro. O pai dele era o barbeiro de Big Sandy, e também motorista do ônibus escolar, além de criar galinhas, vacas e porcos.

As cidades rurais de Montana têm um forte apego aos esportes coletivos, especialmente o basquete e o futebol americano, mesmo que muitas delas sejam tão pequenas que só consigam colocar em campo times de futebol americano com seis jogadores. Ament se destacou em diversos esportes e teve uma oferta de bolsa de estudos universitária como jogador de futebol americano. Mas sempre houve um subconjunto de jovens que não demonstravam interesse ou talento para esportes coletivos e precisavam de outro foco de atenção.

Ament cresceu na região da reserva indígena de Rocky Boy e conhece, ainda que indiretamente, as dificuldades adicionais que uma vida na reserva pode criar. O skate, e visitas a parques de skate, "dá à garotada uma razão para conhecer o resto do estado, o resto do país e possivelmente o resto do mundo", ele disse. "Há uma mentalidade antiquada que diz que, se você vai embora para fazer uma faculdade em outro lugar, está deixando de lado sua comunidade". Ele meneia a cabeça, discordando.

"Minha vida teria sido diferente sem o parque", disse J.C. Larson, 18, um adolescente alto e esguio, segurando o skate e observando um grupo de cavalos que galopava por uma estrada próxima. "Não teria sido boa. Eu não curtia esportes e conheci um monte de gente fazendo skate".

Ament não viaja acompanhado por um séquito e suas visitas aos parques de skate não causam muito agito. Ele é um sujeito discreto e simples, viaja usando uma camiseta branca, bermuda e um boné do Montana Pool Service e distribui rodas novas para skates, chaves de boca, bonés, adesivos e, de vez em quando, skates às crianças que encontra nos parques.

Apenas alguns poucos fãs pedem para que ele autografe seus skates ou bonés. Um garotinho em Shelby, Montana, pediu que ele autografasse seu gesso. As crianças dizem "oi, Jeff", e uma delas exclama: "Amo você, Jeff". Ele sorri e diz: "Paguei para dizerem isso".

A atenção que ele dedica aos parques e seus frequentadores também é discreta, e Ament às vezes se limita a ouvir enquanto alguém fala sobre os problemas que enfrenta. "Faço o que posso para ser um tio simpático em vez de um velho ranzinza", ele disse, fazendo uma pausa como se percebesse a importância de seu papel. "Perdi quatro ótimos amigos que se suicidaram."

"Em lugar de você contra o mundo, a coisa passa a ser você contra o skate, e isso oferece uma oportunidade de descarregar a agressividade", disse Kim Petersen, veterana aliada de Ament, que estava realizando uma clínica com a organização "Girls on Shred", para skatistas mulheres, transgêneros e não binários, na cidadezinha de Hamilton.

Fazer skate também pode servir para abrir a mente, ela disse. "Pessoas vêm do mundo inteiro para fazer skate aqui e, se você é só uma criança, vai ver coisas maravilhosas". Uma das quais é a não conformidade a papéis de gênero. "Em cidades como essas, eles precisam abrir os olhos e aceitar."

"O skate sempre viveu à margem, foi feito para quem está à margem, e ajuda a superar os momentos difíceis", disse Petersen. "É mais um lugar que se abre para que a garotada descubra seu poder."

Ament trabalhou com empresas como a Evergreen, a Dreamland e a Grindline na construção dos parques, para transformar Montana em um improvável destino turístico para skatistas. "Temos mais pistas de skate de primeira classe em Montana do que em qualquer outro lugar, com relação à população", diz Ament.

Os parques de skate surgem de diferentes maneiras, e Ament doa quantias diferentes para cada um deles. Em alguns casos, ele doa US$ 50 mil (R$ 280 mil) e promete doações casadas para valores máximos de até US$ 100 mil adicionais (R$ 560 mil). Ou simplesmente paga tudo do próprio bolso, como aconteceu com o Thunder Park.

"Tivemos um ano excelente de turnês, e a fundação da banda estava com dinheiro em caixa; coloquei o dinheiro todo no parque de skate de Browning", ele disse. "A necessidade era enorme. A reserva é muito grande e muito isolada."

A Evergreen, cuja especialidade são os parques em estilo conhecido como "lunar", tinha tantas operações no estado que transferiu sua sede para Bitterroot Valley, na região sudoeste de Montana. "Construir parques de skate pode ser um desafio", disse Catherine Coulon, uma das donas da empresa. "Alguns dos trabalhos que fazemos em Montana acontecem em regiões tão rurais que não há nem rede de celular e o concreto mais próximo fica a duas horas de distância."

Para honrar a filantropia rústica de Ament, o chefe Earl Old Person, líder da nação blackfeet, que morreu em 13 de outubro, conferiu a ele um nome blackfeet, que traduzido significa "aquele que segura as águas". Ele comparou Ament ao castor, um animal que os blackfeet apreciam muito, "porque o castor constrói barragens, e essas barragens criam lagos que permitem que outras criaturas floresçam".

E elas florescem. "Fizemos uma visita ao parque certa noite e encontramos 50 crianças andando de skate por lá, entre as quais 10 meninas, que estavam fazendo um loop pela pista", disse Ament.

"Não era uma manobra fácil", ele acrescentou. "Não é só pular para dentro e se divertir. Você vai cair centenas de vezes. Ver aquelas meninas fazendo aquilo e compreender tudo que elas tiveram de passar para estar onde estavam, fez com que eu me sentisse como um pai orgulhoso."

Tradução de Paulo Migliacci

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