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Há 44 anos, cidade palco da final do São Paulo viu jogo que mudou os rumos da Argentina

Córdoba teve decisão nacional em que Independiente colocou fim a planos de general

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São Paulo

A carreira de Ricardo Bochini, 68, ficou marcada, além dos títulos, por uma frase de Diego Maradona. "Bem-vindo, maestro. Estávamos te esperando", disse-lhe o 10 ao ver seu ídolo de infância entrar em campo na final da Copa do Mundo de 1986, contra a Alemanha.

Lance da final entre Talleres e Independiente, em Córdoba, em janeiro de 1978
Lance da final entre Talleres e Independiente, em Córdoba, em janeiro de 1978 - Club Atlético Independiente

É possível argumentar que o título mundial no México não foi a conquista mais importante da carreira do meia. O mesmo vale para os cinco troféus de Libertadores obtidos com o Independiente. A mais relevante delas aconteceu em Córdoba, cidade onde neste sábado (1º) o São Paulo decidirá a Copa Sul-Americana contra o Independiente del Valle (EQU).

A cerca de 20 quilômetros do estádio Mario Alberto Kempes, onde o time brasileiro vai entrar em campo, Bochini fez o gol que deu ao Independiente o título nacional argentino de 1977. Um lance no campo Doble Visera que pode ter impedido a ascensão à presidência de um general que, décadas depois, seria condenado por crimes contra a humanidade.

"Nos primeiros anos não se deu tanto valor [ao gol]. Nem nós, nem os torcedores. Com o passar dos anos, deu-se a devida importância", constata Bochini em depoimento ao livro "El Partido Rojo" (a partida vermelha, em espanhol), do jornalista e escritor Claudio Gómez.

O nome da obra faz alusão ao apelido que ganhou a final entre Talleres e Independiente. Lembra também a cor da camisa da equipe de Bochini e a perseguição do governo militar argentino na época a grupos que considerava subversivos, quase sempre de esquerda.

"A dimensão da partida está no fato de que em Córdoba estava Luciano Benjamin Menéndez, um genocida, o pior de todos os genocidas provavelmente, o mais perverso, o mais sádico. Ele necessitava por questões políticas e propagandísticas que o Talleres saísse campeão", afirmou Gómez à Efe.

A esperança do general Menéndez era que o título do Talleres e a popularidade da vitória no futebol o catapultassem à presidência da República. Ele era chefe do terceiro corpo do exército, com sede em Córdoba. Controlava um efetivo de 15 mil soldados, três brigadas e 20 regimentos.

Sob sua responsabilidade, foram criados 238 centros clandestinos de detenção onde se estima terem ocorrido 3.000 casos de tortura, sequestro ou mortes.

Apenas por La Perla, o centro preferido de Menéndez, passaram 2.200 pessoas. A Argentina vivia regime militar que começara em 1976 e terminaria apenas em 1983.

O desejo do general não era absurdo. Do seu grupo político-militar mais próximo saiu o general Leopoldo Galtieri, presidente do país entre dezembro de 1981 e junho de 1982 e responsável por levar à Argentina à Guerra das Malvinas.

"O que se comentava é que Menéndez faria todo o possível para que ganhasse o Talleres porque ficaria como o mérito do primeiro clube cordobês campeão argentino", analisa Héctor Kunzmann ao diário argentino Página/12. Ele estava preso em La Perla quando se realizou a final.

Não seria a vitória apenas de Córdoba. O Talleres poderia ser o primeiro time do interior campeão nacional, e Menéndez já planejava a foto com os jogadores ao lado da taça. A imagem seria publicada pelos jornais no dia seguinte ao confronto, marcado para 25 de janeiro de 1978. Após o empate por 1 a 1 em Buenos Aires, o time da casa necessitaria da vitória por qualquer placar para ficar com o título.

O resultado final do segundo jogo foi 2 a 2, mas isso não conta toda a história. Menéndez esteve no vestiário do árbitro Roberto Barbeiro minutos antes do apito inicial. Com o Independiente vencendo por 1 a 0, ele deu um pênalti duvidoso para o Talleres (convertido por Cherini), validou um gol anotado com a mão de Bocanelli e, em seguida, por reclamação, expulsou três jogadores dos visitantes.

O Talleres tinha a vantagem no placar e 11 em campo. O Independiente, apenas oito.

"Não foi [uma arbitragem] ruim. Foi péssima. Um árbitro que marca um pênalti que não foi, valida um gol com a mão e depois expulsa três jogadores… Mais do que isso um árbitro não pode fazer", constatou Bochini ao podcast "Bola de Chumbo".

A sete minutos do fim, Daniel Bertoni e Mariano Biondi começaram um ataque do Independiente, apesar da desvantagem numérica. A bola ficou com Bochini na entrada da área. Ele acertou um chute para empatar a partida e dar o título para a equipe pelo critério de desempate dos gols fora de casa.

O resultado é considerado a maior virada da história do futebol argentino. Menéndez teve enterrado o sonho de ascensão popular com o uso do futebol. Ele depois seria condenado 13 vezes à prisão perpétua por tortura e desaparecimento de presos políticos.

Bochini, de quebra, também mudou os rumos do futebol argentino. Menéndez havia prometido ao presidente do Talleres, Amadeo Nuccetelli, que ele seria presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino) caso o time de Córdoba fosse campeão.

"Ele [Nuccetelli] esteve a poucos minutos de ser presidente da AFA. Tinha tudo a favor, e nos resta imaginar o que seria hoje o futebol nacional se não houvesse acontecido o empate", especula Gómez.

A Argentina estava a seis meses de sediar o Mundial, que também venceria. No ano seguinte, a Associação teria novo presidente: Julio Grondona, mandatário do Independiente na conquista do título em Córdoba. Ele sairia do cargo apenas morto, em 2014.

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