Lesão no futebol americano e Copa nos EUA reavivam debate sobre grama sintética

Atletas reclamam, mas estudos são divergentes sobre riscos do piso artificial

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São Paulo

A recente e grave lesão sofrida por Aaron Rodgers, 39, astro do futebol americano, trouxe de volta à tona a discussão sobre o tipo do gramado em que são disputadas as partidas no esporte. O experiente quarterback rompeu o tendão de Aquiles do pé esquerdo durante sua estreia pelo New York Jets.

O jogo foi no MetLife Stadium, em Nova Jersey, estádio que faz uso do gramado sintético desde 2010. A perda do craque para o resto da temporada levou uma série de jogadores a se manifestar contra a utilização do piso artificial, pedindo a troca pelo gramado natural.

O argumento principal por trás da reivindicação é o de que a grama sintética é mais dura e áspera do que a natural, o que aumentaria o risco de lesões decorrentes de lances nos quais o pé do jogador fica preso na superfície, como ocorreu no caso de Rodgers

Pé de Aaron Rodgers ficou preso no piso sintético do MetLife Stadium; para receber Copa do Mundo, a arena terá que plantar grama natural - Elsa - 11.set.23/Getty Images via AFP

O estádio em que se deu a lesão do quarterback terá, necessariamente, que trocar seu gramado por um natural até 2026. O MetLife Stadium é uma das arenas escolhidas para a próxima Copa do Mundo, que terá como sedes Estados Unidos, México e Canadá.

Atualmente, 8 dos 16 campos do Mundial têm grama artificial. A Fifa (Federação Internacional de Futebol) já avisou que só poderá ser usada grama natural. Segundo a entidade, a decisão decorre da diferença climática entre os países e visa uniformizar as superfícies.

Tomou medida semelhante a organização do Campeonato Holandês: todos os times serão obrigados a adotar o piso natural até o início da temporada 2025/26. Os clubes de menor porte defendiam sua utilização pelo custo mais baixo, mas foram vencidos pela crítica dos jogadores ao risco de lesões e ao diferente impacto da bola na grama.

No Brasil, alguns atletas também já se posicionaram contra a grama de laboratório. Foi o que fez o meia argentino Galoppo, do São Paulo, que rompeu o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo em partida contra o Palmeiras, no Allianz Parque, em março, e ainda não voltou a atuar.

"Não sou a favor de que os times da primeira divisão tenham sintéticos. A maioria dos campos é de grama natural, e a grama sintética faz a diferença a favor do time local. Além disso, o sintético do Palmeiras está muito desgastado, e a bola passa muito rapidamente. Parece um daqueles sintéticos para jogar futebol de cinco [society]. Não é fácil jogar nesse tipo de campo", afirmou, em entrevista ao diário argentino Olé.

Segundo o Palmeiras, a adoção do gramado artificial, implementado em fevereiro de 2020, deu-se em função dos eventos e shows que danificavam a grama natural. Com a sintética, o Palmeiras joga sempre em um campo em "perfeitas condições", defende o clube.

Além do time paulista, apenas Athletico Paranaense e Botafogo adotam a grama artificial em seus estádios entre os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro.

Estudos não são unânimes em relação ao melhor gramado

Há uma série de estudos acadêmicos publicados sobre lesões na grama sintética e na natural, com conclusões diferentes. Parte deles aponta uma maior incidência de problemas no gramado sintético, enquanto outros indicam a grama natural como a mais perigosa.

"Há variáveis como o escopo do estudo, a qualidade metodológica. Não tem como bater o martelo que um é melhor que o outro", diz Liu Chiao Yi, coordenadora do curso de fisioterapia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Segundo ela, a conclusão possível é que há relação inversa entre o tempo em que o atleta atua em determinado gramado e a taxa de lesões. Quanto mais tempo atuando em um mesmo tipo de gramado, menor a taxa de lesão. Como no Brasil somente três estádios da elite adotam o gramado sintético, os jogadores de outros times não estão tão familiarizados, o que realmente pode acabar aumentando a taxa de lesões, afirma Liu.

Júlio Cerca Serrão, coordenador do Laboratório de Biomecânica da Escola de Educação Física e Esporte da USP (Universidade de São Paulo), diz que, em um país tropical como o Brasil, que não sofre com a questão climática para o crescimento da grama como a Europa, a grama natural deveria prevalecer nos estádios, uniformizando o jogo em uma superfície a qual todos os jogadores estão acostumados desde a infância.

Serrão vê as lesões no gramado sintético no Brasil decorrentes mais da falta de prática dos jogadores no piso do que das características da grama propriamente. Ele assinala que o tipo da grama é mais um fator entre diversos outros que influenciam em uma lesão, como a chuteira, a estrutura física e a forma de movimentação dos atletas. E faz uma analogia com acidentes envolvendo aeronaves: "Nunca é apenas uma a causa para um evento como esse".

Um estudo divulgado em abril na revista científica inglesa The Lancet, dedicado apenas a lesões no futebol, chegou a concluir que a incidência de lesões é 14% menor no gramado artificial do que na grama natural. A superfície estável e homogênea do gramado sintético pode contribuir para a prevenção, apontaram os autores.

Segundo Sergio Mainine, ortopedista do Hospital Ifor (Instituto de Fratura Ortopedia e Reabilitação), a evolução da grama artificial nos últimos anos ajuda na prevenção.

Ele lembra que, quando os primeiros campos de futebol amador com gramado sintético começaram a se popularizar no país, em meados dos anos 1980, notou um aumento nos casos de lesões em praticantes do esporte que chegavam em busca de tratamento. "Com o passar dos anos e a evolução da grama artificial, as lesões relacionadas ao gramado sintético diminuíram", afirma.

Em direção oposta, um estudo de julho de 2021 na publicação norte-americana Current Orthopedic Practice indicou um risco de lesão 58% maior em jovens dos Estados Unidos que praticam futebol americano na grama sintética em comparação aos que atuam na natural.

Pioneiro no país, Athletico usa fibras de coco no gramado da Ligga Arena

O Athletico Paranaense foi o primeiro entre os clubes brasileiros da primeira divisão a adotar o gramado artificial, em fevereiro de 2016. Diretor de operações do time, Fernando Volpato diz que o principal objetivo com a troca foi melhorar a qualidade do campo, que não sofre o mesmo desgaste do natural, em especial em dias de chuva.

Segundo ele, há uma validação periódica da Fifa, que exige que o piso apresente características que se aproximem ao máximo da grama natural. "A qualidade e regularidade do nosso gramado evita as lesões", diz Volpato.

O dirigente reconhece que o custo também é sensivelmente menor para a manutenção, em torno de R$ 200 mil por ano. Com a grama natural, apenas o gasto com energia elétrica para iluminação artificial chegava a R$ 1,2 milhão anuais.

É empregada no estádio do Athetico uma tecnologia que tem como base para fixação da grama sintética as fibras do coco, o que, segundo o clube, impede o aumento da temperatura do campo e permite que os jogadores deslizem sem queimaduras ou arranhões.

Já a grama em si é fabricada por empresas nacionais e estrangeiras, como Soccer Grass, Total Grass e Italgreen, a partir de um tipo de plástico conhecido como polietileno.

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