Descrição de chapéu atletismo

Maracanã do atletismo, pista do Ibirapuera foi sucateada e enterrou sonhos olímpicos, dizem atletas

Piso do estádio era feito de asfalto e borracha granulada; Cuiabá tem hoje a pista mais moderna da modalidade

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Pista de atletismo destruída do Estádio Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera

Pista de atletismo destruída do Estádio Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera Eduardo Knapp - 16.fev.2024/Folhapress

São Paulo

O Estádio Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera, é classificado pela comunidade do atletismo brasileiro como o templo brasileiro do esporte, o Maracanã da modalidade. Por lá, passaram campeões olímpicos e mundiais, que inclusive chegaram a morar dentro do complexo esportivo que abriga o estádio.

Nos últimos anos, no entanto, o equipamento esportivo tem sinais de abandono —em meio à tentativa de entregar o espaço à iniciativa privada—, o que prejudica a formação de novos atletas e a conquista de medalhas em competições.

Inaugurado em 1974 e tombado provisoriamente em 2021 pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o Ícaro de Castro Mello se viu no centro de uma polêmica nesta semana, ao ter sua pista de atletismo cedida pelo governo de São Paulo para a realização de uma corrida de carros.

Pista de atletismo destruída do Estádio Ícaro de Castro Mello, localizado ao lado do Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo
Pista de atletismo destruída do Estádio Ícaro de Castro Mello, localizado ao lado do Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo - Eduardo Knapp - 16.fev.2024/Folhapress

A Ultimate Drift, responsável pela organização do evento, divulgou nas redes sociais o vídeo de um trator arrancando o piso emborrachado que revestia a pista. Foi o estopim para que a comunidade do atletismo se mobilizasse para impedir que o local tivesse desvirtuada por completa sua finalidade.

Diante da pressão da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) e de atletas como a campeã olímpica Maurren Maggi, que morou e treinou no Ibirapuera, a secretaria voltou atrás e remanejou o evento automobilístico, que deve acontecer na área do estacionamento do complexo esportivo.

De acordo com o presidente da CBAt, Wlamir Campos, a última reforma da pista para a renovação do piso emborrachado aconteceu em 2010.

Embora a durabilidade de uma pista seja de aproximadamente dez anos, passados cerca de dois anos da intervenção, os problemas começaram a aparecer, com o surgimento de bolhas resultantes de infiltrações na base estrutural feita de concreto.

Responsável pela reforma, a empresa Recoma afirmou por meio de nota que a pista recebeu a certificação Classe 1 da WA (World Athletics), a associação internacional da modalidade.

"Há 45 anos no mercado, a empresa é líder neste segmento no Brasil e reconhecida internacionalmente pela qualidade dos seus produtos. Em todo o país, e ao longo de quase 30 anos, são mais de 70 pistas executadas com materiais aprovados pela World Athletics", disse a Recoma.

Devido ao estado deteriorado do piso, a última competição oficial no local já está prestes há completar dez anos —o Campeonato Brasileiro mirim de atletismo, em 2015.

"Após a pista já ter apresentado alguns problemas, veio a gestão do ex-governador João Doria, que tinha a vontade de fazer a concessão do Ibirapuera à iniciativa privada. A partir desse momento, o estado deixou de fazer a manutenção do local", afirma Campos. À época, o então governador apontou que o cuidado com o complexo gerava um custo anual de R$ 15 milhões aos cofres públicos. Procurado via assessoria de imprensa, João Doria não respondeu até a publicação deste texto.

Segundo o presidente da CBAt, na reunião que ocorreu na quarta-feira (14) entre representantes da modalidade e o governo paulista, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) reiterou que a restauração da pista de atletismo está entre as prioridades dentro dos planos de recuperação do complexo esportivo.

Em entrevista à Folha na quinta-feira (15), a secretária de Esportes, coronel Helena Reis, afirmou que a reforma da pista de atletismo deve ocorrer somente após o término do processo de tombamento feito pelo Iphan.

"O objetivo da Secretaria é modernizar e adequar o Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães para o uso de toda comunidade esportiva e também para o recebimento de competições nacionais e internacionais, para transformá-lo em um centro de excelência do esporte", disse a secretaria em nota.

Na sexta-feira (16), Tarcísio de Freitas defendeu a reversão do tombamento, com o objetivo de modernizar o espaço para competições esportivas.

Segundo o presidente da CBAt, hoje a pista de atletismo da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), em Cuiabá, tem as melhores condições para receber provas internacionais —o local sediará em maio o Campeonato Ibero-Americano de Atletismo, uma das principais competições da modalidade.

A pista da capital mato-grossense é revestida com um material emborrachado conhecido entre os esportistas como "mondo", em referência à fabricante italiana responsável pelo produto.

Campos diz que se trata da tecnologia mais avançada hoje no esporte, utilizada nas últimas 14 edições dos Jogos Olímpicos. Ela é produzida com borracha natural e fabricada em rolos —em uma espécie de grande carpete— e é montada como se fosse um Lego ao longo de toda a pista.

No caso da pista do Ibirapuera, a composição é diferente, baseada em material asfáltico que é sobreposto em várias camadas com a aplicação de resina e borracha sintética granulada. Por isso, é possível identificar grandes blocos de asfalto nas imagens que circularam nas redes sociais de tratadores retirando a pista

Campeões e medalhistas olímpicos que treinaram e moraram no complexo esportivo enfatizam que a ausência do equipamento público prejudica o desenvolvimento de novos talentos e diminui as chances de medalhas do país nas Olimpíadas.

"A ausência do estádio reduz a formação de grandes atletas para um futuro próspero com medalhistas em Olimpíadas", diz Maurren Maggi, ouro no salto em distância em Pequim-2008.

"Com certeza reduz as chances [de medalha] em qualquer esfera, não apenas em grandes competições. Além de ser uma referência histórica, o estádio é uma referência geográfica, que permitia aos atletas ter mais oportunidades de competir em alto nível", diz Sandro Viana, bronze no revezamento 4x100 metros em Pequim.

O manauara saiu da capital amazonense para morar e treinar no complexo do Ibirapuera entre 2005 e 2007. Ele diz que o Ícaro de Castro Mello e o Conjunto Desportivo Constâncio Vaz Guimarães como um todo estão para o esporte olímpico brasileiro assim como o Maracanã está para o futebol. "O complexo é como um pai para mim e vou defendê-lo para sempre."

Não seria campeã olímpica se não tivesse treinado e morado no Ibirapuera"

Maurren Maggi

Ex-atleta do salto em distância

Maurren Maggi acrescenta que os treinos no estádio, ao lado de nomes referência na modalidade, como Robson Caetano, Arnaldo Oliveira e Marcelo Brivilati, serviu como motivação para que ela se desenvolvesse profissionalmente.

"Não seria campeã olímpica se não tivesse treinado e morado no Ibirapuera", diz ela, que morou e treinou no espaço entre 1994 e 2000. Em 2011, ela voltou ao estádio para ficar com o ouro no Troféu Brasil.

Campeã olímpica Maurren Maggi salta para a vitória no Troféu Brasil de Atletismo, no Estádio Ícaro de Castro Mello
Campeã olímpica Maurren Maggi salta para a vitória no Troféu Brasil de Atletismo, no Estádio Ícaro de Castro Mello - Ricardo Nogueira - 7.ago.2011/Folhapress

Treinador do medalhista olímpico Vanderlei Cordeiro de Lima, Ricardo D´Angelo assinala que, entre 2002 e 2012, o Clube de Atletismo BM&F, por meio de um convênio com a Secretaria de Esportes, reformou a pista de atletismo e fez a gestão do espaço público.

"Talvez a solução seja essa, algum tipo de parceria com CBAt, COB, Ministério do Esporte e empresas privadas para que direcionem seus investimentos na reconstrução do estádio e restabeleçam a importância do equipamento para o atletismo brasileiro e, por fim, invistam no legado que o estádio trará para o esporte brasileiro", diz D´Angelo.

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