Descrição de chapéu Folhajus

Tribunal anula condenação de Nuzman e Sérgio Cabral no caso da suposta propina para Olimpíada do Rio

Magistrados entenderam que o juiz Marcelo Bretas não deveria julgar o caso; ação penal pode ser reiniciada

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Rio de Janeiro

O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) anulou nesta quarta-feira (6) a condenação do ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) e do ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral no caso do suposto pagamento de propina para levar os Jogos Olímpicos de 2016 para o Rio de Janeiro.

Os magistrados da 1ª Turma Especializada entenderam que o juiz Marcelo Bretas não tinha competência para julgar o caso. A decisão, na prática, anula a sentença imposta pelo titular da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro.

Ex-presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman deixa a Cadeia Pública José Frederico Marques, no Rio de Janeiro, onde ficou preso por um mês em 2017 - Bruno Kelly - 26.out.17/Reuters

A decisão já era esperada após o próprio Bretas declarar sua incompetência para julgar a ação penal em que Cabral é acusado de receber propina do empresário Arthur Soares.

Esse processo tem ligação direta com o de Nuzman, porque o empresário teria sido a fonte do suposto pagamento de US$ 2 milhões (R$ 10,6 milhões, na cotação atual) ao senegalês Lamine Diack, membro do COI (Comitê Olímpico Internacional) morto em 2021.

Bretas se declarou incompetente após uma sequência de determinações do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) que retiraram casos do ex-governador de suas mãos. A atuação do magistrado, segundo o entendimento das Cortes superiores, se restringiria às ações que envolvem propina paga por empreiteiras.

A ação penal sobre a suposta propina pela Rio-16 poderá ser retomada por outro juiz, mas há possibilidade do crime estar prescrito para Nuzman, já que o prazo para abertura de processo contra idoso é menor —o ex-presidente do COB tem 81.

Em nota, a defesa de Nuzman afirmou que Bretas "demonstrou não ter isenção, cometeu diversas arbitrariedades, se aliou ao Ministério Público e avocou para si um processo que não era de sua alçada".

"O Tribunal fez valer a Constituição e impediu a perpetuação da violência jurídica", afirmou o advogado João Francisco Neto, que representa o ex-presidente do COB.

A defesa de Cabral afirmou que segue "batalhando para que estes danos irreparáveis da famigerada Operação Lava Jato sejam, ao menos, minimizados".

Nuzman foi condenado a quase 31 anos de prisão, e Cabral, a 10 anos e 8 meses sob acusação de envolvimento no pagamento de propina a Diack para a compra de votos no COI para a escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

Nuzman sempre negou a acusação. Afirmou que não tinha conhecimento de nenhum pagamento e que a escolha do Rio de Janeiro foi resultado do esforço empenhado pelo comitê de candidatura.

Sua defesa também disse que o caso investigado tratava de uma possível corrupção privada, crime não prevista na legislação brasileira. O magistrado entendeu, porém, que o COB é uma entidade de caráter público e que Nuzman contou com benefícios conferidos a "seletos funcionários públicos", como passaporte diplomático, durante a campanha.

O dirigente chegou a ficar preso preventivamente por 15 dias, mas foi solto por habeas corpus do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A investigação levou à renúncia do cartola da presidência do COB após 22 anos no comando da entidade.

Cabral também negou, inicialmente, a acusação. Em 2018, chegou a classificar a acusação da Procuradoria como um "preconceito racial".

Contudo, o ex-governador mudou a estratégia de defesa em 2019, decidiu confessar e, em novo depoimento, confirmou o pagamento de propina. Ele afirmou que o dinheiro repassado compraria até nove votos, citando ex-atletas estrangeiros.

Disse também que o presidente Lula (PT) e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), ambos à época no cargo, sabiam do pagamento, mas sem participação na negociação ou operação do pagamento. Eles negam.

Após obter a liberdade em 2021, o ex-governador voltou a negar o pagamento de propina.

Quatro cidades foram candidatas na eleição de 2009 —além do Rio, concorreram Madri, Tóquio e Chicago. A vitoriosa foi definida por eliminação. A cada rodada, a cidade menos escolhida era retirada da disputa, iniciando-se nova votação.

"Ele [Nuzman] chegou com o Leo Gryner. 'Olha, governador, nós temos todas as chances de ganhar. Fizemos uma campanha bonita, os três níveis de governo envolvidos. O presidente da federação internacional de atletismo, Lamine Diack, se abre para vantagens indevidas. Fizemos contato com ele. E há uma garantia de cinco a seis votos. E eles querem US$ 1,5 milhão’", relatou Cabral em 2019, quando confessou o crime.

O emedebista relatou na ocasião que Nuzman e Gryner o procuraram depois pedindo mais US$ 500 mil a fim de garantir até nove votos.

Na primeira rodada de votação, a cidade brasileira teve 26 votos, enquanto a norte-americana foi eliminada com 18. Caso a candidatura carioca tivesse perdido os até nove votos supostamente comprados para a concorrente, a cidade não teria passado.

"Era fundamental ter a garantia desses votos. Depois foi a política. A política com ‘p’ minúsculo na primeira fase e a com ‘p’ maiúsculo na segunda e terceira fases", disse Cabral em 2019, referindo-se à campanha pelo segundo voto dos eleitores do COI.

Após a primeira rodada, o Rio manteve larga vantagem sobre as demais, tendo atraído os votos dos eleitores das cidades eliminadas. Na última votação, superou Madri por 66 a 32.

As principais provas do processo eram o comprovante de transferência de US$ 2 milhões de uma empresa de Soares para uma firma de Papa Massata Diack, filho de Lamine.

O vínculo com a votação foi determinado por meio de e-mails de Papa Diack a integrantes da Rio-16 em que cobrava o valor prometido. O atraso, segundo o senegalês escreveu, gerou "constrangimento de pessoas que confiaram no nosso comprometimento em Copenhague".

Além do valor pago por Soares, as investigações identificaram o pagamento de mais US$ 500 mil a Diack por meio de uma conta de Willy Kraus, dono de uma corretora de câmbio no Rio de Janeiro, morto em 2015.

Transferências de Kraus coincidem com o relatado por Papa Diack em email enviado à então secretária de Nuzman, Maria Celeste. Na mensagem, enviada no dia 6 de janeiro de 2010, ele confirma o recebimento de duas transferências (US$ 50 mil e US$ 60 mil) e aponta um débito de US$ 340 mil.

Dois depósitos feitos por Kraus ocorreram antes do envio do email com os mesmos valores. Outras duas transferências (US$ 80 mil e US$ 60 mil) ocorreram após o envio do email.

A investigação identificou uma série de emails de Papa Diack fazendo cobranças mesmo após o pagamento de Soares, em setembro de 2009. Em 26 de novembro de 2009, Gryner havia enviado um email para o senegalês afirmando que tinha "um patrocinador diferente para essa última porção".

"Esse patrocinador está tendo problemas com essa transferência, e estamos tentando ajudar ele", escreveu o ex-diretor da Rio-16. A suspeita é que Kraus seja o novo "patrocinador" ou um intermediário dele.

Além das acusações envolvendo a Rio-16, Lamine Diack também foi condenado sob acusação de envolvimento em uma rede de corrupção destinada a esconder casos de doping na Rússia.

Segundo a acusação, o senegalês de 87 anos solicitou propina de 3,4 milhões de euros (R$ 21 milhões) para acobertar condenações de atletas e permitir que eles competissem nos Jogos Olímpicos de Londres-2012 e no Mundial de Moscou-2013.

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