Descrição de chapéu Olimpíadas

Apesar de desconforto, prêmio por ouro olímpico é bem recebido por atletas

Decisão causa surpresa e incomoda defensores da tradição amadora, mas tem boa reação de esportistas de ponta

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São Paulo

Causou surpresa a decisão anunciada na última quarta-feira (10) pela WA (World Athletics, a federação internacional de atletismo), que pagará prêmio em dinheiro para os medalhistas de ouro dos Jogos Olímpicos de Paris. A quebra de uma tradição de 128 anos foi recebida com algum sobressalto pelo próprio COI (Comitê Olímpico Internacional). Mas os atletas gostaram.

Se incomodou os defensores dos antigos valores do amadorismo, a medida teve apoio dos esportistas de ponta que se posicionaram sobre o tema. Se reclamaram, foi porque ainda consideram baixo o valor estipulado, US$ 50 mil (cerca de R$ 250 mil) –a partir dos Jogos de Los Angeles, em 2028, haverá também dinheiro para os que levarem prata e bronze.

"É melhor do que nada", disse o sueco Armand Duplantis, recordista mundial e favoritíssimo ao bicampeonato no salto com vara. "É um passo na direção correta, considerando que não havia prêmio nenhum. Claro, há várias maneiras de ver a questão, mas não tinha nada, agora tem alguma coisa."

"Acho que é bom", concordou o norueguês Karsten Warholm, defensor do título olímpico nos 400 m com barreiras. "É bom que um esporte profissional, como é o atletismo, continue crescendo. Isso não muda minha motivação. Eu quero ganhar pela Olimpíada, não pelo dinheiro. Mas, no que diz respeito à construção de um esporte profissional, acho que está na direção certa."

Armand Duplantis durante o Campeonato Mundial de Atletismo Indoor em Glasgow, na Escócia
Armand Duplantis durante o Campeonato Mundial de Atletismo Indoor em Glasgow, na Escócia - Hannah Mckay - 3.mar.24/Reuters

Vários outros tiveram manifestações semelhantes. Para o brasileiro Almir Cunha dos Santos, que disputará a prova do salto triplo em Paris, "isso é uma coisa que já era para ter acontecido". Ele sempre teve dificuldade para compreender por que justamente o campeonato mais importante não valia dinheiro.

"É maravilhoso para os atletas, porque a gente está falando do ápice do atletismo. A gente está falando da competição mais disputada do universo, que acontece de quatro em quatro anos. Então, nada mais justo do que uma premiação em dinheiro por esse resultado, por um feito que é extremamente difícil. Então, sou completamente a favor", disse Almir à Folha.

O argumento é semelhante ao usado pela própria World Athletics no anúncio da novidade. O presidente da entidade, o britânico Sebastian Coe, que levou a medalha de ouro nos 1.500 m nos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscou, e na edição de 1984, em Los Angeles, apontou que a realidade do desporto hoje é outra.

"Venho de uma era em que, para competir, a gente tinha um bilhete de trem de segunda classe, com um vale-refeição. O mundo mudou. É realmente importante que a gente crie um esporte que é financeiramente viável aos competidores. Se eu achasse que os atletas estivessem competindo só pelo dinheiro, minha visão poderia ser outra. Mas eles não estão", declarou.

Os esportistas, de maneira geral, já eram premiados por seu desempenho nos Jogos Olímpicos, com valores de patrocinadores, federações nacionais e comitês olímpicos nacionais. O ineditismo da premiação é que agora ela será feita pelo órgão que rege a modalidade no mundo, no caso do atletismo a World Athletics.

Almir Cunha Dos Santos durante competição dos Jogos Pan-Americanos de Santiago
Almir Cunha Dos Santos durante competição dos Jogos Pan-Americanos de Santiago - Martin Bernetti - 3.nov;23/AFP

Federações nacionais também aplaudiram a iniciativa, a começar pela mais prestigiada, a USATF (USA Track & Field), dos Estados Unidos. No caso do Brasil, o presidente do Conselho de Administração da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo), Wlamir Motta Campos, viu a mudança com bons olhos.

"O fato de ter uma bonificação não corrompe o espírito olímpico. Um atleta olímpico quer a medalha de ouro, ser imortalizado, não vai ter performance por causa da premiação, que é uma consequência, um reconhecimento", disse Campos à Folha. "Vejo com naturalidade o processo da World Athletics porque dialoga com a realidade em todo o mundo. O alto rendimento exige dedicação, e o atleta tem que pagar as suas contas e sobreviver."

No caso do COI, porém, houve desconforto. A decisão da WA não foi discutida previamente com os dirigentes da entidade que rege os Jogos Olímpicos, presidida pelo alemão Thomas Bach. Foi meramente comunicada por um dos auxiliares de Sebastian Coe ao COI, que publicou uma nota sucinta, falando sobre o dinheiro que distribui às federações internacionais de cada modalidade.

Nesse cenário, consultado pela reportagem, o COB (Comitê Olímpico do Brasil) informou que não se posicionaria sobre o assunto, incômodo para aqueles que defendem os tradicionais valores olímpicos. É o caso de professora da USP (Universidade de São Paulo) Katia Rubio, uma das referências do Brasil em pesquisas sobre o movimento olímpico.

"Quando o movimento olímpico se rende à lógica da mercadorização, não é nem a da mercantilização, mas da mercadorização do esporte, ela deixa de ser essa celebração milenar para ser só mais um campeonato. Premiação em dinheiro para mim nos Jogos Olímpicos é a mesma coisa que botar a cenoura na frente do nariz do cavalo", disse Katia à Folha.

A pesquisadora estabeleceu um paralelo entre a situação atual e a decadência dos Jogos Olímpicos da antiguidade, que "começou quando se perdeu o caráter de celebração". "Então, deixa de ser a honra aos deuses para se ter prêmios materiais e depois se torna pão e circo com o domínio dos romanos. O que a gente tem nos Jogos Olímpicos recentes é muito semelhante."

Com informações da Reuters

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