Descrição de chapéu Chuvas no Sul

Renato Gaúcho critica falta de apoio aos times do RS: 'Não tem união. Deixaram a gente lá, cada um por si'

Técnico diz que precisou recuperar a parte psicológica dos jogadores e que segue mobilizando ajuda

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Santos

Renato Gaúcho, 61, propôs publicamente, em maio, uma mudança ousada nas regras do Campeonato Brasileiro: acabar com o rebaixamento nesta temporada em razão da tragédia que atingiu o Rio Grande do Sul.

O treinador do Grêmio ainda sugeriu a paralisação da competição. "Importa mais a parte financeira ou as vidas?", questionou ao em entrevista ao SporTV. Ele associou as dificuldades enfrentadas pelos clubes do estado com as mesmas da pandemia da Covid-19.

Mais de 20 dias depois, o ex-atacante conta ter se decepcionado com a falta de mobilização de clubes e da CBF. Em entrevista à Folha, ainda emocionado ao falar dos efeitos das enchentes que vitimaram 175 pessoas, segundo a última atualização da Defesa Civil do estado, ele diz que faltou união pela causa.

Renato Gaúcho exibe a bandeira do Rio Grande do Sul durante partida do Grêmio na Libertadores
Renato Gaúcho exibe a bandeira do Rio Grande do Sul durante partida do Grêmio na Libertadores - Albari Rosa - 30.mai.24/AFP

"Foi uma opinião minha [não ter rebaixamento], mas não sou eu quem decide. É entre os clubes e a CBF, mas vimos que quando precisamos de uma união, não tem. Deixaram a gente lá, cada um por si. Cada um busca o seu, infelizmente", disse, comparando na sequência com o futebol europeu.

"Fosse na Europa já teriam decidido pelo não rebaixamento. Não adianta também ficar dando soco em ponta de faca, nadando contra a maré ou brigando sozinho. Agora as pessoas ficam falando, discursando: blá, blá, blá..., mas na hora de tomar uma providência em favor dos clubes cada um puxa a sardinha para o seu lado. Aí, infelizmente, foi bastante decepcionante", completou.

Após um mês sem atuar com o clube gaúcho, o treinador precisou voltar, assim como o Internacional e o Juventude. Somou quatro dos seis últimos pontos na Libertadores e conquistou uma classificação histórica, superando um mau começo na competição continental.

Renato Gaúcho conta que precisou recuperar a parte psicológica dos jogadores e diz que segue mobilizando ajuda, com doações de valores, para diversas áreas mais atingidas: "a vida de ninguém voltará ao normal, nem todos têm condições de recomeçar".

Como voltar aos jogos sabendo que o estado está destruído, com mais de 170 mortos?
É muito triste ver esse cenário. Infelizmente, o nosso povo teve esse problema, a gente ficou longe das nossas famílias... somos humanos, sentimos bastante. Mas mesmo a distância temos procurado ajudar. Conversamos bastante por conta da parte psicológica dos jogadores, é difícil. Então, pelo menos quando estivermos em treinamentos e jogos, precisamos esquecer dessa situação para dar um pouquinho de alegria buscando as vitórias.

E como estão os seus familiares e amigos mais próximos? Houve alguma perda material ou de vidas próximas a você?
Perdas de vida, não, mas estão todos com dificuldades. Coloco os meus familiares junto com o povo. É muito triste porque muita gente fala que quando as águas baixarem tudo volta ao normal. Não volta ao normal porque as pessoas vão começar do zero e nem todo mundo tem condições de começar uma nova vida. A maioria delas perdeu suas casas, é difícil reconstruir do zero.

Onde você estava quando a água começou a subir? Como foi sua reação naqueles primeiros dias, a busca por um lugar seguro...
Eu estava no meu hotel. Fui dormir às 23h30... meia-noite e não dava para ver a água ainda. No dia seguinte acordei com batidas na porta do meu quarto do gerente, o André, falando que a água havia subido. Olhei pela janela, já estava a dois metros. Ali começaram as dificuldades. Ligaram para as pessoas para tirar os hóspedes do hotel. Eu fiquei ainda mais um dia lá e troquei de hotel, mas na chegada ao outro havia acabado a água e a comida estava escassa. As autoridades me pediram para que eu saísse da cidade. Tinha que sair para que pelo menos quem ficasse por lá tivesse uma condição um pouquinho melhor em termos de água e comida.

Qual foi o seu sentimento quando acompanhou as imagens pela primeira vez?
Quando você vê as cenas, a ficha começa a cair de uma outra forma. Uma coisa é ouvir falar, ver a água... outra é entender a destruição. São dois momentos totalmente diferentes. É muita tristeza, mas muita tristeza mesmo. E você vê que as pessoas não podem fazer absolutamente nada, sendo que há alguns meses já tivemos outra enchente. Muitos ainda estavam tentando se recuperar, essa acabou com o sonho delas. Tristeza absoluta, é até difícil falar nessas horas.

Você fez uma ação beneficente com a Renata Fan. Acha que é tempo de uma união maior entre os rivais? Considera, por exemplo, possível o Grêmio jogar no Beira-Rio e mais ações conjuntas dos clubes?
Tenho uma grande admiração por ela. É gaúcha, tem um ibope muito grande e por ser torcedora do Internacional fiz essa ação conjunta para ajudar o povo todo. Ali não tem camisa, não tem torcedor do Grêmio, ou do Internacional, é uma campanha para o Rio Grande do Sul. Jogar no Beira-Rio não [vai acontecer], a não ser o Grenal contra eles. Fora isso vamos achar outros lugares até porque as condições lá em Porto Alegre ainda não são das melhores e a gente sempre busca jogar onde possa treinar, também. Em Porto Alegre a situação continua crítica.

Durante a paralisação, você mobilizou seus jogadores a ajudarem ou isso partiu deles? Como viu a participação de atletas na tragédia?
Conversei e troquei bastante ideia com os meus jogadores. Eles ajudaram bastante e continuamos ajudando muita gente lá no Sul através de Pix. Temos viajado, jogado, mas nunca tiramos o pensamento do nosso estado. Lá trás eles ajudaram salvando vidas de pessoas, de animais, mas agora o que podemos fazer é sempre dar um abraço carinhoso e, mesmo a distância, nos preocuparmos, doar valores.

Você chegou a sugerir que não houvesse rebaixamento esse ano no Brasileiro. Ainda mantém essa ideia? Quer brigar mais por isso? Foi uma opinião minha, mas não sou eu quem decide. É entre os clubes e a CBF, mas vimos que quando precisa de uma união, não tem. Deixaram a gente lá, cada um por si. Cada um busca o seu melhor. infelizmente. Se fosse na Europa já teriam decidido pelo não rebaixamento. Não adianta também ficar dando soco em ponta de faca, nadando contra a maré ou brigando sozinho. Agora as pessoas ficam falando, discursando: blá, blá, blá.... mas na hora de tomar uma providência em favor dos clubes cada um puxa a sardinha para o seu lado. Aí, infelizmente, foi bastante decepcionante.

vimos que quando precisa de uma união, não tem. Deixaram a gente lá, cada um por si. Cada um busca o seu melhor. infelizmente. Se fosse na Europa já teriam decidido pelo não rebaixamento.

Renato Gaúcho

Técnico do Grêmio


O Grêmio voltou já garantindo classificação na Libertadores. O que fez para descontar o longo tempo de inatividade? Havia também o componente emocional.
Eu trabalhei bastante a parte psicológica deles, que foram bastante profissionais. Mesmo treinando era difícil tirar da cabeça deles [a tragédia] porque todos têm família, amigos e parentes lá, mas coloquei que o mínimo que poderiam fazer, além de ajudar com a parte financeira, seria buscando a classificação na Libertadores e as vitórias dentro do campo para dar um pouquinho de alegria ao nosso torcedor. Nesse ponto conseguimos sucesso.

Há um caminho agora de reconstrução. O que acha que precisa ser feito por parte de autoridades e políticos para que o estado se reconstrua?
Essa parte é difícil, é bem difícil. É bem complicada. Espero que continuem ajudando não com palavras somente, mas com gestos e com dinheiro.


RAIO-X
Nascimento: 9.set.1962 (61 anos), em Guaporé (RS)

Principais títulos como treinador: Copa Libertadores (2017), Copa do Brasil (2008 e 2016), Recopa Sul-Americana (2018), Gaúcho (2018, 2019, 2020, 2021, 2023 e 2024), Recopa Gaúcha (2023)

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