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Por saúde mental, Brasil pratica celular a distância em Paris

Atuação de atletas em redes sociais gera polêmicas, mas foco de psicólogos do COB é preservar performance

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Paris

Não dá para evitar o celular, mas o onipresente e daqui a pouco onisciente aparelho não pode ir além do ponto de não retorno da saúde mental. De preferência, bem distante dele. Soa como reunião de pais e professores em escola, mas é receita de performance para os atletas brasileiros nos Jogos de Paris-2024.

"Celular faz parte da vida de qualquer pessoa, não é diferente com o atleta de alto rendimento", afirma a psicóloga Carla di Pierro, do Time Brasil, em Paris para a sua terceira missão olímpica.

"Antes e depois do treino, para a construção social, de imagem, do futuro, mas tudo isso não pode aumentar o nível de estresse. Há um foco altíssimo na performance, qualquer coisa que afete minimamente esse esforço precisa de conversa e orientação detalhada."

Atletas brasileiros fotografam broches comemorativos entregues à delegação
Atletas brasileiros fotografam broches comemorativos entregues à delegação - Mathilde Missioneiro/Folhapress

O noticiário esportivo das últimas semanas está pródigo em pequenas e grandes polêmicas em torno da delegação nacional. Em comum, a óbvia disseminação de fatos e inúmeras versões pelas redes sociais de atletas, assessores e toda sorte de opinadores. "É terra de ninguém", desabafou, na segunda-feira (22), o técnico José Roberto Guimarães, que administra, na França, uma dessas crises.

No começo do mês, a seleção feminina de vôlei foi parar nas páginas de celebridades após um ruidoso rompimento de namoro entre Sheilla Castro, hoje em dia integrante da comissão técnica da CBV (Confederação Brasileira de Voleibol), e a capitã Gabi. Um bate-boca online teria sido alimentado pela ex-atleta e campeã olímpica, algo que ainda não foi esclarecido.

"Entenda cada detalhe da polêmica entre Sheilla Castro e Gabi do vôlei após fim do namoro", dizia um dos tantos títulos publicados sobre o assunto.

Na mesma semana, um material de divulgação do COB (Comitê Olímpico do Brasil) antecipou indevidamente um novo salto de Rebeca Andrade, manobra que pode valer um novo ouro olímpico na ginástica. O conteúdo foi logo retirado do ar.

Em episódios mais recentes, integrantes do time brasileiro de atletismo que chegaram a Paris soltaram críticas à Puma, fornecedora de material esportivo da modalidade; e a skatista Rayssa Leal virou assunto por reclamar a presença da mãe na Vila Olímpica, o que os seus atuais 16 anos não mais permitem.

"A gente teve uma intercorrência em Tóquio", conta Di Pierro, que coleciona atletas de ponta no currículo pessoal, como a tenista Bia Haddad e a campeã olímpica Ana Marcela Cunha. "Um integrante da delegação nos procurou, estava sofrendo críticas nas redes sociais e lidando muito mal com isso. Diminuir ou mesmo terceirizar o uso do celular é fundamental", diz a psicóloga, sem revelar o nome do paciente no Japão por sigilo profissional.

Há três anos, na edição adiada pela pandemia, a participação de esportistas olímpicos nas redes era um caminho natural. O vídeo no TikTok da equipe de skate nacional fazendo bagunça em um banheiro high-tech, naquele momento de isolamento, divertia e, de certa forma, rejuvenescia o esporte olímpico. Não foi por outro motivo que a modalidade ascendeu aos Jogos.

O planeta já é outro agora. A toxicidade das redes sociais é patente, e o debate sobre seu controle, mínimo que seja, alimenta acaloradas disputas legais e políticas. O jornalismo não escapa do fenômeno, como demonstram grandes eventos esportivos recentes.

Reportagem do site The Athletic, do jornal americano The New York Times, registrou a ascensão dos "criadores de conteúdo para mídia social" durante a Copa América nos EUA, no começo do mês. Um dos relatos dava conta de um streamer argentino que prometeu tatuar um autógrafo de Messi no braço se ele o assinasse. O craque argentino assinou, e o sujeito cumpriu a promessa no dia seguinte, de acordo com o site.

A versão brasileira em Paris é mais suave, até algum post em contrário. Entre muitos alienígenas, ex-globais com vasto currículo em esporte, como Galvão Bueno, Tino Marcos e Fátima Bernardes. O Grupo Globo, por sinal, divide as transmissões com a Cazé TV, do streamer Casimiro Miguel.

Ferramenta para construir imagem

Celular e redes sociais são ferramentas importantes no esporte. Com eles, pondera Di Pierro, vários atletas constroem a imagem, potencializam a própria marca e constroem um futuro depois da competição, por exemplo.

"Não é apenas uma questão de vaidade. É preciso muita autogestão, inteligência emocional para administrar tantos aspectos da carreira em um ambiente de cobrança, responsabilidade e também de adoecimento."

"Nós não vamos dar uma determinação de que isso ou aquilo é proibido, não. Entendemos que o atleta tem que estar focado na competição e, nesse sentido, procuramos passar recomendações para que a mídia social não atrapalhe o desempenho", disse, em entrevista à Folha, Rogério Sampaio, diretor-geral do COB.

"Onde ele vai postar ou o quê ele vai postar, é uma decisão do atleta."

O comitê fez um seminário em junho com esportistas classificados para Paris-2024, assessores e dirigentes. Uma parte foi reservada para a regra 40 da Carta Olímpica, espécie de Constituição dos Jogos Olímpicos, que determina limites para a atuação nas redes sociais (formulada, em grande parte, para preservar os interesses comerciais de patrocinadores).

O evento contou com palestras de empresas de comunicação, gestão de crise e big techs, como Meta e TikTok. "Com dicas de como usar e também de como não usar, se eles acharem necessário", conta Helena Rebello, coordenadora de comunicação do COB.

"Tem atleta que prefere sair, que troca o chip do celular, de número." Em alguns casos, vale ouro.

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