Oswald de Andrade escreveu sobre Guerra da Coreia em 1950

Autor do 'Manifesto Antropófago' assinou na Folha a coluna 3 Linhas e 4 Verdades

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Irreverente e inovador, Oswald de Andrade (1890-1954) se destacou entre os modernistas brasileiros tanto pelas suas poesias quanto pelas declarações de cunho intelectual.

Autor dos clássicos "Manifesto da Poesia Pau-Brasil" (1924) e "Manifesto Antropófago" (1928), sua busca por identidade e arte nacionais despreendidas do pensamento europeu reverbera até os dias de hoje.

quadro com retrato de homem pintado com tons vibrantes de azul, verde e amarelo
Retrato do poeta Oswald de Andrade pintado por Tarsila do Amaral em 1922 - Reprodução

O autor paulistano assinou na Folha, de novembro de 1949 a outubro de 1950, a coluna 3 Linhas e 4 Verdades, em que tratou de arte, política e, por vezes, aventurou-se no colunismo social, narrando festas da intelectualidade da capital paulista.

No texto aqui recuperado, como parte da série Colunas Eternas, é da Guerra da Coreia, deflagrada em junho de 1950, que o autor parte para refletir sobre todas as guerras, "a tolice armada", como chama. Mas há, afinal, uma luz no fim do túnel, a força da História.

Com 60 anos a essa altura, Oswald já tinha acompanhado a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

3 linhas e 4 verdades

2.jul.1950

Quanta gente estará exultando por causa dos primeiros arreganhos da guerra! Quanta gente estará chorando! O homem continua dentro de sua constante antropofágica. E se fosse escolhido um epitáfio para este vale de lágrimas, devia ser aquela fabulosa fábula de La Fontaine, "O lobo e o cordeiro". Quem foi que começou? Foi você! Foi você! E os dois se pegam de gosto, hoje ou amanhã. O cordeiro de hoje será o lobo de amanhã.

Sarajevo, Dantzig ou Seul são apenas estopins. E assim vai o mundo. Para onde? Uma teoria do astrônomo Lemaitre, que por sinal é padre, afirma que o mundo está em expansão e que, mais tarde ou mais cedo, seu fim é estourar como uma bola de sabão no horizonte sem fim das galáxias. Esta teoria é confirmada pelas maiores capacidades da astrofísica, entre as quais Einstein.

Antes, porém, de irmos para o inferno ou para o nada, peguemos bem as nossas taponas atômicas no inimigo visível e gritemos alto que a razão está conosco e a justiça e todos os demais argumentos morais de nosso arsenal ideológico.

Nessa confusão há uma luz que ilumina o futuro humano. É a força da História. Os que se colocarem a favor da força da História serão vencedores, mesmo que fiquem vencidos nos campos de batalha. É o sentido de "Marco Zero". O dominicano Ducatillon já escreveu um livro intitulado "A Guerra, esta Revolução". O que importa é a transformação do mundo. Porque não pode continuar como notava, já no século 16, aquele índio de Rouen, esta civilização onde existem porões, casebres, feudos e palácios.

De que modo se transformará o mundo? Pelo trabalhismo inglês? Pelo sovietismo russo? Pela Revolução dos Gerentes? Pelo liberalismo progressista?

De qualquer maneira, chegou o momento de gritar pela paz. Chega de tolice armada! Uma velha caricatura inglesa faz ver dois trogloditas numa corrida, empunhando suas maças na direção do conflito que estourou na vizinhança: Vamos! Esta vai ser a última guerra!

A Coreia nos afirma que ainda e sempre estamos na caverna ancestral.

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