Rubens do Amaral dirigiu Folhas por 15 anos e fez oposição a Vargas

Jornalista ensinou crítico Antonio Candido a dividir parágrafos no início da carreira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O crítico literário Antonio Candido nunca esqueceu a lição recebida no início da carreira. "Não leio seus artigos", disse o jornalista Rubens do Amaral, abrupto. "Você não abre parágrafos", explicou, sugerindo então que o crítico organizasse os textos em blocos menores para facilitar a leitura.

Ao contratar a escritora Helena Silveira como colunista social da Folha da Manhã, ele pediu que deixasse de lado as ambições literárias. "Esqueça tudo o que aprendeu, todo o legado de inteligência da família", recomendou. "Tem que ir a festas, descrever os chapéus das mulheres, os ambientes, relatar nomes."

O estilo direto virou marca registrada de Amaral, que dirigiu a Folha da Manhã e a Folha da Noite por quase 15 anos, numa fase agitada em que a empresa responsável pelos dois jornais trocou de dono e a política brasileira foi sacudida por revoluções e golpes de Estado.

Retrato branco e preto de homem branco de cabelos grisalhos, vestido com terno escuro, camisa branca e gravata, gesticulando com o punho da mão direita fechado e erguido.
O jornalista Rubens do Amaral, que dirigiu a Folha da Manhã e a Folha da Noite nos anos 1930 e 1940 - Folhapress

O jornalista começou como revisor aos 17 anos, trabalhou no interior paulista e em outros estados e ganhou projeção à frente do Diário da Noite e do Diário de São Paulo, veículos de grande circulação que faziam parte do poderoso grupo de comunicação construído pelo empresário Assis Chateaubriand.

Amaral assumiu a direção das Folhas em 1931, quando o fazendeiro Octaviano Alves de Lima comprou a empresa que criara os dois jornais e decidiu relançá-los. Eles tinham deixado de circular por alguns meses após a Revolução de 1930, quando apoiadores de Getúlio Vargas depredaram a sede da empresa.

Chateaubriand tentou demover Amaral argumentando que não fazia sentido deixar uma empresa consolidada como a sua para embarcar numa aventura. Foi em vão, mas Chatô recompensou o ex-funcionário. Comprou a casa em que o jornalista morava de aluguel e doou a propriedade a ele.

A afinidade com Octaviano ficou evidente no relançamento das Folhas. O editorial que anunciou as intenções do novo dono, assinado por Amaral, prometia olhar crítico para o governo provisório instalado por Vargas, pedia reformas e definia como missão do jornal "propugnar a causa da lavoura".

Como o novo patrão, Amaral era adepto das ideias do economista americano Henry George, muito populares no século 19. Para os georgistas, governos deveriam estimular a economia taxando a propriedade da terra e o uso de recursos naturais, deixando livres de impostos lucros, salários e outras rendas.

Os dois comungavam também do crescente desconforto das elites paulistas com os rumos da revolução. Em 1932, Amaral se afastou das Folhas para lançar um novo título, o Correio de S.Paulo. Quando os paulistas decidiram pegar em armas contra Vargas, o jornal tornou-se porta-voz oficioso do movimento.

Seus artigos em defesa da Revolução Constitucionalista eram lidos no rádio e tinham grande alcance, mas os rebeldes foram derrotados em menos de três meses. "Os paulistas não foram vencidos nem o seu ideal morreu", escreveu Amaral após a rendição. Dias depois, deixou o Correio e voltou para as Folhas.

O jornalista seguiu à frente das Folhas durante o Estado Novo, o regime ditatorial instituído por Vargas em 1937. Seu braço direito no comando da Redação durante boa parte desse período, o jornalista Hermínio Sacchetta, era um militante de esquerda que passara dois anos preso por razões políticas.

Ambos tinham ojeriza a Vargas. Quando um filho do ditador assumiu a presidência da Federação Paulista de Futebol, Amaral orientou a empregada da casa a recortar e jogar fora as notícias do seu esporte predileto antes de lhe entregar o jornal, como lembra o advogado Luciano Amaral, neto do jornalista.

Torcedor fanático do São Paulo, ele também não gostava dos locutores da televisão que narravam as partidas de futebol. Amaral preferia acompanhar os jogos ouvindo rádio e conferindo de longe, com um binóculo, as imagens na tela do aparelho de TV, que instalara em outro cômodo da casa, conta o neto.

As Folhas viram sua circulação aumentar muito nessa época, graças ao interesse pelas notícias da Segunda Guerra Mundial. Com seu principal concorrente, o Estado de S. Paulo, sob intervenção federal, as Folhas tinham maior autonomia e conseguiam até driblar as ordens da censura do Estado Novo às vezes.

​Octaviano decidiu deixar os jornais quando o regime agonizava e vendeu a empresa para um grupo liderado pelo advogado José Nabantino Ramos em 1945. Como os novos donos tinham ligações com apoiadores de Vargas, vários jornalistas se demitiram em protesto, e Amaral logo os seguiu.

Afastado da direção, ele continuou colaborando com as Folhas por algum tempo, mas saiu ao sentir que não tinha mais espaço. "Ele foi posto à margem e passaram a não publicar mais seus artigos", diz Maria Sylvia Pacheco do Amaral, filha do jornalista. Amaral foi à Justiça cobrar dívidas trabalhistas, mas perdeu a ação.

Com a redemocratização do país, afastou-se do jornalismo para se dedicar à política. Filiado à conservadora UDN (União Democrática Nacional), Amaral foi eleito deputado estadual e depois vereador em São Paulo. Em 1960, Nabantino unificou os títulos publicados pela empresa e adotou o nome atual da Folha.

RUBENS DO AMARAL (1890-1964)

Nascido em São Carlos, dirigiu o Diário da Noite e o Diário de São Paulo. Assumiu a direção da Folha da Manhã e da Folha da Noite em 1931 e exerceu a função até 1945. Filiado à UDN, foi eleito deputado estadual e vereador na capital. Publicou "União Soviética: Inferno ou Paraíso?" (1953) e outros livros.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.