Abertura do Museu das Favelas reúne de Kondzilla a João Doria e ocupa palácio

Novo equipamento cultural de São Paulo coloca favela em centro histórico de poder e tem orçamento de R$ 40 milhões para fortalecer cultura periférica

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São Paulo

A favela ocupou o palácio. Nesta sexta-feira (25), crias de comunidade como Kondzilla, Adriana Barbosa e Preto Zezé dividiram espaço com o ex-governador João Doria e Neca Setubal na inauguração do Museu das Favelas.

O novo equipamento cultural de São Paulo, que abre as portas ao público no sábado (26), foi instalado no Palácio dos Campos Elíseos, edifício tombado no centro da cidade. O casarão foi construído em 1899 para a família do cafeicultor Elias Antônio Pacheco e Chaves e, em 1935, se tornou Palácio de Governo.

"Hoje os favelados ocuparam o centro histórico do poder", bradou Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa) e colunista da Folha, sendo aplaudido por um público composto por integrantes de movimentos sociais e ocupações, organizações da sociedade civil, políticos, artistas da quebrada, entre outros.

O ex-governador de São Paulo, João Doria, com Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa), e Celso Athayde, CEO da Favela Holding
O ex-governador de São Paulo, João Doria, com Preto Zezé, presidente da Central Única das Favelas (Cufa), e Celso Athayde, CEO da Favela Holding - Carlos Pires/Black Pipe

"É um ato de transgressão tornar este lugar, que simbolizou o poder econômico e político do país, um espaço do povo negro e favelado", diz Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo.

"A riqueza cultural e econômica das favelas estará aqui como protagonista, com autonomia e independência", completa.

Foi a Cufa quem levou o projeto para o então governador João Doria, em 2019. A ideia casou com a opção de valorizar segmentos tradicionalmente excluídos no ecossistema de cultura do estado.

"Aqui a cultura foi entendida como parte da democracia", afirmou João Doria em discurso. "Quem poderia imaginar que o palácio que foi sede de governo é agora palácio do povo? É um momento histórico para o país."

O empresário e produtor musical Konrad Dantas, conhecido como Kondzilla
O empresário e produtor musical Konrad Dantas, conhecido como Kondzilla - Carlos Pires/Black Pipe

Quem venceu a licitação para administrar o novo equipamento público foi o IDG - Instituto de Desenvolvimento e Gestão. A organização social também gere o Museu do Amanhã (RJ), o Paço do Frevo (PE) e o Memorial do Holocausto (SP).

O Museu das Favelas pretende recuperar a história e o patrimônio invisibilizado de parte da sociedade brasileira. Segundo o IBGE, pelo menos 17 milhões de pessoas vivem nos chamados aglomerados subnormais pelo país.

"Há museus comunitários e periféricos pelo Brasil, mas com esse tamanho, essa estrutura governamental e que vá comunicar as favelas de todo o país, só aqui", afirma Carla Zulu, coordenadora de Relações Institucionais do Museu das Favelas.

Nascida na periferia, assim como 90% dos funcionários contratados pelo IDG, Zulu aposta na troca com coletivos, movimentos e ocupações para dar luz ao que acontece nas comunidades. Antes da abertura, lideranças periféricas fizeram rodas de conversa com a equipe do museu.

"Não vamos inventar nada, temos um processo de escuta e buscamos parceiros para salvaguardar a história dos favelados", diz ela.

O museu também terá um conselho consultivo, presidido por Celso Athayde, fundador da Cufa e CEO da Favela Holding. Personalidades como José Roberto Marinho, Neca Setubal, Rodolfo Schneider, Adriana Barbosa, Kondzilla e Rene Silva integram o comitê.

"Fazemos papel de curadores, temos que estar com a antena em pé para saber o que está rolando nas periferias", diz Konrad Dantas, o Kondzilla.

"Tem periferia do morro, ribeirinha, quilombola, ao lado da rodovia, em palafita no mangue, onde cresci. É olhar para essa pluralidade de territórios e pessoas."

Basta ir a uma das salas do museu para entender o recado de Kondzilla. Nas paredes talhadas em madeira do século 19, projeções mostram uma diversidade de favelas, sons da quebrada e poesia falada. As pipas voando no teto lembram que nem tudo se distingue.

Em outra sala tem a exposição "Identidade Preta: 20 anos de Feira Preta", maior evento de cultura negra da América Latina.

"Fiquei emocionada quando entrei", diz Adriana Barbosa, fundadora do Instituto Feira Preta e Preta Hub. "É importante o museu ter esse processo intelectual e executivo feito por pessoas pretas."

Durante pelo menos seis meses, a exposição "Favela-Raiz" integra a programação do espaço, trazendo uma espécie de manifesto do que o museu pretende ser.

Nas palavras deles, "uma instituição guiada pelo respeito aos que vieram, com os saberes de uma coletividade alicerçada na convivência solidária das pessoas que vivem nas quebradas de todo o país."

Além das exposições, há ações educativas, um centro de empreendedorismo e economia criativa e uma biblioteca.

Serão R$ 40 milhões, distribuídos ao longo de cinco anos, cedidos pela Secretaria de Cultura para implantação, custeio e manutenção do Museu das Favelas. Outros recursos devem vir de fontes complementares.

"Temos 25 museus, todos em condições excelentes, pois fizemos grandes investimentos nesses quatro anos", diz Sérgio Sá Leitão sobre a legitimidade de se deslocar recursos milionários para um novo equipamento cultural.

"Enquanto a situação dos museus federais é terrível, inauguramos o novo Museu do Ipiranga, da Língua Portuguesa, da Diversidade Sexual e das Culturas Indígenas", enumera. "Se a vitalidade cultural e a criatividade das favelas brasileiras não merecem um museu, o que merece?".

A programação é gratuita, com funcionamento de terça a domingo, das 9 às 18h, e pode ser consultada no site museudasfavelas.org.br.

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