Descrição de chapéu conflitos da eleição

ONGs relatam perda de voluntários e boicotes com polarização política

Dentistas deixam Turma do Bem após posicionamentos e Ação da Cidadania é atacada por revelar dados da fome em ano eleitoral

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São Paulo

Organizações sociais que enfrentaram a criminalização de suas atividades nos últimos anos tiveram que lidar com outros obstáculos no período eleitoral. O boicote se manifestou na forma de debandada de voluntários, retirada de doações, ataques presenciais e nas redes sociais e outras restrições.

ONGs que oferecem atendimento médico gratuito e que combatem a fome relataram críticas de pessoas que eram engajadas na causa.

Ponte entre os municípios de Apuí e Jacareacanga (AM) foi destruída e impediu acesso a aldeias indígenas
Ponte entre Apuí e Jacareacanga (AM) foi destruída e impediu retorno de integrantes do Saúde e & Alegria de aldeias indígenas - Divulgação

"Quando anunciamos os números da fome no país, teve gente falando que queríamos derrubar o governo, que os dados não eram reais", afirma Rodrigo ‘Kiko’ Afonso, diretor-executivo da Ação da Cidadania.

"Em Copacabana, no lançamento da campanha Natal sem Fome, pessoas passaram gritando que éramos comunistas e um casal argentino me abordou para dizer que a esquerda ia destruir o mundo", completa.

A ONG Turma do Bem precisou lidar com a saída de dentistas voluntários que atendem crianças e mulheres que sofreram situações de violência.

"Alguns voluntários se rebelaram e saíram. Ouvi que nós tínhamos uma posição de não cristãos", afirma Fábio Bibancos, presidente voluntário da Turma do Bem.

Dentista deixa trabalho voluntário na ONG Turma do Bem em período eleitoral
Dentista deixa trabalho voluntário na ONG Turma do Bem após divergências durante período eleitoral - Reprodução/Turma do Bem

A entidade se posicionou contra atitudes do governo federal, como o tratamento com cloroquina para pessoas com Covid-19 e o sucateamento de programas públicos de saúde bucal.

Segundo Bibancos, a postura da Turma do Bem, que existe há 20 anos, sempre foi de oposição, de denunciar erros nas políticas públicas e contribuir para a melhoria do SUS.

"Tivemos sérios embates com o PT ao apontar problemas no Brasil Sorridente [programa federal de saúde bucal], mas nunca tivemos mobilização contra nosso trabalho. O que está acontecendo agora é cruel", diz o dentista.

Entre os ataques sofridos, ele lista brigas em grupos de dentistas no WhatsApp, agressões pessoais, desligamento de doadores e o caso de uma profissional que entrou em uma lista de boicote por ser voluntária na Turma do Bem, "considerada uma esquerdista".

Outro caso de lista de boicote afetou uma unidade da Apae no Rio Grande do Sul. A debandada de doadores causou prejuízo imediato de R$ 25 mil à entidade.

"Talvez alguém tenha visto um funcionário falando algo sobre política. Talvez tenha sido uma vingança pessoal. Vai saber. Mas é muito triste", disse Avani Zwanziger, presidente da associação local, em entrevista à Folha.

"Sou casca dura, mas machuca, fico triste, a equipe inteira sofre", diz Bibancos, que ainda assim comemora ter aumentado o número de voluntários durante os últimos quatro anos, chegando a mais de 18.000 profissionais em todo o país.

O Projeto Saúde & Alegria, que em 2019 enfrentou uma denúncia infundada quando brigadistas foram acusados de terem incendiado áreas da Amazônia em Alter do Chão (PA), teve de lidar com as consequência dos protestos golpistas após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva.

Uma equipe da ONG foi impedida de cruzar um trecho da Transamazônica, entre Apuí e Jacareacanga (AM), quando retornava de uma aldeia Munduruku, no Alto Tapajós. Duas pontes foram queimadas.

"Ficamos ilhados na aldeia por um bom tempo", conta Caetano Scannavino, coordenador do Saúde & Alegria. "Depois uma ponte foi recuperada e conseguimos fazer um desvio por baixo da outra."

"Nós prevíamos esse momento de tensão após eleições e deixamos de ir à COP27 para apoiar os Munduruku neste momento", diz ele.

O bloqueio na rodovia impediu o deslocamento e fornecimento de insumos a aldeias isoladas no Alto Tapajós. Uma empresa contratada pelo projeto iria perfurar poços para que os indígenas deixassem de consumir a água dos rios contaminados pelo garimpo ilegal na região.

"Tivemos que adiar a vinda dos equipamentos essenciais para a saúde e o bem viver das aldeias e perguntamos se esses estragos serão compensados", questiona Scannavino.

O Saúde & Alegria não se posicionou nas redes sociais e não perdeu apoio de doadores.

"Desde o caso dos brigadistas, respondemos ao ódio com trabalho, saúde e alegria. Governo bom se faz com oposição vigilante, mas não podemos confundir queimar pontes com liberdade de expressão."

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