Algodão plantado por agricultores familiares é aposta de malharia contra fast-fashion

Demanda por fibra natural aquece produção no Nordeste, remunera 1.300 famílias e causa menos impacto no meio ambiente

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Algodão orgânico tem menor impacto socioambiental e é cultivado com memória de agricultores nordestinos Divulgação/Anselmi

São Paulo

O Nordeste já foi tomado por plantações de algodão. Até 1985, quando um besouro de mandíbulas afiadas devastou os campos e deixou pequenos agricultores sem opção.

Quarenta anos depois, o cultivo vem sendo retomado no semiárido. Ganhou certificação de produto orgânico e abastece malharias do sul do país como a Anselmi, marca de luxo que criou uma linha de tricô com o material.

"Pedi algodão orgânico e me ofereceram o agroecológico", diz Eduardo Anselmi, 45, diretor industrial e administrativo da Anselmi Algodões, de Farroupilha (RS).

Cultivo de algodão orgânico é feito por agricultores familiares da Paraíba e do Rio Grande do Norte com apoio do Instituto Casaca de Couro - Divulgação/Anselmi

"É um algodão colhido à mão por agricultores familiares, em pequenas propriedades e em consórcio com culturas de subsistência, como feijão e milho."

O processo produtivo seria uma alternativa ao impacto socioambiental deixado pelo modelo fast-fashion ou por plataformas de ecommerce chinesas, em que as peças são quase descartáveis.

"É uma luta explicar que consumir produtos que duram mais é melhor que consumir produtos baratos que duram pouco. O fast-fashion é uma febre e temos que ser antagônicos a esse tipo de manufatura", afirma Eduardo.

O desejo de incluir fibras naturais na produção nasceu em viagens para a Europa, nos anos 2000.

"O sintético acabou com a indústria de lã no sul, pois as ovelhas perderam espaço para grãos e soja", diz o executivo. "E era um absurdo ter que buscar algodão fora, sendo que o Brasil é o quinto maior produtor mundial."

A malharia desenvolveu uma fiação própria para eliminar o sintético. O próximo passo era buscar matéria-prima nacional. Foi aí que veio o pedido de algodão orgânico para o Instituto Casaca de Couro, que atua na proteção da fibra no Nordeste.

"Trabalhamos hoje com 1.300 famílias na Paraíba e no Rio Grande do Norte", afirma Maysa Motta Gadelha, presidente do Instituto Casaca de Couro.

A entidade, que congrega atores como Embrapa, Sebrae, Senai, Banco do Nordeste, cooperativas, empresas ligadas ao setor e a prefeitura de Campina Grande, faz a simbiose entre famílias e grupos têxteis.

"Damos todos os insumos, como sementes e sacaria, cuidamos da logística, capacitamos técnicos que estão na lida com agricultores e pagamos as famílias em 24 horas", diz Gadelha.

Maria de Lourdes e os filhos Patrícia, Sandra e Eduardo administram a malharia Anselmi em Farroupilha (RS) - Divulgação/Anselmi

O cuidado com as pragas é rotineiro, já que a memória dos anos 1980 permanece viva entre os mais velhos.

"Há observação diária de cada pé de algodão. Se aparece uma mosca, eles enviam foto para o técnico, que indica produtos permitidos no manejo orgânico."

As famílias não precisam esperar a demanda para plantar, pois toda a produção é comprada. Esforço reconhecido por elas.

"Algodão é ouro branco. É uma compra garantida e um valor bom, deu certo", diz Everaldo Cassiano da Costa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cuité.

Para o Casaca de Couro, o algodão está na memória afetiva dos nordestinos. "A gente fala que é a camisa do final do ano, o dinheiro extra para o Natal."

Cinco grandes empresas têxteis mantêm o instituto, que usa o recurso para acelerar a cadeia do algodão orgânico no semiárido.

Algodão é ouro branco

Everaldo Cassiano da Costa

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cuité

Como, por exemplo, para a revitalização de uma usina de beneficiamento de algodão, que estava desativada há mais de 30 anos. A inauguração foi no final de março em Pirpirituba, cidade de dez mil habitantes na região.

"A usina era o coração da cidade, até que o bicudo-do-algodoeiro tomou conta de tudo", diz Gadelha.

O desafio é a barreira tecnológica. "Os filhos dos agricultores não querem pegar na enxada, e têm toda a razão", diz ela. "Precisamos equipar essas famílias, levar plantadeira e drone, facilitar a mão-de-obra."

Em novembro de 2022, a Anselmi colocou na rua a primeira coleção com algodão orgânico.

Foi bem aceita, principalmente pelo público de São Paulo, onde a marca se estabeleceu com lojas nos shoppings Iguatemi e JK Iguatemi.

"Nossa meta é que o algodão orgânico chegue a 10% da produção", diz Eduardo Anselmi.

"A sustentabilidade é quase utópica, mas buscamos diminuição dos nossos impactos, mão-de-obra que trabalha com salário digno e matéria-prima que causa menos pressão no meio ambiente."

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