Descrição de chapéu sustentabilidade

Ações sustentáveis definirão futuro de pequenas empresas

Práticas incluem apoio à comunidade e redução do consumo de água e energia

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Claudia Rolli
São Paulo

A pandemia acelerou um cenário que já vinha sendo discutido, especialmente nos últimos três anos: para sobreviver, pequenos e médios negócios têm de criar práticas de sustentabilidade.

A análise é de especialistas, advogados e consultores que atuam com práticas de ESG (ambiental, social e governança corporativa, na tradução do termo em inglês), além de empreendedores de pequeno e médio porte que que já aderiram a essas ações.

As práticas incluem regras de transparência com fornecedores e consumidores, reciclagem de produtos e reaproveitamento de insumos, apoio à comunidade e preocupação com a diversidade.

“As empresas que não olharem seus indicadores não financeiros, como ESG, vão perder competitividade e não vão sobreviver a médio prazo”, avalia Ricardo Assumpção, diretor-executivo da Grape Global ESG, consultoria que atua no cenário social e ambiental.

Assumpção, que estudou como as pequenas e médias empresas podem se inserir nesse contexto, afirma que questões ambientais e sociais são determinantes para a companhia obter melhores linhas de crédito, atrair investidores, criar valor no futuro e atender às pressões externas —de acionistas, mercado financeiro ou consumidores.

O investimento em empresas com essa prioridade chama atenção. Startups brasileiras com soluções para melhores práticas ESG receberam cerca de US$ 900 milhões de 2017 a 2021, segundo mapeamento da empresa de inovação aberta Distrito. A maior parte foi investida naquelas com ações para a área social.

Negócios que integram sustentabilidade às suas estratégias promovem a inovação, aumentam a produtividade e conseguem gerar mais valor a médio e longo prazo.

Um estudo da Universidade Harvard, em parceria com a London Business School, analisou 180 empresas americanas nas mesmas condições financeiras durante 15 anos. Metade delas, que tinham práticas ESG, conseguiram resultado financeiro 40% superior.

Se, por um lado, os grandes têm orçamentos maiores e setores dedicados à sustentabilidade, os pequenos negócios têm mobilidade, menos burocracia e estão próximos dos consumidores.

Qualquer iniciativa deve envolver toda a empresa em um movimento “top-down”, a partir do propósito do dono, avalia Augusto Cruz, sócio da AC Consultoria e advogado especializado em governança e políticas públicas.

A decisão de ser sustentável geralmente está ligada à intenção dos sócios, mas pode vir da demanda de clientes ou de questões legais, como a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), que obriga todas as empresas a seguir regras digitais, diz o consultor da AC.

“Mas é preciso envolver todos, de CEOs a funcionários. Caso contrário, as ações só acontecem por marketing e de forma pontual. Ser sustentável não é abraçar árvore ou distribuir presente no Natal. Isso é ‘greenwashing’.”

O “greenwashing” (maquiagem verde) é um termo usado quando uma empresa afirma ser adepta de práticas ESG sem realmente aplicá-las. É uma jogada de marketing para atrair investidores.
Uma das formas de minimizar impactos e custos para investir em ações socioambientais é trabalhar em parceria na cadeia produtiva.

“Não adianta a grande empresa falar em sustentabilidade sem olhar a cadeia em que atua, se os seus fornecedores não agem com os mesmos valores”, diz Assumpção, que acredita que o movimento de envolver pequenas e médias em práticas ESG deve ganhar força nos próximos dois anos.

Para o advogado Leonardo Barém Leite, especializado em negócios e direito empresarial, companhias de todos os portes e segmentos vão ter dificuldade para conquistar mercado, atrair e reter talentos, além de investimentos, se não tiverem também coerência em suas ações. “Porque não adianta se preocupar com a parte ambiental e se esconder atrás de terceirizações para não cumprir regras.”

Nos movimentos de fusões e aquisições, as práticas de ESG já são consideradas na decisão final. “O que até agora parecia ser um diferencial competitivo ou reforço na imagem de uma marca passa a ser um item obrigatório e fator de sobrevivência”, diz Leite.

É preciso ainda lembrar do G (governança), parte do ESG. Para a pequena empresa, é igualmente importante separar os papéis e as contas do proprietário e da pessoa física, diz Matthew Govier, diretor da Accenture Strategy na América Latina. “Uma governança má conduzida na pequena empresa pode ser tão prejudicial quanto na grande.”

Criar uma rede de apoio não só para comprar insumos, mas para vender ou baratear serviços, é uma alternativa para absorver custos e investir em ações sustentáveis.

Em Salvador, cem diferentes academias e redes de ginástica se uniram e contrataram um mesmo escritório para atender demandas jurídicas que surgiram na pandemia, cita Cruz, da AC Consultoria, que atua nessa região.

Reduzir o consumo de água, energia, transporte e reverter a economia aos funcionários são iniciativas que qualquer empreendedor pode fazer.

Os números, no entanto, mostram que há muito a avançar. A sustentabilidade é considerada o coração da empresa ou faz parte de projetos (com supervisão de resultados) em apenas 16% dos pequenos negócios, segundo pesquisa do Centro de Sustentabilidade do Sebrae, com 1.887 empresas. Mais da metade (54%) faz ações isoladas, esporádicas e sem planejamento.

Optar por iniciativas alinhadas ao negócio, medir o desempenho das práticas e avançar nas iniciativas são orientações dos consultores. Para uma empresa de serviços, é mais viável melhorar a equidade de gênero, por exemplo, do que neutralizar carbono.

Jovens companhias alinhadas ao ESG ampliam negócios

Pequenas e médias empresas que plantaram ações de ESG já colhem resultados positivos, ampliam seus negócios ou mudam de patamar ao receber investimentos e se fundir a grandes grupos.

A Raízs, plataforma que conecta pequenos produtores a consumidores de orgânicos, cresce 300% ao ano desde 2018. Começou pequena, recebeu investimentos de R$ 10 milhões e migrou para a categoria de média. Hoje, são 160 funcionários, 850 agricultores e 45 mil clientes.

A startup usa inteligência artificial para prever a demanda de consumidores, a partir de pedidos feitos no site, e quanto os agricultores precisarão plantar. “Um pé de alface só é colhido se for vendido”, diz Tomás Abrahão, diretor-executivo da Raízs.

“Com a tecnologia, veio a eficiência para reduzir desperdícios, pagar melhor o produtor [23% acima do mercado] e vender 20% mais barato.”

Já a Pegaki surgiu em 2016 para resolver problemas de entregas do comércio eletrônico e hoje tem 2.000 pontos de retirada e coleta para compradores e vendedores.

Os pontos funcionam em comércios de bairro, como padarias e mercadinhos, e seus donos recebem uma renda pelo espaço. Com o serviço, a Pegaki reduziu prazos de entrega, frete, consumo de combustível e uso de veículos.

“Os pontos de coleta garantiram a sobrevivência de muitos pequenos negócios na pandemia”, diz João Cristofolini, codiretor-executivo.

Com o aumento das vendas online, o serviço passou de 10 mil pacotes movimentados por mês para 1 milhão. Em fevereiro, a empresa foi comprada pelo grupo de logística Intelipost. A meta agora é crescer para 20 mil pontos em três anos.

 Extração de borracha na comunidade Curralinho (Acre), que faz parte da cadeia de fornecedores da Vert, fabricante franco-brasileira de tênis
Extração de borracha na comunidade Curralinho (Acre), que faz parte da cadeia de fornecedores da Vert, fabricante franco-brasileira de tênis - Ludovic Careme/Divulgação

A fabricante de tênis franco-brasileira Vert investe em fornecedores e matérias-primas sustentáveis desde que surgiu, em 2004. Usa algodão orgânico, comprado de mil pequenos produtores do Nordeste, e a borracha do solado vem de associações e 1.200 famílias de seringueiros da Amazônia.

Além de receberem acima do mercado, os produtores ganham um bônus para evitar o desmatamento da floresta, diz Leandro Elias Miguel, gerente de vendas da marca.

No curtimento do couro, não são usados químicos e há redução de água na fábrica em Novo Hamburgo (RS). A produção cresceu 90% em 2020 sobre 2019, e a Vert espera aumento de 60% em 2021. Na exportação para 60 países, a previsão é de 20% de expansão. Lá fora, a marca é mais conhecida com o nome de Veja.

Casa com painéis solares vista do alto
Casa com sistema de energia solar financiado pela fintech Solfácil - Divulgação

A Solfácil, fintech que financia o uso energia solar, já nasceu dentro dos critérios de ESG em 2018, uma vez que ajuda o consumidor a reduzir despesas com energia, diz Fábio Carrara, diretor-executivo.

“A ideia surgiu quando percebemos que o maior gargalo para investir era o financiamento: 90% das pessoas querem um sistema de energia solar na sua casa, mas só 8% poupam dinheiro, o que limita a capacidade para investir.”

No lugar de pagar a conta mensal de energia, o cliente investe em um sistema de energia solar e os parceiros da Solfácil fazem a instalação. O valor é pago em até 120 vezes, com juros acessíveis, e custo 30% inferior à conta tradicional, afirma Carrara.

Em 2020, a Solfácil começou a atender pequenas empresas. Até agora foram R$ 20 milhões movimentados em instalações para 200 estabelecimentos. Em 2021, a companhia espera conceder R$ 300 milhões em financiamentos para pequenos e médios.

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