Descrição de chapéu Causas do Ano Miss Universo

Miss cria projeto de educação sexual após revelar abuso na infância

Bárbara Reis, vencedora do Miss Universo MT 2023, foi violentada dos 8 aos 16 anos dentro de casa; já adulta, transformou o trauma em ativismo

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São Paulo

Bárbara Reis sofreu violências na infância que qualquer um preferiria esquecer. Ela própria optou por não falar do assunto enquanto tentava seguir adiante, construindo uma bem-sucedida carreira de miss em seu estado, Mato Grosso. Mas os traumas ficaram ali, guardados, até que vieram à tona em um momento que ela não imaginava: a entrevista para um concurso de beleza.

"Os jurados perguntaram sobre a minha trajetória, a minha história, e eu acabei contando porque foi algo que aconteceu praticamente minha infância inteira, não tinha como passar essa página", conta a modelo, que, aos 25 anos, acaba de ser eleita Miss Universo MT, o título máximo de seu estado. "Chorei bastante, chorei de soluçar. Foi aí que eu vi que precisava de ajuda."

Bárbara sofreu durante oito anos reiterados abusos sexuais, agressões e ameaças dentro de casa. O tormento durou dos 8 aos 16 anos, quando, não aguentando mais, ela criou coragem para contar à mãe que seu pai a violentava. O impacto do crime na vida das duas foi tão grande que elas decidiram sair da cidade onde moravam, no Pará, e se mudaram para Sinop, no Mato Grosso, onde vivia um familiar.

Dali em diante, Bárbara lutou para se reconstruir. Buscou terapia, recuperou sua autoestima e começou a competir em concursos de beleza. Depois daquela crise de choro diante dos jurados, percebeu que falar sobre o assunto lhe trazia alívio.

Mais do que isso, viu que poderia usar sua visibilidade para levar a outras crianças e jovens o que ela não teve: informação para saber que estava sendo vítima de um crime, que não era sua culpa e que poderia pedir ajuda a alguém de sua confiança.

Convidada para dar palestras em escolas como representante dos títulos de beleza que havia conquistado, ela passou a mencionar os crimes dos quais havia sido vítima na infância. Queria mostrar que sua vida não era "a de uma princesa morando em um castelo", mas a de uma garota real que foi vítima de uma violência extremamente comum e naturalizada pela sociedade.

Ao escolher uma causa para representar —algo que se costuma esperar das misses—, Bárbara decidiu transformar seu trauma em ativismo e lutar pela prevenção de violências sexuais contra crianças e adolescentes.

Surgiu assim o projeto Desi (Descomplicando Educação Sexual Infantil), que busca disseminar informação sobre sexualidade e prevenção à violência na infância —principalmente nas redes sociais, onde tem mais de 100 mil seguidores, no total, em suas contas pessoais.

Na página do projeto no Instagram, iniciada em julho do ano passado, ela posta dicas sobre o tema para pais, professores e outros profissionais da infância. "Precisamos conversar com as nossas crianças, falar sobre intimidade, privacidade, falar sobre seu corpo!", diz, em um dos posts.

O foco na prevenção foi inspirado em sua própria experiência. "Eu não queria falar apenas ‘denuncie’, porque se fosse só isso eu não teria demorado oito anos para denunciar. Quero evitar que isso aconteça com outras crianças. Eu poderia ter evitado muita coisa se o conhecimento tivesse chegado até mim, se eu soubesse que meu corpo é meu e ninguém pode tocar, que eu não tinha culpa", diz.

Dentro de casa

O caso de Bárbara tem muitos elementos típicos desse tipo de crime: o agressor era alguém próximo, em quem ela confiava e que a ameaçava para que ela não contasse para ninguém.

"Ele dizia: ‘Se você contar para sua mãe, sua mãe vai ficar muito triste, você vai acabar com a família’. Ou então dizia que eu era culpada porque andava de short curto dentro de casa", conta ela. "Quando eu fui perceber que ele de fato era um pedófilo, eu já me sentia culpada por não ter falado antes e achava que minha única alternativa era ir embora quando completasse 16 anos. Mas um dia eu não suportei mais e falei: chega. E aí eu contei."

Dali em diante ela passou por outro calvário vivido por muitas vítimas: foi tratada com descaso na delegacia e no hospital e acabou sendo desencorajada a seguir adiante com a queixa por não ter provas.

"É muito revoltante. Como eu poderia ter prova sobre isso? Eu não sei se eu teria sobrevivido se eu tentasse gravar ou algo do tipo. Eu só queria sobreviver."

Muitas pessoas procuram Bárbara para contar suas próprias histórias de abusos. Ela tenta levar uma palavra de apoio, mesmo sabendo que essas cicatrizes "ficam para sempre".

"Eu digo: não pense que você é culpada, você não é o que te rotulam. Você consegue enfrentar seu maior medo e sair dessa situação, conquistar seus sonhos. Eu consegui superar e você também consegue."

Durante o concurso estadual Miss Universo, em 14 de maio, Bárbara foi questionada sobre seu projeto de educação sexual e divulgou a causa que representa. Ela espera poder falar sobre o assunto também na competição que elegerá a representante brasileira do Miss Universo, que acontece em julho. "Se eu tiver essa chance, terei cumprido o objetivo que eu mais quero, que é colocar essa causa em evidência."


A DIMENSÃO DO PROBLEMA

61,3% dos estupros registrados no Brasil são contra menores de 13 anos

4 meninas de menos de 13 anos são estupradas por hora no Brasil

82% dos abusadores são conhecidos da vítima

76,5% dos casos acontecem dentro de casa

85,5% das vítimas são do sexo feminino

4 a 8 anos é a faixa etária da maioria dos meninos vítimas de violência sexual

10 a 14 anos é a faixa etária da maioria das meninas vítimas dessa violência

10% dos casos são denunciados, segundo estimativas

A causa 'Da Repressão à Prevenção da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes' tem o apoio do Instituto Liberta, parceiro da plataforma Social+.

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