Sem diretriz nacional, professores cantam músicas e usam adesivos coloridos em aulas de educação sexual

Escolas recorrem a jogos para prevenir abusos e usam kits educacionais contra a gravidez na adolescência

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Santa Cruz do Sul (RS) e Belo Horizonte

Sem uma diretriz nacional e sem material didático adequado, escolas do Brasil improvisam para passar noções de educação sexual e tentar evitar casos de abuso.

Em Santa Cruz do Sul (RS), a orientadora Jaqueline Fusieger Rosa dá início à aula cantando uma música que viu na internet. A turma do terceiro ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Vidal de Negreiros tem alunos com idade aproximada de 8 anos.

A orientadora educacional Jaqueline Fusieger Rosa usa boneca durante aula sobre educação sexual em Santa Cruz do Sul (RS); os estudantes colam selos verdes, amarelos e vermelhos no brinquedo, para aprenderem em que partes de seus corpos adultos podem, e não podem tocar
A orientadora educacional Jaqueline Fusieger Rosa usa boneca durante aula sobre educação sexual em Santa Cruz do Sul (RS); os estudantes colam selos verdes, amarelos e vermelhos no brinquedo, para aprenderem em que partes de seus corpos adultos podem, e não podem tocar - Alencar da Rosa/Folhapress

Com uma luva pedagógica na mão esquerda, Jaqueline canta versos como "Nisso e naquilo ninguém pode mexer / Isso e aquilo eu tenho que proteger", enquanto aponta com a mão direita para os desenhos que estão em cada dedo da luva.

Após a canção, a orientadora faz perguntas aos pequenos. "O que é isso e aquilo?" Uma aluna responde: "Nossas partes íntimas".

Além da luva, a professora utiliza uma boneca e adesivos vermelhos, amarelos e verdes, em alusão ao semáforo.

As crianças colocam na boneca o adesivo vermelho, na parte do corpo onde é proibido outra pessoa tocar, o amarelo, que demonstra atenção, e o verde, onde é permitido.

A atividade desenvolvida na escola é seguida por orientações sobre como proceder quando o estudante percebe que está sendo alvo de um abusador. "A quem devemos contar?", pergunta novamente a educadora. Um aluno, mais ao fundo da classe, diz: "Para a mãe, avó, tia e para a professora". As crianças estavam comportadas e pareciam interessadas.

Em 12 anos de trabalho, Jaqueline já se deparou com situações que vieram à luz por meio da escola. "Antes da pandemia, tivemos o caso de uma menina adolescente que se abriu comigo. Ela tinha comportamentos muito estranhos. Conversando, descobri que era abusada pelo avô. Fiz a denúncia, teve processo, e ele foi condenado. Somos orientados a fazer a primeira escuta e, diante de qualquer suspeita, encaminhar para o sistema de Justiça."

Ela criou sozinha essas atividades. "Eventualmente a Secretaria de Educação oferece alguma palestra com o Ministério Público sobre como conduzir uma situação em que é detectado o abuso de algum aluno, sobre os encaminhamentos a serem feitos e sobre a abordagem com a criança —que deve ser a mínima possível."

Apesar de o tema ser delicado, a profissional diz que a abordagem é bem recebida pelos pais.

"Eles têm bastante confiança no trabalho que desenvolvemos. Trabalhamos no ambiente escolar porque às vezes a criança não tem noção de que aquilo que ela está sofrendo é um abuso."

A partir do sétimo ou oitavo ano, a orientadora diz realizar encontros sequenciais, de acordo com as dúvidas dos alunos, e abordar questões sobre concepção, prevenção às ISTs (infecções sexualmente transmissíveis) e gravidez na adolescência.

Mulher manipula placas com desenhos de fase gestacional de bebês
Quadros ilustrativos que explicam as fases gestacionais para meninas a partir de 13 anos em Leopoldina (MG) - Prefeitura de Leopoldina/Divulgação

Cidade de MG distribui kits educacionais para escolas e postos

Já em Leopoldina, cidade de 52 mil habitantes na Zona da Mata de Minas Gerais, a prefeitura iniciou no fim de 2022 um programa que leva educação sexual a adolescentes, especialmente mulheres.

Foram adquiridos kits educacionais que ilustram as fases gestacionais e explicam por meio de bonecas as mudanças de cada período.

O material é utilizado nos postos de saúde e em escolas, com abordagens adaptadas de acordo com a faixa etária que as campanhas buscam atingir.

"É um jeito simples e lúcido, para as pessoas saírem com informações importantes para a saúde e educação sexual", diz o prefeito, Pedro Junqueira (PL).

A observação de uma grande incidência de gravidez na adolescência originou uma ação de inserção de DIUs na rede pública para meninas com idade a partir de 16 anos. "Detectamos que era preciso fazer uma ação preventiva e educativa de planejamento familiar", afirma Junqueira.

Já nas escolas, as atividades são feitas com adolescentes acima de 13 anos.

No Pará, brincadeiras ensinam crianças a impor limites

Em Belém (PA), o programa Futuro Brilhante, que atua na prevenção de casos de abuso sexual infantil, leva a escolas públicas atividades lúdicas de sensibilização ao tema, apresentadas a crianças de 6 a 9 anos.

Na brincadeira semáforo do toque, similar à dinâmica feita pela professora Jaqueline, em Santa Cruz do Sul, sinaliza-se com lápis de cor e giz de cera os pontos do corpo que podem ou não ter contato de adultos. No jogo de tabuleiro trilha da prevenção, são levantadas situações hipotéticas, como convites de pessoas estranhas e o toque em partes íntimas.

A iniciativa foi criada por Diego Martins, servidor público do Tribunal de Justiça que atuou por um ano na Vara de Crimes contra a Criança e o Adolescente. Nesse período, ele conheceu histórias semelhantes, como crianças abusadas por alguém próximo, geralmente dentro de casa.

Para vencer as barreiras de abordagem do tema, um trabalho de sensibilização também é feito com os responsáveis pelas crianças, que são incentivados a entender que a educação não está restrita ao ato sexual e deve ser construída desde cedo.

Para o servidor, os avanços são importantes não apenas nas estatísticas de diminuição da violência sexual infantil, mas na abertura do poder público para debater o tema e implementar políticas mais eficientes de prevenção.

Martins conta que o material foi aperfeiçoado com a ajuda de uma professora da UFPA (Universidade Federal do Pará) que tem pesquisas na área de jogos.

Todos os materiais estão disponíveis no site do Futuro Brilhante e podem ser baixados gratuitamente e replicados em outras cidades.

No Pará, o programa tem outros 11 voluntários e já chegou a aproximadamente 3.000 crianças, além de contar com uma rede de mais de 600 pessoas que apoiam o projeto e reverberam as ações do grupo.

"A partir destes avanços, podemos ir mudando a realidade e, principalmente, um cenário de violência", diz Martins.

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