Descrição de chapéu Minha História

'Agbara é quilombo do século 21 e me ajudou a ser quem sou', diz chef

Benício Paiva, 44, o chef Bê, passou por jornada formativa do Fundo Agbara, finalista do Empreendedor Social na categoria Soluções que Inspiram

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Jeff Ares
São Paulo (SP)

Ao deixar Pernambuco em busca de liberdade, Benício Paiva, 44, o chef Bê, veio para São Paulo. Seu sonho era fazer faculdade, ganhar R$ 1.000 e ajudar a mãe.

Trabalhou como garçom, vendeu tapioca na rua e hoje é dono da TupiOca, empresa afro-indígena pioneira na produção de massas de tapioca saborizadas com superalimentos.

Chef Bê conheceu o Fundo Agbara, finalista do Prêmio Empreendedor Social na categoria Soluções que Inspiram, numa rede de empreendedoras negras.

"Ao abrirem jornada para o empreendedorismo negro e indígena e trans, pensei: é para mim", afirma.

Homem trans, Chef Bê recebeu incentivo e capital do Fundo Agbara para investir em seu negócio de tapiocas - Renato Stockler/Folhapress

O processo mudou seu negócio e sua vida. Ao combater o racismo estrutural por meio da inclusão produtiva, o Agbara apoiou o chef a entender a narrativa do seu negócio.

A seguir, Benício Paiva relata sua jornada como homem trans afro-indígena e sua conexão com um dos primeiros fundos de mulheres negras do país.

"Moro ao lado da sede da Folha, há 21 anos. Sempre pensava: um dia a minha história vai ser contada por esse jornal. E esse dia chegou.

Melhor que é através do Fundo Agbara. Essas mulheres me ajudaram não só a empreender mas também a ser.

Cheguei a São Paulo em 15 de janeiro de 2002. No avião da Varig, tá? Que eu trabalhei muito para chegar em grande estilo. Lá no Morro do Arranca Toco, de onde eu vim, mirava Olinda e pensava: um dia vou olhar tudo isso do alto.

Saí de Pernambuco para buscar a liberdade. Me identifico como homem trans afro-indígena brasileiro; metade da minha família é negra e metade, indígena, do povo Caeté. Essa identidade é a grande narrativa da minha TupiOca, empresa afro-indígena pioneira na produção de massas de tapioca saborizadas com superalimentos.

A TupiOca vem de muitos anos de trabalho. Desde cedo entendi que, na realidade em que vivia, não alcançaria meu sonho. Fui me preparar.

Trabalhei como garçom. Cheguei em São Paulo com o ginásio concluído. E fui trabalhar em restaurantes. No Capim Santo, eu fazia em casa massas de tapiocas misturadas com amendoim, spirulina, psyllium... Aprendi com a chef Morena Leite que isso que eu fazia era saborizar.

Um dia, fui na (rua) 25 de Março, comprei uma barraquinha e fui vender minhas tapiocas na Barra Funda. Minha mãe veio me ajudar. Meu sonho era fazer faculdade, ganhar R$ 1.000 e ajudar minha mãe. Com apoio dela, me formei em direito, a banquinha virou um trailer, as tapiocas viraram negócio. E ela começou a me aceitar...

Eu me entendo como homossexual desde os 7 anos. Com 12, eu sabia que era lésbica, mas não me identificava com o termo. Nasci num corpo feminino, e sempre fui muito masculino.

Comprar roupa era tormento. Nunca gostei de vestido. Passei mais da metade da minha vida sem exercer minha vaidade essencial. Não sabia o que era um homem trans.

Meu processo de transição começou ao vir para São Paulo. Mas a transição química, a ressignificação sexual, foi há um ano, enquanto fazia a jornada do Fundo Agbara. Ali senti acolhimento genuíno.

Chorava a cada aula, agradecendo a Deus por minha ancestralidade me conectar a essas mulheres. Esse coletivo me deu muita força. E me ensinou a me encontrar e a entender a narrativa do meu negócio.

Eu as conheci numa rede de empreendedoras negras. Vi no Instagram e me apaixonei por Aline Odara e Fabiana Aguiar. Me encantou o nome em iorubá, ‘agbara’. Ao abrirem jornada para o empreendedorismo negro e indígena e trans, pensei: é para mim.

Nunca tinha ouvido falar em storytelling, valuation... Conhecimentos da alta hierarquia branca, que o Agbara traz. Elas conhecem nossas dores, porque compartilham de nossos ancestrais, a importância de honrar o passado. A educação do povo africano e indígena é ensinar fazendo. Como o fundo faz. Conhecimento é poder.

A maior contribuição do fundo não é o valor do investimento. Nada paga o acolhimento. Virei embaixador. Onde estou, falo: vai! O Fundo Agbara é um quilombo do século 21. De mulheres líderes de uma geração, que abrem caminho. Nossos ancestrais viviam para sobreviver. Nós vivemos para a potência.

Com a potência do Agbara, hoje cuido de minha mãe. É honra tê-la comigo. Com ela me aceitando, me vendo ser quem eu nasci para ser."

Conheça os demais finalistas na plataforma Folha Social+. Vote e, se possível, doe para esta iniciativa na Escolha do Leitor até 20 de outubro em folha.com/escolhadoleitor2023.

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