Descrição de chapéu COP28 mudança climática

Brasileiro é recebido de joelhos por xeque dos Emirados Árabes e presidente da COP

Médico líder da ONG Expedicionários da Saúde leva proposta para escalar projeto de atendimento médico voluntário na Amazônia

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São Paulo

Ao vencer neste ano o Prêmio Zayed de Sustentabilidade, oferecido pelos Emirados Árabes Unidos, o médico Ricardo Affonso, presidente da ONG Expedicionários da Saúde (EDS), foi convidado para a COP28.

Com viagem paga por Sultan al-Jaber, que preside a conferência do clima e a premiação, o brasileiro viveu um momento único em Dubai. Por estar em uma cadeira de rodas devido a uma doença autoimune, ele teve o xeque dos Emirados Árabes, Mohamed bin al-Jaber Zayed Al Nahyan, e al-Jaber ajoelhados aos seus pés para uma foto.

homem branco e idoso de cadeira de rodas está ao lado de um homem de turba que se ajoelha
Ricardo Affonso, presidente da ONG Expedicionários da Saúde, é recebido pelo sultão Al Jaber, que preside a COP28 - Divulgação

"Eles são simpáticos", diz Affonso, que faz contraponto a ativistas e ONGs que criticam al-Jaber por presidir a petroleira estatal Adnoc e por ter dado margem à interpretação de que "não há ciência por trás da meta de eliminação dos combustíveis fósseis".

"Al-Jaber sabe que terá problemas com o petróleo e que os Emirados Árabes serão afetados pelas mudanças climáticas, mas deu passos importantes com energias renováveis", afirma.

O encontro na COP rendeu uma audiência com as autoridades. Além dos US$ 600 mil doados à EDS no prêmio, eles têm o desejo de escalar o projeto brasileiro, que há 20 anos leva atendimento médico de forma voluntária a indígenas na Amazônia.

Em entrevista à Folha, Ricardo Affonso detalha como foi estar de frente com o xeque e al-Jaber. "Eu não sou ativista. Sou médico, quero saúde para os guardiões da floresta, esse é o meu compromisso."

O senhor foi à COP a convite de Sultan al-Jaber? Sim. Ele me convidou em janeiro, quando estive em Abu Dhabi para receber o Prêmio Zayed em nome da EDS. Conversei com o xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan e com al-Jaber na premiação, foi até uma quebra de protocolo.

Depois, em um jantar no palácio, al-Jaber veio, elogiou nosso trabalho e disse que gostaria de ajudar a escalar o projeto. Somos uma ONG pequena, precisava de tempo para elaborar alguma coisa. Viemos agora, em quatro pessoas, para nossa primeira COP.

Vocês foram recebidos por ele durante a COP? Fomos a um jantar para os premiados, mas nada de al-Jaber aparecer. Soube que ele tinha ido a um encontro com o presidente Lula. Na esperança de encontrá-lo, comecei a acionar seus assessores, sem sucesso. Eis que, dias depois, em um corredor a caminho de um painel, vejo o xeque na porta de seu escritório. Ele nos parou, abraçou, conversou. E depois ajoelhou para uma foto comigo. O rei ajoelhou (risos), ele é simpático.

Eu disse que queria mostrar nosso projeto a al-Jaber e ele se propôs a ajudar. Só que andei 30 metros e encontrei com ele. E foi a mesma coisa, ele nos parou, abraçou e marcamos uma audiência.

Como foi essa audiência, estar de frente com o xeque? O rei não foi, rei não lida com grana (risos). Foi um encontro às 9h30 com al-Jaber e seus assessores. Durou 15 minutos, foi papo reto.

Começamos com amenidades, ele elogiou a EDS, disse que todos precisamos cuidar da Amazônia e perguntou sobre o projeto. Fizemos a apresentação, eles gostaram, mas não responderam prontamente. Eles demoram, são assim mesmo. E disseram que eu deveria ser procurado pela imprensa porque fiz uma foto com o rei.

E o senhor foi procurado? A foto correu o país, começaram a me cumprimentar em todo lugar por causa disso. Poucos falam com o rei.

homem branco e idoso de cadeira de rodas está ao lado de um homem de turba que se ajoelha
Ricardo Affonso, presidente da ONG Expedicionários da Saúde, é recebido pelo xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan na COP28 - Divulgação

Qual foi o projeto da EDS apresentado às autoridades? Trouxemos um projeto pronto para ser escalado em territórios amazônicos, em áreas fronteiriças na Venezuela, no Peru, na Colômbia. Inclui o que sabemos fazer de melhor. As grandes expedições de saúde, telemedicina, uma ação voltada e feita por mulheres, que diagnosticam e tratam câncer de colo de útero e tumor de mama, e reformas dos polos de saúde, que são precários na floresta, entre outros.

Muitas ONGs fizeram críticas a essa COP por ser um evento de clima presidido por alguém que também lidera uma petroleira. Essas ONGs têm razão? Eu não sou ativista. Sou médico, quero saúde para os guardiões da floresta. Esse é o meu compromisso. Não preciso arrumar mais inimigos do que já temos.

Tendo conhecido al-Jaber, digo que ele sabe que o petróleo tem fim. Ele também é presidente da Masdar, empresa de energia renovável criada pelo governo que deu importantes passos nos últimos anos. Al-Jaber sabe que terá problemas com o petróleo e que os Emirados Árabes serão afetados pelas mudanças climáticas. Dubai é baixa, é um deserto e uma praia. Achar que tudo vai se resolver muito rápido é uma ilusão. Haverá uma transição. Eu sou otimista, não dá para ficar só no muro das lamentações.

Outra crítica é que, apesar de o Brasil ter a maior delegação indígena na COP, ela não teve lugar na mesa de decisões, onde "homens brancos negociam". Como o senhor avalia isso? Foi isso mesmo. E é ridículo. Não dá para tomar decisão em Dubai ou em Brasília sem conversar com as comunidades. Quem não conhece a ponta não pode decidir na frente de um computador. A presença de indígenas, quilombolas e aborígenes na COP foi fundamental, mas infelizmente ocuparam nichos em um evento de brancos.

E qual o balanço que o senhor faz dessa COP? Para a saúde, que é nosso campo, foi bom. Foi uma novidade ter o dia da saúde no evento. As pessoas acordaram, depois da Covid, que dentro da floresta existem pessoas que não podem ser ignoradas, como foram até aqui. Profissionais e centros de saúde são precários na floresta. Falavam de demarcação, de proteção, mas de saúde, não. Foi uma mudança importante na COP.

Outro ponto positivo foi o fundo de perdas e danos para ajudar países e comunidades pobres a lidarem com eventos climáticos. Ainda que seja aquém do esperado, é uma compensação fundamental. Estava interessado em conhecer e aprender sobre clima, mas aproveitei pouco a conferência. Pretendo estar no Azerbaijão e em Belém, na COP30.

Raio-X
Ricardo Affonso Ferreira, 66, é médico ortopedista do Instituto Affonso Ferreira e membro do corpo clínico do Centro Médico de Campinas. É um dos fundadores da EDS, chefe das expedições e responsável pela articulação junto às instituições parceiras. Voluntário desde 2003.

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