Descrição de chapéu Causas do Ano

Biólogo usa redes sociais para combater má fama de cobras

Com mais de 5 milhões de seguidores, Henrique Abrahão Charles venceu iBest de divulgação científica por seu canal sobre animais peçonhentos

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São Paulo (SP)

No início de junho, uma plateia de 300 pessoas se reuniu no Teatro Municipal de Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro, para uma atividade pouco convencional em uma sexta-feira à noite: uma aula sobre serpentes.

O palestrante, Henrique Abrahão Charles, 47, conhecido como o "biólogo das cobras", ficou surpreso com o tamanho do público, embora esteja acostumado a falar diariamente na internet para uma legião de milhares de seguidores —apenas no Youtube, soma mais de 1,7 milhão de inscritos.

"A ciência é difícil de ser entendida. Ela não é lúdica. Na hora de divulgar esse conhecimento, é preciso fazer com que as pessoas vejam poesia nisso e sintam emoção, senão elas não vão conseguir entender", diz o mestre em zoologia.

Um homem com barba e cabelo curto está posando contra um fundo verde. Ele está usando uma camisa preta de manga longa e um colar. Há uma cicatriz pintada de vermelho em seu rosto, e ele está apontando para a câmera enquanto sorri.
Henrique Abrahão Charles é biólogo especializado em zoologia, divulgador científico e comunicador - Arquivo pessoal

Didática, linguajar simples e bom humor são estratégias do biólogo na hora de explicar conceitos como mimetismo em cobras-corais (quando a coral falsa, sem veneno, imita padrões de cores da verdadeira) e partenogênese (reprodução assexuada de alguns animais).

Presente há seis anos na internet, Henrique viu o canal que criou como acervo de conteúdos a pedido de alunos das escolas onde lecionava ganhar crescente popularidade. "Eu não tinha a menor pretensão de nada disso. Queria apenas eternizar os conhecimentos", conta.

Com o sucesso inesperado, acabou fazendo perfis em outras redes, como Facebook, Instagram e TikTok, que hoje reúnem mais de 5 milhões de seguidores no total.

Inicialmente, os vídeos tinham o objetivo de tirar dúvidas sobre a profissão de biólogo, legislação ambiental e temas ligados à zoologia. Agora, os conteúdos são focados em orientações de segurança, além de curiosidades sobre serpentes e outros répteis.

"Falo de problemas de saúde pública envolvendo a relação entre animais e seres humanos. Explico como resolver alguns conflitos, por exemplo, acidentes com animais peçonhentos, e o que fazer para se proteger", diz.

O influenciador também se dedica ao combate da desinformação, perpetuada, inclusive, por outros influenciadores, que não são especialistas e acabam reproduzindo noções equivocadas sobre as serpentes.

O público do canal, antes composto majoritariamente por pessoas ligadas à área ambiental, tornou-se diversificado, englobando diferentes faixas etárias. Chama atenção, em especial, a presença de crianças autistas entre os seguidores.

Henrique não sabe quantas elas são, mas nota uma participação considerável. Trata-se, segundo ele, de crianças com hiperfoco (estado de concentração intensa em determinado assunto ou tarefa, comumente observado em pessoas dentro do espectro autista) em biologia e animais.

Devido ao trabalho como divulgador científico, o comunicador venceu o Prêmio iBest, maior premiação da internet no Brasil, na categoria Influenciador Digital em Meio Ambiente, em janeiro deste ano.

Trabalhar com redes sociais é uma tarefa que demanda tempo quase integral: Henrique produz entre quatro e seis vídeos diariamente, levando de uma a três horas para editar cada um deles. Assim, parou de ter tempo de lecionar em escolas e pré-vestibulares. Sua esposa, que também é bióloga, ajuda a legendar e a cortar vídeos mais curtos.

No período em que começou a atuar na internet, o youtuber chefiava o Parque Natural Municipal da Restinga do Barreto, que ajudou a fundar, em 2016, quando era subsecretário de meio ambiente em Macaé (RJ), cidade onde vive ainda hoje.

No parque, preservação ambiental, lazer e educação se entrelaçam. O local chegou a receber anualmente 5.000 crianças em excursões escolares para participar de cursos e atividades educativas.

Na visão de Henrique, divulgar o conhecimento científico para a população dessa forma possibilita a democratização da ciência.

Precisamos fazer com que as pessoas se apaixonem pela ciência. Caso contrário, ela fica presa na mão de alguns, e a população que não gosta de ciência vai ser dominada por quem a entende.

Henrique Abrahão Charles

Biólogo e influenciador digital

Uma das tarefas mais complexas enquanto divulgador científico é romper com mitos, como a ideia de que cobras perseguem seres humanos.

"Outra lenda é que, se você vir uma cobra, deve matá-la ou ela vai te perseguir. Cobra nenhuma persegue humano. Elas são animais como outros quaisquer. Sentem frio, fome, dor e medo. E aí as pessoas vão lá e matam o bicho à toa", critica.

Além disso, das cerca de 370 serpentes que vivem no Brasil, menos de 15% são peçonhentas (aproximadamente 55 espécies) e representam riscos de acidente com seres humanos, segundo o Instituto Butantan.

Por isso, o melhor a se fazer ao se deparar com uma cobra é simplesmente desviar dela. Caso seja picado, deve-se procurar um hospital imediatamente.

"Não faça torniquete ou cortes, nada disso. Se possível, apenas beba muita água e vá logo para o hospital. E não precisa levar a serpente, porque os médicos vão saber, pelos ensaios clínicos, qual foi a cobra que te picou", explica Henrique.

O biólogo também falou sobre as espécies de cobras que habitam a mata atlântica.

Cobras mais comuns da mata atlântica brasileira

  • Jararaca (Bothrops jararaca)

    Serpente peçonhenta conhecida por seu veneno que causa danos aos tecidos e sangramento. Desempenha papel ecológico importante no controle de populações de pequenos mamíferos e aves.

  • Jaracuçu (Bothrops jararacussu)

    Uma das maiores serpentes peçonhentas do Brasil, com veneno altamente potente, que causa necrose e problemas de coagulação. Alimenta-se de anfíbios e roedores.

  • Surucucu (Lachesis muta)

    Serpente peçonhenta perigosa que habita as Américas Central e do Sul. É carnívora e se alimenta exclusivamente de mamíferos de pequenos e médios porte, como ratos, camundongos, pacas e cotias.

  • Cobra-coral (Micrurus corallinus)

    Serpente que habita florestas densas, como a mata atlântica. Está presente em vários estados brasileiros. As cobras-corais verdadeiras são venenosas e possuem padrões de anéis coloridos distintos, enquanto as falsas não são venenosas e imitam padrões de cores das verdadeiras como forma de defesa. Embora a coral verdadeira tenha um veneno muito potente, acidentes são raros, pois ela tem medo de humanos.

Nas áreas mais preservadas do bioma, o mais desmatado do Brasil, há menos jararacas, cobras peçonhentas com preferência por regiões degradadas, e mais cobras-corais, menos perigosas para os seres humanos.

"Quanto mais preservado é o local, maior o número de corais, que quase não causam acidentes. Mas quanto mais degradado, maior o número de jararacas. E 90% dos acidentes são com elas. Isso significa que, com uma mata mais preservada, a chance de acidente é menor", explica o biólogo.

A causa "Mata Atlântica: Regenerar e Preservar" tem o apoio da Fundação SOS Mata Atlântica

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