Exploração do pré-sal em Macaé (RJ) é ameaça para maior área contínua de restinga do Brasil

Apesar de royalties, cidade tem bolsões de pobreza e falta de água; ambientalistas temem situação similar na Foz do Amazonas se exploração for aprovada

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Vista do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, litoral norte do estado do Rio de Janeiro, entre os municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã. Eduardo Anizelli/Folhapress

Macaé (RJ)

Enquanto o mundo se prepara para a COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), que começa nesta semana com a expectativa de trazer um plano efetivo para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, o Brasil caminha em direção oposta.

Nos últimos 15 anos, a exploração do pré-sal nas 25 plataformas das bacias de Campos e Santos, entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, trouxe ganhos econômicos, mas também consequências sociais, e ambientais às cidades.

A cidade de Macaé (RJ), apelidada de Princesinha do Atlântico, enfrenta problemas sociais e ambientais após a exploração do pré-sal - Eduardo Anizelli/Folhapress

Macaé (RJ), município que é um dos principais polos de exploração do pré-sal no país, recebeu R$ 813 milhões em royalties apenas entre janeiro e agosto deste ano. Em todo o ano de 2022, foram quase R$ 1,5 bilhão. O desenvolvimento econômico prometido pelo petróleo, porém, não se reverteu em melhorias em todos os segmentos da sociedade.

"O Brasil quer continuar ofertando petróleo, e isso desacelera a transição energética no mundo todo, contribuindo para o agravamento da crise climática", diz Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara, focado no tema dos combustíveis fósseis.

Por isso, a discussão sobre a intenção de ampliar a exploração da Petrobras na bacia Foz do Amazonas, no litoral norte do país, é criticada por ambientalistas. Eles veem a região como delicada em relação aos possíveis impactos às comunidades tradicionais e à biodiversidade. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais) negou o licenciamento à petroleira, que recorreu e espera conseguir já no próximo ano iniciar os estudos no local.

Além dos impactos da própria construção das plataformas offshore (distantes centenas de quilômetros da costa), os dejetos provenientes da refinaria de óleo e gás, bem como o uso de outros recursos naturais, como a água, trazem consequências —como pode ser visto em Macaé, alertam pesquisadores.

O município de pouco mais de 47 mil habitantes na década de 1970 se expandiu para mais de 240 mil, segundo o último Censo. A expansão urbana veio também com um aumento de favelas.

"Eu gosto de citar Macaé porque é muito gritante como houve uma deterioração, do ponto de vista social e ambiental, e o petróleo não trouxe o recurso que foi prometido", avalia Oliveira. Cerca de 9% da população macaense segue sem acesso à água potável em 2023, um grupo de aproximadamente 30 mil pessoas.

Recentemente, a lagoa de Imboassica, uma das lagoas naturais da cidade que era usada como recurso hídrico e para atividades de lazer, ficou contaminada com despejo de esgoto e compostos químicos das usinas. Fiscais do Ibama notificaram e solicitaram a remoção da poluição, mas nenhuma multa ambiental foi aplicada até agora —a origem do contaminante segue desconhecida.

A Prefeitura de Macaé disse, em nota, que o fornecimento de água é responsabilidade da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos) e que é exigido das empresas, como a Petrobras, o estudo de licenciamento ambiental para exploração de petróleo offshore, e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente para exploração onshore (no território).

Procurada, a Cedae afirmou que trabalha para garantir o aumento de oferta de água para a população e que faz controle rigoroso da qualidade. Em relação às famílias ainda sem acesso à água potável, a companhia disse que instalou uma nova tubulação na comunidade Lagomar, com 4,5 km de extensão para abastecer aproximadamente 5.000 moradores da localidade.

Já a Petrobras afirmou à reportagem que os estudos de licenciamento e impacto ambiental não demonstraram nenhum efeito direto da exploração de petróleo no município, e que os repasses previstos em lei são destinados à União, aos estados e aos municípios, mas a empresa não interfere na forma como os recursos são utilizados.

Na visão de Francisco Esteves, limnólogo (estudioso de algas) e professor do Nupem (Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, campus Macaé, a busca por petróleo é efêmera e, em situações de crise, a cidade vive uma retração econômica.

"A exploração do pré-sal tem um custo alto e ele só é custo-efetivo quando existe uma valorização do barril no mercado externo, se não, não vale a pena. Isso aconteceu após a crise da Lava Jato, em 2015", diz o pesquisador. Desde então, têm crescido as famílias em situação de pobreza extrema na cidade — atualmente, quase 40 mil famílias dependem exclusivamente do Bolsa Família.

Além dos impactos sociais, houve mudança das áreas naturais de praias e restingas, antes presentes em mais de 90% da cidade, por rodovias, estradas, prédios, fábricas e usinas termelétricas, provocando impactos na fauna e flora originais.

A cidade integra a maior e última, em termos de preservação integral, área contínua de restinga do país, o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, com extensão de mais de 14 mil hectares e 44 km de praias, entre os municípios de Macaé, Carapebus e Quissamã.

Com vegetação que mescla mata atlântica, caatinga e cerrado, a área abriga ainda 18 lagoas naturais e diversas espécies únicas de plantas e animais.

"Uma das maiores consequências [da exploração] é a perda de áreas naturais que resultam da atividade humana na região", afirma Carlos Barboza, ecólogo marinho e professor do Nupem/UFRJ. Uma das espécies ameaçadas com a modificação das paisagens naturais é o sabiá-da-praia (Mimus gilvus), animal incluído na lista de espécies ameaçadas de extinção do estado.

"Talvez seja importante pensar se a perda da biodiversidade, para algo que vai ser explorado por um tempo limitado, faz sentido", indaga.

Os pesquisadores afirmam que a navegação intensa de embarcações da costa para as plataformas offshore também pode provocar impactos, inclusive nos mamíferos aquáticos —efeitos que a Petrobras, por sua vez, diz que não ocorrem.

Alexander Turra, professor do Instituto Oceanográfico da USP e coordenador da Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, afirma que a exploração de petróleo, além do possível risco de acidente, traz impactos à vida marinha até devido aos sinais acústicos provocados pelas ferramentas de prospecção e pelo fluido de perfuração do pré-sal.

Pescadores ouvidos pela reportagem disseram enfrentar uma escassez de peixes no litoral macaense nos últimos anos.

Entre as medidas previstas em lei para mitigação dos impactos da exploração do petróleo estão a promoção de capacitações para pescadores, projetos de educação ambiental na área do parque —previstos em decisão judicial desde 2008, mas que só foram realizados neste ano— e ações voltadas aos estudos da biodiversidade.

A Petrobras diz que também contribui com a reforma de embarcações ou de edifícios ligados à associação de pescadores, caso haja impactos da exploração na atividade pesqueira.

A Prefeitura de Macaé afirma que as ações de mitigação aos pescadores são executadas pelas empresas que atuam na região, de acordo com o processo de licenciamento realizado e o potencial poluidor.

Também contatado pela Folha, o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que é responsável pelo Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, disse que se manifesta nos processos de licenciamento sobre possíveis impactos dos empreendimentos às unidades de conservação (UCs).

Atualmente, no Brasil, existem 190 UCs em áreas marinhas e costeiras. De acordo com o órgão, a área do pré-sal está próxima a 36 destas unidades, sendo 14 federais e 22 estaduais.

"É preciso um olhar atento principalmente para a sobreposição da exploração com UCs porque são áreas consideradas prioritárias para a preservação da biodiversidade e que são fundamentais não só para a pesca artesanal, como também industrial", destaca Oliveira.

A reportagem contou com apoio do Edital Conexão Oceano de Comunicação Ambiental, promovido pela Fundação Grupo Boticário.

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