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Criança
é a mãe
Nas vésperas
da comemoração do Dia das Mães, o IBGE
divulgou uma das maiores calamidades brasileiras: a maternidade
das adolescentes. É um massacre que revela o fracasso
dos responsáveis pelas políticas federal, estadual
e municipal de saúde, de educação e de
assistência social. De acordo com o Censo 1991, 8,7%
das mulheres entre 15 e 19 anos de idade tiveram, no ano anterior,
um filho. Em 2000, essa taxa pulou para 9,1%. Traduzindo:
num ano, 1 milhão de adolescentes se tornaram mães.
Prejudicaram seus estudos, comprometeram suas perspectivas
profissionais e condenaram-se a ser chefes de família,
num círculo vicioso de pobreza.
Num prazo
de 20 anos, quando essa criança de 15 anos que está
grávida hoje for ainda uma jovem, de 35 anos, teremos
20 milhões de mulheres que terão colocado em
risco suas oportunidades profissionais devido à maternidade
precoce. Curioso que a divulgação dos dados
relativos à maternidade precoce recebeu pouca atenção
na divulgação do Censo: o governo tentou se
apropriar das boas notícias (a queda da mortalidade
infantil, uma obra coletiva) e a oposição tentou
apontar as notícias ruins. Coisas de políticos
e, em particular, de políticos em ano eleitoral.
Para entender
o impacto da maternidade precoce (e ver como é fundo
o descalabro social brasileiro), basta ver outro fato também
divulgado pelo censo: o baixo número de crianças
matriculadas na chamada pré-escola, que engloba a faixa
de zero a seis anos. Esse período é fundamental
para o desenvolvimento de uma criança.
Mostram
todas as pesquisas - e "todas" aqui não é
nenhum exagero- que, nessa faixa etária, molda-se a
capacidade de aprendizado futuro. Sem contar que existem sólidas
evidências, baseadas em estudos de neurobiologia, de
que o estresse nos primeiros anos de vida estimula tendência
a comportamentos destrutivos.
Em quase
todas as cidades brasileiras, faltam vagas nas creches. Dados
oficiais revelam que a maioria das creches públicas
não tem infra-estrutura adequada nem profissionais
qualificados. Sintoma da ignorância de uma nação
é a falta de percepção, principalmente
na sua elite política e econômica, da importância
de cuidar da infância nesse período dos zero
aos seis anos - o que, no final, afeta a produtividade econômica.
Há
dez anos, percorri o Brasil à procura das rotas de
meninas exploradas sexualmente, focando principalmente as
regiões Norte e Nordeste. Ali descobri que a gravidez
precoce não era apenas resultado da falta de informação
e, por incrível que pareça, nem de falta de
dinheiro para se prevenir ou abortar. Em muitas entrevistas,
percebi que, para uma adolescente abandonada, pobre, sem escola,
sem trabalho e, muitas vezes, prostituída, virar mãe
é um projeto de vida. É estabelecer laço
com alguma coisa que lhe pareça produzir afeto -algo
que não encontra na família, nem na escola,
nem, muito menos, na rua. Logo vai descobrir que aquela imaginada
solução afetiva é mais um problema.
Faltam
camisinhas ou pílulas anticoncepcionais, mas falta,
sobretudo, uma perspectiva de vida, que carregue um projeto.
Tenho dito aqui, por várias vezes, que os candidatos
deveriam apresentar com urgência uma política
nacional de juventude, articulada com Estados, municípios
e sociedade. Do contrário, os planos de segurança
pública são inúteis; a matéria-prima
do crime (a marginalidade juvenil) continuará crescendo.
É algo como tentar emagrecer à base de pizza
com muito queijo. As experiências que têm funcionado
trabalham valores. E, em conjunto com valores, apoio escolar,
auxílio psicológico e geração
de renda. Daí ser óbvia a necessidade de uma
bolsa-jovem, um reforço escolar no qual se receba uma
renda mensal em troca de serviços comunitários.
Como também é óbvio que as atenções
devem ser centradas na qualidade do ensino médio, ainda
despreparado para jogar o jovem no mercado do trabalho. Falta
quase tudo nas escolas públicas de ensino médio
- de professores de ciências a laboratórios,
bibliotecas ou salas de informática.
Nenhum
candidato - e, mais uma vez, não há exagero-
apresentou até agora uma só idéia sobre
a questão da juventude. Mas quase todos prometem combater
a falta de segurança, o que, de cara, revela a fragilidade
de suas propostas. Até porque eleição
é jogo de imagens fabricadas por marqueteiros, denúncias,
dossiês e ilusões. A maternidade precoce é,
entre tantas peças desse abandono, mais uma que exige
mais do que propaganda.
Comemorar
a maternidade é criar as condições para
que todas as mães possam ser mães de verdade.
PS - Um
notável exemplo do inferno (e até da poesia)
da maternidade está numa coleção de cartas
- cujo lançamento está previsto para este domingo-
escritas por crianças e por jovens presos na Febem.
Eles endereçam cartas a suas mães, a maioria
delas transformadas em mães quando ainda eram quase
crianças. A íntegra das cartas, uma leitura
imperdível para entender o olhar marginal diante da
mãe, está na página do
Aprendiz.
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