|
Ciro
não é Collor
Numa reação
à reviravolta nas pesquisas eleitorais, José
Serra e Luís Inácio Lula da Silva intensificaram,
na semana passada, a tentativa de associar Ciro Gomes à
imagem de Fernando Collor. Tal esforço é, porém,
uma manipulação.
Quem analisar
o noticiário sobre sucessão presidencial, especialmente
nos últimos dias, quando Ciro isolou-se no segundo
lugar, verá que Collor tornou-se a principal referência
das eleições -mais até que o próprio
presidente Fernando Henrique Cardoso, que, em maior ou menor
grau, é poupado por todos os candidatos. Afinal, os
eleitores que consideram o presidente bom ou ótimo,
segundo as pesquisas, estão divididos na disputa e
ninguém quer evidentemente perder votos.
O principal
ataque contra Ciro, por enquanto, é que ele seria parecido
com Collor. Não faltam ingredientes. Ambos montaram
suas vidas políticas no Nordeste, têm bom visual,
são jovens, temperamentais e voluntariosos.
O ex-governador
cearense fala sobre renegociação da dívida
e facilita a seus adversários que eles lembrem o confisco
da poupança dos tempos de Collor. Está cercado
de ex-colloridos por todos os lados, e, para facilitar ainda
mais o jogo de imagens, sua base partidária aliou-se
formalmente, em Alagoas, à candidatura a governador
de Collor. Os dois lançaram-se na corrida presidencial
sem bases partidárias sólidas, à margem
das estruturas tradicionais, como se fosse uma aventura.
Por trás
da associação, o que se busca passar ao eleitor,
na verdade, é que ambos seriam aventureiros e mutreteiros.
Durante
o ano de 1989, tive a chance de revisitar as vidas privada
e pública de Collor, publicando uma série de
reportagens, quando o grosso da imprensa, temerosa da candidatura
de Lula, preferia ficar em silêncio. A análise
de suas ações como prefeito e governador indicavam
que, se fosse eleito presidente e reproduzisse os descalabros,
teria dificuldade para governar. Viam-se descalabros a olho
nu, esquecidos na esfera provinciana.
O maior descalabro foi fazer de um único tema, os marajás
-assunto local-, o principal tema de sua campanha. Como não
quero fazer o papel de profeta do passado, basta ler minhas
colunas, nesta Folha, daquele período.
Ciro vende
para o Brasil uma redenção social que nem de
longe conseguiu no Ceará; seu grupo político,
liderado por Tasso Jereissati, é quase uma nova oligarquia
regional. Está, portanto, vendendo ilusão.
Mas, gostem
ou não seus adversários, alguns dos programas
administrativos do Estado surtiram efeitos -especialmente
no combate à mortalidade infantil, germe de uma ação
que, anos depois, seria encampada pelo governo federal, inclusive
pelo ex-ministro da Saúde José Serra. Colocaram-se,
no Ceará, técnicos nas áreas de educação
e de assistência social, alguns deles vindos de entidades
como o Unicef.
Não
vejo em Ciro, como via em Collor, alianças promíscuas
com a plutocracia, misturando interesses públicos com
os privados. Ele fez parte de um grupo político que
modernizou o Ceará em confronto com o principado dos
coronéis e atraiu empresas.
Significa
que estou, aqui, defendendo Ciro? Não. Estou apenas
dizendo que ele não é Collor.
São
notórias suas fragilidades. É nervosinho; e
um presidente precisa ter sempre o sangue frio. É imaturo,
característica que o faz falar mais do que deve e fazer
acusações levianas. Na semana passada, por exemplo,
acusou Serra de atacá-lo com métodos nazistas.
Por ser
imaturo e temperamental, não sabe ouvir críticas
e, num esforço para tentar mostrar mais do que sabe,
faz do desconhecimento em vários assuntos ignorância.
Ao dar sua receita para uma política de segurança,
promete federalizar crimes que já são federalizados.
Não são necessários muitos técnicos,
como se vê nos debates, para desmontar seus argumentos
para temas cruciais, como os juros.
Manipulador,
ataca as elites, promete renovação, novos costumes,
mas tem símbolos do arcaísmo como Antonio Carlos
Magalhães e Leonel Brizola. O que é um sinal
de indigência. Daí, porém, a chamá-lo
de Collor há uma longa distância, restrita às
manipulações eleitorais.
PS - Por
falar em indigência. Escrevi artigo sobre os planos
da prefeitura de embelezar uma área, no parque Ibirapuera,
já utilizada como ponto de encontro dos gays. Desde
então, montou-se uma guerra contra tal iniciativa,
o que mostra que São Paulo, apesar de seu cosmopolitismo,
ainda tem enormes camadas de selvageria cultural. Curioso
é ninguém se incomodar com o fato de que um
pedaço do parque seja reservado e devidamente cercado,
com exclusividade, para os cães, numa privatização
do espaço público; os adestradores conseguem
manter o privilégio graças a artifícios
legais. A tradução dessa lógica é
que, na prática, os gays valem menos do que os cães.
É mais um sinal de nossa indigência política.
| |
| Subir
| |
|