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Em
São Paulo, até Papai Noel anda armado
A publicitária
Renata Guimarães, de 23 anos, estava em seu carro,
passando pelo Itaim Bibi, bairro que fica em uma das regiões
mais ricas da cidade de São Paulo. Não poderia
imaginar -e ninguém poderia- que um homem vestido de
Papai Noel, de aparência inofensiva, que vendia balas
no cruzamento das ruas, fosse sacar um revólver e disparar
três tiros em seu rosto. Por sorte, ela perdeu apenas
três dentes.
A insólita
cena de um Papai Noel homicida ameaçando uma pessoa,
vista na semana passada, compõe um símbolo da
extraordinária vulnerabilidade da cidade que, na sua
imponência econômica, se presta a ser uma conexão
entre o Brasil e a era globalizada; convivem e se misturam
majestade e indigência, fortaleza e fragilidade, sofisticação
tecnológica e barbárie.
Aquele
indivíduo poderoso, cercado de assessores, que no escritório
decide o destino de bilhões de pessoas, torna-se, na
rua, um órfão, obrigado a andar em carros blindados
e a conviver com a incerteza sobre a segurança de sua
mulher e de seus filhos.
Nunca
a polícia prendeu tanta gente como neste ano -mas talvez
o paulistano nunca tenha se sentido tão exposto à
delinquência antes.
O homem
que mexeu nos alicerces das Organizações Globo,
ao criar, com a "Casa dos Artistas", um dos maiores
fenômenos de audiência da televisão brasileira,
protagonizou, ao lado de sua filha, um show de realidade ainda
mais impressionante.
Silvio
Santos foi a estrela do Ibope ao mostrar a realidade das relações
humanas na "Casa dos Artistas" e, poucos meses antes,
na sua própria casa, ao ser mantido refém depois
do sequestro de Patrícia, sua filha.
Mais do
que a crise econômica, o sequestro é, hoje, a
maior preocupação da elite paulistana: ninguém,
rigorosamente ninguém, se sente protegido.
As eleições
já se aproximam e logo virão as soluções
apresentadas pelos candidatos a governador e até a
presidente, embaladas pela histeria ou pelo ilusionismo. Afinal,
vivemos na era política em que o candidato vale pouquíssimo
pelas suas idéias, mas muito pela sua imagem. Bradar
pela existência de mais policiamento -ou por uma polícia
mais violenta- pode, quem sabe, vender a idéia de coragem;
pedir mais ação social talvez convença
o eleitor das nobres e sensíveis intenções
do candidato.
Para começo
de conversa, o problema é que existe um barril de pólvora
chamado Grande São Paulo, com 39 municípios,
onde 18 milhões de pessoas, vivendo em extremos de
riqueza e de pobreza, espremem-se em 8.000 km2.
Uma idéia
sensata e consistente para reduzir a insegurança, se
houver, deverá levar em conta que os municípios
da região metropolitana deveriam trabalhar articuladamente.
Já é difícil, diga-se, fazer que, num
mesmo governo, os secretários ou ministros trabalhem
em parceria. Imagine prefeitos de diferentes ideologias, de
diferentes partidos, todos com suas vaidades e cobiças.
Isso significa,
em poucas palavras, coordenação dos programas
para diminuir os desperdícios e aumentar a sua eficácia.
Somem-se a isso as costuras não apenas com os governos
municipais, estadual e federal mas também com a sociedade.
O que é corriqueiro numa empresa privada é utopia
no setor público.
Uma das
propostas mais provocativas -que, apesar de viável,
é de realização remota- que ouvi nos
últimos tempos sobre como enfrentar esse barril de
pólvora veio de um americano radicado em São
Paulo. Diretor do Instituto Fernand Braudel, Norman Gall estudou
as superposições de programas e ações
administrativas e propôs que a região metropolitana
ganhasse autonomia política. Ou seja, seria transformada
em mais um Estado.
Ele está
convencido de que tantos conflitos e desafios só teriam
alguma chance de ser, de fato, enfrentados com a descentralização
política. Nesse Estado, a cidade de São Paulo,
com seus 10 milhões de habitantes, também seria
dividida em mais municípios -dividir a cidade não
só em subprefeituras mas também em novos municípios
é uma idéia aceita e aplaudida por muitos urbanistas.
O leitor
deve estar pensando que é uma tarefa complexa demais
para sair do papel. Talvez esteja certo. Mas problemas complexos
como a questão da segurança exigem respostas
complexas. O que for dito fora disso será discurso
eleitoral. Talvez seja mesmo mais fácil acreditar em
Papai Noel do que numa rede de articulações
de programas que envolva todas as esferas de poder.
Por mais
incrível que pareça, é muito mais simples
acreditar num Papai Noel assassino.
PS - Vale
uma leitura com calma do texto em que Norman Gall defende
a transformação da região metropolitana
de São Paulo em Estado -no mínimo, para conhecer
as premissas, quase todas corretas, em que se baseia para
chegar àquela proposta. Veja
a íntegra do texto.
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