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Soninha
dá uma boa lição aos nossos filhos? Talvez
Só
comecei, de verdade mesmo, a me preocupar com as drogas quando
virei pai. Mais precisamente, quando meus dois filhos, insinuando-se
na adolescência, se tornaram potenciais consumidores.
Acompanho
de perto, há mais de uma década, a violência
contra crianças e adolescentes, estimulada, em larga
medida, pelas mais diversas modalidades de dependência
química. Por produzir material didático e desenvolver
currículos, convivo com alunos e professores de escolas
de elite; a partir das confidências, noto que o consumo
de drogas é generalizado - muito maior, suspeito, do
que aquilo que indicam as pesquisas e mesmo do que aquilo
de que desconfiam os pais.
Diante
de tantos dramas e, em especial, graças à paternidade,
fiquei bem mais conservador, distante não só
cronologicamente dos tempos da adolescência - o adolescente
e o adulto estão quase irreconhecíveis. Tal
distância ficou nítida ao refletir sobre o comportamento
da apresentadora Soninha, que, em entrevista à revista
"Época", falou de seu hábito de fumar
maconha e perdeu o emprego na TV Cultura, onde tinha um programa
para adolescentes.
Meu primeiro
e íntimo impulso foi concordar com a TV Cultura. Afinal,
não se deveria permitir que alguém, responsável
pela apresentação de um programa destinado justamente
a adolescentes, transmitisse a idéia de que fumar maconha
é normal. Naquela posição, Soninha é,
queira ou não, um exemplo; vida pública e privada
se confundem. Além do mais, recebia dinheiro de uma
emissora educativa.
Tal cargo
também não deveria ser entregue nem a quem fizesse
apologia da bebida ou do fumo. Não pagamos, com nosso
imposto, a uma emissora para deseducar; consumo excessivo
de drogas é doença, consequência de dependência.
Estimular dependência, seja qual for, pode até
não ser crime, mas é leviandade.
Já
sabemos que a maconha de hoje não é a maconha
de antigamente, está muito mais forte. Já sabemos
também que, em muitos casos, provoca distúrbios
neurológicos.
A droga
pega, de fato, jovens sem projeto de vida, sem sonhos, com
baixa auto-estima, que vivem em lares desestruturados - contextos
que atingem uma parcela cada vez maior dos adolescentes.
Existe
um sério risco de empurrar jovens para a dependência
caso percebam em personalidades públicas uma autorização
à transgressão.
Mas a
verdade é que talvez a apresentadora tenha mais poder
de persuasão do que alguém que, apesar de bem-intencionado,
tenha um discurso moralista, movido a relatos de tragédias.
Essa possibilidade deve ser levada a sério, o que faz
de Soninha não uma comunicadora irresponsável,
mas uma educadora.
Uma investigação
de antropólogos da USP e da PUC, patrocinada pela entidade
"Parceira contra as Drogas", mostrou que o discurso
"adulto" tem pouco efeito. Jovens acreditam estar
sendo enganados por uma sociedade que demoniza a maconha,
mas reverencia a droga lícita. Amparam-se (e com certa
razão) nas estatísticas sobre mortes associadas
ao consumo do cigarro e do álcool. Encontram na maconha,
por exemplo, um prazer que os faz encarar com desdém
as campanhas terroristas. Para o jovem, a morte está
no mais longínquo futuro.
Nos bares
que serviram de base para a pesquisa, os antropólogos
detectaram, no discurso dos jovens, uma relação
entre a maconha e uma "certa pureza, a ausência
de produtos químicos ou artificiais, o que justifica
seu uso mais frequente".
Mais:
"A noção de pureza remete ao que é
natural, a um mundo supostamente mais simples, integrado e
harmônico, em oposição ao mundo moderno,
complexo e poluído", afirma o estudo.
Um dos
principais estudiosos brasileiros da dependência, o
psiquiatra Dartiu Xavier Mendonça, da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), defende a idéia
de que, diante da generalização do consumo,
existiria apenas uma alternativa sensata: a redução
de danos. "É ensinar a lidar com as drogas, evitando
o abuso e, se abusar, evitar que se exponha a risco",
afirma Dartiu.
É,
lembra ele, exatamente como a sociedade faz com o álcool.
Repete-se: "Se beber, não dirija".
"A
atitude de Soninha é correta e elogiável porque
ajuda a reduzir o dano", afirma a antropóloga
Rachel Trajber, coordenadora técnica da pesquisa patrocinada
pela "Parceira contra as Drogas".
Soninha
não imaginava que viraria um instrumento de marketing,
transformada em outdoor - e, aí, errou pela ingenuidade
ou pela vaidade.
Mas o
que importa: ela condena abusos do consumo, recomenda precauções
e está a milhares de quilômetros de ser uma desvairada.
Age, enfim, na linha de redução de danos - e,
certamente, vai ser mais ouvida entre os jovens do que muita
gente seria.
Seu comportamento
é, apesar dos pesares, mais educativo do que destrutivo.
PS - Recebi
nesta semana uma pesquisa confidencial feita por psiquiatras
e psicólogos dentro de uma das mais importantes escolas
brasileiras - os entrevistados tiveram assegurado sigilo.
Dos entrevistados, 20% admitiram usar, em diferentes quantidades,
maconha e outras drogas. Imagine tal pesquisa fora do ambiente
escolar, onde os alunos se sentissem menos desinibidos.
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