Home
 Tempo Real
 Coluna GD
 Só Nosso
 Asneiras e Equívocos 
 Imprescindível
 Urbanidade
 Palavr@ do Leitor
 Aprendiz
 
 Quem Somos
 Expediente
gdimen@uol.com.br

Soninha dá uma boa lição aos nossos filhos? Talvez

Só comecei, de verdade mesmo, a me preocupar com as drogas quando virei pai. Mais precisamente, quando meus dois filhos, insinuando-se na adolescência, se tornaram potenciais consumidores.

Acompanho de perto, há mais de uma década, a violência contra crianças e adolescentes, estimulada, em larga medida, pelas mais diversas modalidades de dependência química. Por produzir material didático e desenvolver currículos, convivo com alunos e professores de escolas de elite; a partir das confidências, noto que o consumo de drogas é generalizado - muito maior, suspeito, do que aquilo que indicam as pesquisas e mesmo do que aquilo de que desconfiam os pais.

Diante de tantos dramas e, em especial, graças à paternidade, fiquei bem mais conservador, distante não só cronologicamente dos tempos da adolescência - o adolescente e o adulto estão quase irreconhecíveis. Tal distância ficou nítida ao refletir sobre o comportamento da apresentadora Soninha, que, em entrevista à revista "Época", falou de seu hábito de fumar maconha e perdeu o emprego na TV Cultura, onde tinha um programa para adolescentes.

Meu primeiro e íntimo impulso foi concordar com a TV Cultura. Afinal, não se deveria permitir que alguém, responsável pela apresentação de um programa destinado justamente a adolescentes, transmitisse a idéia de que fumar maconha é normal. Naquela posição, Soninha é, queira ou não, um exemplo; vida pública e privada se confundem. Além do mais, recebia dinheiro de uma emissora educativa.

Tal cargo também não deveria ser entregue nem a quem fizesse apologia da bebida ou do fumo. Não pagamos, com nosso imposto, a uma emissora para deseducar; consumo excessivo de drogas é doença, consequência de dependência. Estimular dependência, seja qual for, pode até não ser crime, mas é leviandade.

Já sabemos que a maconha de hoje não é a maconha de antigamente, está muito mais forte. Já sabemos também que, em muitos casos, provoca distúrbios neurológicos.

A droga pega, de fato, jovens sem projeto de vida, sem sonhos, com baixa auto-estima, que vivem em lares desestruturados - contextos que atingem uma parcela cada vez maior dos adolescentes.

Existe um sério risco de empurrar jovens para a dependência caso percebam em personalidades públicas uma autorização à transgressão.

Mas a verdade é que talvez a apresentadora tenha mais poder de persuasão do que alguém que, apesar de bem-intencionado, tenha um discurso moralista, movido a relatos de tragédias. Essa possibilidade deve ser levada a sério, o que faz de Soninha não uma comunicadora irresponsável, mas uma educadora.

Uma investigação de antropólogos da USP e da PUC, patrocinada pela entidade "Parceira contra as Drogas", mostrou que o discurso "adulto" tem pouco efeito. Jovens acreditam estar sendo enganados por uma sociedade que demoniza a maconha, mas reverencia a droga lícita. Amparam-se (e com certa razão) nas estatísticas sobre mortes associadas ao consumo do cigarro e do álcool. Encontram na maconha, por exemplo, um prazer que os faz encarar com desdém as campanhas terroristas. Para o jovem, a morte está no mais longínquo futuro.

Nos bares que serviram de base para a pesquisa, os antropólogos detectaram, no discurso dos jovens, uma relação entre a maconha e uma "certa pureza, a ausência de produtos químicos ou artificiais, o que justifica seu uso mais frequente".

Mais: "A noção de pureza remete ao que é natural, a um mundo supostamente mais simples, integrado e harmônico, em oposição ao mundo moderno, complexo e poluído", afirma o estudo.

Um dos principais estudiosos brasileiros da dependência, o psiquiatra Dartiu Xavier Mendonça, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), defende a idéia de que, diante da generalização do consumo, existiria apenas uma alternativa sensata: a redução de danos. "É ensinar a lidar com as drogas, evitando o abuso e, se abusar, evitar que se exponha a risco", afirma Dartiu.

É, lembra ele, exatamente como a sociedade faz com o álcool. Repete-se: "Se beber, não dirija".

"A atitude de Soninha é correta e elogiável porque ajuda a reduzir o dano", afirma a antropóloga Rachel Trajber, coordenadora técnica da pesquisa patrocinada pela "Parceira contra as Drogas".

Soninha não imaginava que viraria um instrumento de marketing, transformada em outdoor - e, aí, errou pela ingenuidade ou pela vaidade.

Mas o que importa: ela condena abusos do consumo, recomenda precauções e está a milhares de quilômetros de ser uma desvairada. Age, enfim, na linha de redução de danos - e, certamente, vai ser mais ouvida entre os jovens do que muita gente seria.

Seu comportamento é, apesar dos pesares, mais educativo do que destrutivo.

PS - Recebi nesta semana uma pesquisa confidencial feita por psiquiatras e psicólogos dentro de uma das mais importantes escolas brasileiras - os entrevistados tiveram assegurado sigilo. Dos entrevistados, 20% admitiram usar, em diferentes quantidades, maconha e outras drogas. Imagine tal pesquisa fora do ambiente escolar, onde os alunos se sentissem menos desinibidos.

 
 
                                                Subir