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da Folha Online
Adriana Elias./Folha Imagem
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O
economista Carlos Lessa, durante o debate e lançamento do livro "Revisão do Paraíso", no auditório da Folha |
A perda da identidade nacional brasileira e a separação entre Estado
e sociedade foram os temas centrais do debate "Relações de Poder no
Brasil", promovido segunda-feira (19/6) pela Folha e pela editora
Campus.
O evento contou com a participação da historiadora Mary Del Priore,
professora do departamento de história da USP, do economista Carlos
Lessa, professor da UFRJ, e de João Cezar de Castro Rocha, professor
de literatura comparada da Uerj. O encontro foi realizado às 19h30,
no auditório da Folha (al. Barão de Limeira, 425, 9º andar).
O debate, que teve mediação da jornalista Sylvia Colombo, marcou o
lançamento do livro "Revisão do Paraíso", uma coletânea de ensaios
escritos pelos debatedores, entre outros autores, e organizada pela
professora Del Priore.
A separação entre sociedade e Estado, segundo a historiadora, existe
desde o início de nossa história, no século 16. Ela explica que, já
naquela época, senhores de engenho e magistrados se beneficiavam da
exploração econômica e da burocracia para adquirirem mais poder.
O economista Carlos Lessa afirma que, ao se instaurar a forma republicana
de governo, o país sofreu duas graves derrotas, relacionadas ao estabelecimento
da ordem e do progresso - o lema da Bandeira Nacional. Ele explica
que a ordem republicana no país não está calcada na democracia, mas
no isolamento entre governo e povo.
"Quem segura a idéia de progresso", acrescenta Lessa, "não é o vetor
civil, mas o vetor militar. O pacto oligárquico é estabelecido sem
democracia".
Os livros "Raízes do Brasil", de Sérgio Buarque de Hollanda (1936),
e "Os Donos do Poder", de Raymundo Faoro (1958), também serviram de
referencial durante o debate. Na concepção de Buarque de Hollanda,
o homem cordial é aquele que vive dominado pelas emoções. Isso, porém,
não significa que tenha apenas boas atitudes, e sim, que atua de acordo
com suas próprias vontades e necessidades, sem parcimônia.
Para o professor da Uerj, os conceitos de Estado patrimonial e de
sociedade dividida em estamentos (classes) de Raymundo Faoro remontam
ao conceito do "homem cordial" estabelecido em "Raízes do Brasil".
"O homem cordial é violentamente sentimental, violentamente passional",
afirma. Para ele, esse é um dos causadores do divórcio entre Estado
e sociedade. Como exemplo, cita a vinda da família real para o Brasil,
ocasião em que os moradores tiveram que deixar suas casas, demarcadas
com as letras PR (Propriedade Real), para abrigar a Corte de d. João
6º.
Alguns momentos do debate foram mais densos. O professor Rocha afirma
que a separação entre Estado e sociedade é vista como anormal pelos
intelectuais, mas diz acreditar que haja uma tendência a escandalizar
esse divórcio, devido ao descompasso entre a teoria dos intelectuais
do país e a prática.
Carlos Lessa diz que os brasileiros não estão preparados para se verem
às voltas com alguma obrigação, como a de exercer o direito do voto.
"Não satanizem o Estado, pois estarão satanizando também a sociedade
que os escraviza e, consequentemente, a si mesmos", diz.
Ele lembra que, desde a década de 90, que ele denomina de "era dos
Fernandos" ou "Fernandécada" (Collor/90-92, e Fernando Henrique, que
é o atual presidente, reeleito em 1998). Acrescenta, ainda, que, na
atualidade, o poder está nas mãos de economistas, enquanto, em outras
fases da história, já estivera nas mãos até de camponeses ou advogados.
"Hoje, um economista pode até sair do poder, mas é substituído por
outro à sua imagem e semelhança". A visão economicista dos problemas,
segundo ele, interfere até mesmo na condução das políticas sociais.
Para ele, não se pode ver a educação como única forma de resolver
problemas.
"Qualificar todo mundo não melhora o emprego de ninguém. Uma sociedade
com diferenças reconstrói as diferenças a partir da educação", afirma.
Questionado sobre qual seria, então, a possível solução, Lessa defendeu
a volta às práticas nacionalistas.
"Aprenda o que é o povo brasileiro, o único que destrói a cultura
do 'fast-food' inventando a comida por peso e misturando tudo. Até
feijão e sashimi. É antropófago, como definia Oswald de Andrade, na
Semana de Arte Moderna, em 1922."
"O povo brasileiro é PhD em sobrevivência. Todos nós, brasileiros,
somos prisioneiros da Nação. Porque o mundo globalizado não nos receberá",
enfatiza.
João Rocha, no entanto, discorda. "Não somos antropófagos. A noção
de antropofagia pressupõe vencer o inimigo, e somos sempre perdedores.
Os verdadeiros antropófagos são os EUA, que impõem sua cultura a todos
os povos. Nossa sociedade ainda se funda sobre a mentalidade escravagista
de exclusão do povo."
(Adriana Resende)
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