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Lives NPC podem gerar dinheiro, mas é preciso cuidado com a exposição

Creators entram na onda do TikTok e psicólogo sugere escolha de personagens menos sexualizados e proximidade de adultos

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São Paulo

O influencer Marcelo Rogério, 28 anos, já é famoso na internet há um bom tempo com seu perfil Pop Creature, em que trata de cultura geek. Mas, com o tanto que se vem falando sobre as lives NPC, ele resolveu dar mais um passo para dentro das redes: criou na semana passada um personagem e começou ele também a pedir presentes ao vivo na frente da câmera do celular.

O influencer Marcelo Rogério, do perfil Pop Creature, que entrou há uma semana na trend das lives NPC - Bruno Santos/Folhapress

As lives NPC podem parecer um bug no sistema ou no sinal da internet. A imagem de boa qualidade, mas com movimentos e áudios repetitivos, pode enganar quem não esteve muito ligado no mais novo assunto bombante.

Elas são assim mesmo: comportamento desconexo que remete a jogos de videogames. A sigla vem do inglês non-playable character, "personagem não jogável" —a expressão se refere aos personagens sobre os quais jogadores não exercem controle, os coadjuvantes.

O personagem de Marcelo é um caçador de Pokemon, escolhido porque ele tinha uma fantasia encostada em casa desde o último Halloween. "Entrei nesse negócio porque vi algumas lives e achei superlegal. Eu não queria ser eu mesmo nem o Pop Creature, queria ser algum personagem, pra atuar", conta.

Marcelo, que normalmente se sustenta com o trabalho de influenciador, tomou um susto com o resultado. "Foram cinco dias de lives de duas horas cada uma. Com elas, paguei meu aluguel e todas as contas do mês. Tem pessoas que trabalham todos os dias e não ganham isso, então valeu muito a pena, foi um alívio", diz.

O dinheiro das lives vem dos "presentes" que os creators ganham dos espectadores. "Eles me mandam uma rosa e eu tenho que repetir o movimento, falando 'Rosa!' e dando uma cheiradinha. Eles mandam um milho e eu digo que vou guardar, porque tem relação com o caçador de Pokemon", explica Marcelo.

"O lance da galera é ficar mandando muitos presentes seguidos pra fazer como se você fosse um personagem que travou. E, se você dá risada ou fica cansado, eles reclamam falando que você saiu do personagem. Acho que no fundo é isso que eles querem ver."

Tem vários [espectadores] falando sobre minha sexualidade, usando frases prontas, mas é sempre uma coisa meio mecânica. Por incrível que pareça, não fiquei chateado nem triste, vesti essa máscara do personagem e entendi que estava ali interpretando

Marcelo Rogério

influenciador digital

Marcelo diz que são duas horas exaustivas. "É um desgaste físico e emocional. Tem que estar feliz, interagindo, e fazer aquele movimento mecânico cansa os braços, deixa a mão travada, as costas doendo. Quando dá sede, aviso que vou beber água. Só não posso sair da câmera, senão já desce o número de pessoas assistindo", afirma.

Sobre os haters, ele acha que a maioria é de "crianças reproduzindo falas que ouviram por aí". "Tem vários [espectadores] falando sobre minha sexualidade, usando frases prontas, mas é sempre uma coisa meio mecânica. Por incrível que pareça, não fiquei chateado nem triste, vesti essa máscara do personagem e entendi que estava ali interpretando", diz.

Ele diz ter contratado um moderador de conteúdo para filtrar comentários, no entanto. "Tenho alergia e coço o nariz, então tinha gente dizendo que eu estava 'cheirando' [cocaína]. Falei que isso não é legal, porque tem criança assistindo", completa Marcelo, que pretende continuar com as lives.

"Essa primeira semana foi incrível, mas tenho certeza de que essa onda vai passar, porque já senti uma queda muito grande. Não é a plataforma bloqueando, como tem gente dizendo, mas são as pessoas perdendo o interesse. Quem fez dinheiro fez, quem converteu em seguidores converteu. Eu ganhei 20 mil seguidores."

O perfil do TikTok Frimes, que tem cerca de 58 mil seguidores, também fez live NPC recentemente. Criada por Rafael Paz, 30, a personagem ficou cerca de duas horas ao vivo imitando aquilo que os espectadores pediam. "Pai, você me dá dinheiro para comprar um milho e um mate?", dizia, lembrando o caso da atriz Larissa Manoela.

"Eu sou muito impulsivo, então vou e faço. No dia me arrumei e avisei no Twitter [atual X] que ia estar ao vivo lá. Fazer a voz de dubladora potencializou o alcance", diz. Paz, no entanto, conta que a experiência foi frustrada.

Ele afirma que, no dia, recebeu 10 mil diamantes. Quando resgatados em dinheiro, eles teriam somado R$ 19,50. Paz diz que não pretende seguir nessa produção de conteúdo.

"Quem faz todo mundo de otário é o TikTok, porque é a plataforma que fica com a maior quantia e a audiência. É justo as pessoas pensarem isso, 'estudei muito, me formei, tenho que pegar ônibus, e aí chega uma pessoa que faz só isso e ganha um dinheiro fácil'", diz.

"Eu penso a mesma coisa dos jogadores de futebol, que correm atrás de uma bola e ganham milhões. O próprio TikTok já está limitando pessoas que incentivam outras a darem dinheiro fazendo ações repetitivas, que se encaixam na live NPC."

Procurado pela reportagem, o TikTok diz que não tem banido este tipo de conteúdo, e que tudo que é publicado em sua plataforma, incluindo as transmissões ao vivo, precisa estar de acordo com suas "Diretrizes da Comunidade", disponíveis no Portal do Criador.

É como se um tivesse poder sobre o outro, que vai realizar os comandos que o outro quer. E o outro vai se satisfazer com os comandos respondidos. É como se fosse uma relação em que o outro é um submisso e eu sou o poderoso

Rafael Matias

psicólogo

O psicólogo e psicanalista Rafael Matias, professor de psicologia da faculdade Unifg (Centro Universitário dos Guararapes), diz que toda exposição nas redes sociais envolve riscos.

"Nesse caso, os jovens estão numa maior vulnerabilidade por conta da cultura da pedofilia e do estupro. Ao se fantasiar e fazer performances, eles abrem espaço para que suas imagens possam circular em outros meios que não foram consentidos por eles. Alguém pode gravar aquilo e transformar em materiais pornográficos", diz Matias.

"Também foi vendido de forma sedutora que todos esses adultos jovens podem enriquecer fazendo determinados conteúdos. E nós sabemos que essa parcela é mínima. Muitas pessoas então terminam rompendo com esse contrato social, perdendo toda a vergonha de exposição e de humilhação, e vendem sua imagem. É uma precarização do trabalho."

Para o psicólogo, vários motivos podem levar alguém a assistir a uma live NPC, desde a simples busca por entretenimento até a vontade de tirar onda de quem se expõe, ou de colocar o creator em posição de submissão, numa espécie de fetiche.

"É como se um tivesse poder sobre o outro, que vai realizar os comandos que o outro quer. E o outro vai se satisfazer com os comandos respondidos. É como se fosse uma relação em que o outro é um submisso e eu sou o poderoso", afirma.

Matias sugere uma preparação psicológica àqueles interessados em também fazer suas lives NPC. Ele também reforça a importância de se ter uma rede de apoio ciente dessa intenção, especialmente quando se trata de um menor de idade criando conteúdo.

"Ter o auxílio desses adultos é favorável porque, se algo acontecer, o jovem pode recorrer a eles e até pensar em questões judiciais para proteger sua imagem. Eu também pensaria sobre quais tipos de personagem escolher, dando preferência talvez a determinados personagens que possam minimizar um pouco as fantasias sexuais dos telespectadores", sugere.

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