'Parem de romantizar a adolescência dizendo que temos tudo, muitas vezes sentimos que não temos nada'

Jovem escreve carta aos adultos 'em nome de todos os adolescentes' para falar sobre cobranças e inadequação

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Isabella Fukumitsu Lobo

Tem 16 anos e é filha da psicóloga e suicidologista Karina Okajima Fukumitsu

São Paulo

Queridos responsáveis,

Estou escrevendo esta carta em nome de todos os adolescentes.

Adultos, vocês acham que a adolescência é realmente a melhor fase de nossas vidas? Muitos dizem isso, mas, afinal, se ser adolescente é tão bom, por que nós chegamos a um estado em que não sentimos mais vontade de fazer absolutamente nada?

Alguns nos chamam de "aborrecentes". O que seria esse termo? Este nome se dá por estarmos aborrecidos ou por aborrecermos a todos?

Eu, particularmente, não concordo com essa denominação. Na verdade, o que acontece é que estamos vivenciando uma fase de mudanças e de experimentar o novo. Ficamos irritados por não saber como lidar com certas situações, pois nem mesmo nossos pensamentos estão formados para aguentar e decidir tudo como se fôssemos adultos.

'Estamos cansados de tantas críticas', diz carta - Adobe Stock

Nunca sabemos se estamos certos, mas tentamos a todo custo não errar e conseguir dar orgulho aos nossos pais.

Mas existe mesmo uma escolha certa ou existem escolhas que fazemos por sermos influenciados pelas pessoas? Talvez em grande parte a influência dos pensamentos dos outros acabe influenciando os nossos, até porque as coisas que a sociedade impõe como certas muitas vezes conseguem modificar a nossa vida sem nem mesmo percebermos.

Nós, adolescentes, passamos por momentos difíceis de lidar. Muitas coisas mudam, como o nosso corpo e o jeito de nos posicionarmos diante do mundo e, com toda essa pressão e confusão, surgem em nossas mentes algumas incertezas sobre nossa orientação sexual, aprovação, inseguranças e comparações.

Além disso, muitas vezes não conseguimos expressar o que sentimos porque nem sabemos o que de fato acontece conosco.

Entendo que somos difíceis de lidar, mas somos assim porque temos medo de nos julgarem e não nos compreenderem. Com isso, começamos a nos fechar e acabamos encontrando alguns meios de escaparmos um pouco da realidade. E essas fugas podem ser tanto físicas quanto emocionais e, muitas vezes, não são sobre se destacar ou conseguir pertencer a algum grupo.

É tudo como se fosse uma verdadeira autossabotagem: começamos a criar o hábito de manter os sentimentos negativos conosco, então, quando estamos mal, procuramos algo que possa nos trazer um prazer instantâneo.

E, ao contrário do que muitos pensam, não envolve apenas ilícitos e automutilações; buscamos algo que possa servir como escape, até mesmo nossos hobbies se transformam em um jeito de fugir dos problemas.

Dizem que entramos em crise de identidade, e isso é verdade, entramos em uma situação complicada que pode até produzir ansiedade. E, com isso, vêm alguns sentimentos de culpa e acusação.

Por que nós somos assim? Como deixei isso acontecer? Como nos tornamos isso? Mas para quê tantas perguntas?

Estamos só tentando nos descobrir, buscamos explicações o tempo inteiro e acabamos percebendo que nem todas as perguntas têm respostas. Podem ter certeza de que esses pensamentos perseguem todos, não só os adolescentes, mas vocês também, adultos.

Tudo que estou falando pode parecer apenas um "draminha", mas, se fosse apenas isso, por que muitas vezes passamos do limite? A adolescência é a fase entre a criança que já conhecemos e o adulto que ainda desconhecemos e, por isso, é um momento tão confuso que vira literalmente uma montanha-russa de emoções.

Bom, o ponto a que eu queria chegar é que estamos cansados de críticas a todo instante para sermos uma pessoa "certa". Não estou dizendo para mudarem totalmente o modo de nos ensinarem, só peço, em nome de todos, que compreendam e respeitem o jeito de ser de cada um, até porque a infância de vocês deve ter sido totalmente diferente da que estamos presenciando atualmente.

Alguns assuntos já estão sendo normalizados em nossas conversas e, apesar de muitas vezes não conseguirmos ajudar a nós mesmos, tentamos consolar uns aos outros. Então, mesmo sendo apenas amigos, podemos nos considerar como uma grande família, porque tentamos fazer o que uma boa família deveria: dar afeto, entender e ajudar a quem necessita.

Parem de romantizar a adolescência dizendo que temos tudo, pois na verdade, muitas vezes sentimos que não temos nada. Ainda não temos a segurança e a confiança que vocês criaram ao longo do tempo, estamos em desenvolvimento. Tentando, acertando e errando.

Aliás, é totalmente errado dizer a uma adolescente que a adolescência é a "melhor fase da vida", pois ninguém sabe o que cada um passa, e, se a maioria dos problemas de saúde mental normalmente começa na adolescência, como vamos saber se isso realmente vai ou não acabar? E, principalmente, quando?

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