Autora de 'Malala' lança livro infantil inspirado em meninas afegãs reais

'Entre Sonhos e Dragões', de Adriana Carranca, conta história de jovens que questionaram regras de seu país

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São Paulo

Em 2015, a jornalista Adriana Carranca escreveu "Malala, a Menina que Queria Ir para a Escola" (Companhia das Letrinhas), um livro sobre a história de uma garota que nasceu e cresceu em uma zona rural na fronteira entre Afeganistão e Paquistão.

Agora, ela lança mais uma obra para crianças, desta vez inspirada na história de vida de três jovens que conheceu no Afeganistão. A autora conversou com a Folhinha sobre "Entre Sonhos e Dragões" (Companhia das Letrinhas, R$ 49,90, 40 páginas).

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Ilustração de N.N. para livro 'Entre Sonhos e Dragões', de Adriana Carranca - Divulgação

No começo da sua história, são sempre os meninos que resolvem as coisas complicadas e que têm acesso às coisas mais legais. Você acha que na vida real é assim também? Por quê?

No Afeganistão, as meninas ainda são criadas para se casar e ter filhos, enquanto os meninos têm o papel de proteger a família, o clã, a tribo. Nem sempre foi assim. No passado, esse país de beleza sem igual abrigou, aos pés das montanhas, tribos nômades vindas de todos os lados, transformando-se em um caldeirão de diversos povos e culturas.

Partes de seu território integraram as primeiras civilizações e, como conto no livro, sua história milenar está repleta de guerreiras hábeis, rainhas poderosas, princesas indomáveis, que não viviam à espera de um príncipe ou herói para salvá-las. Elas eram as heroínas! Então, chegaram tempos de guerra. Os meninos foram treinados e recrutados para lutar. As meninas foram aprisionadas em suas próprias casas e, mais tarde, proibidas de fazer quase tudo: estudar, cantar, dançar, passear, sorrir, opinar e até sonhar.

Mas não é só no Afeganistão que isso aconteceu. Você sabia que no Brasil, durante quase três séculos, as meninas não podiam ir para a escola? Aliás, por muito tempo nem havia escolas para as meninas. Elas também não podiam exercer a maioria das profissões, votar e fazer parte da política ou sequer praticar esportes.

Foram proibidas até de jogar futebol, e isso aconteceu há apenas algumas décadas. A lei só foi revogada em 1979. Ainda bem ou não teríamos Marta. Por muito tempo, as pessoas viam os estudos e o trabalho, as artes, os esportes e muitas outras coisas como "coisas de meninos". Essa percepção perdura até hoje em diferentes partes do mundo, embora não seja verdade, como nos mostra Meena, Shamsia e Sadaf, personagens do livro.

O livro tem uma reviravolta, que é quando as meninas decidem enfrentar os dragões elas mesmas. É uma atitude nova e corajosa. O que você acha que foi preciso para elas decidirem isso?

Conhecimento. Em outubro de 2001, os Estados Unidos ocuparam o Afeganistão e o governo do Talibã, grupo de extremistas religiosos que dominavam o país e proibiam as meninas de fazer quase tudo, foi deposto e elas puderam ir para a escola. Assim, aprenderam sobre a história milenar e sua rica tradição cultural. Também puderam conhecer as artes e praticar esportes.

Elas agarraram essas oportunidades, assumiram os riscos e enfrentaram todos os desafios para aprender mais e mais e para resgatar sua "watan" (terra natal) das ruínas.

No lugar que inspirou sua história, o Afeganistão, por que as meninas podem menos que os meninos?

Muitos atribuem a condição das meninas e mulheres afegãs à religião e ao extremismo religioso. Em parte, isso é verdade. Com o Talibã de volta ao poder, as afegãs foram novamente proibidas de fazer quase tudo e impedidas de participar ativamente da sociedade, porque sua visão fundamentalista entende que isso está no Alcorão, o livro sagrado do Islã.

Mas é também verdade que o Afeganistão sofreu sucessivas invasões motivadas por interesses políticos de outros países, como a antiga União Soviética, a Arábia Saudita e os Estados Unidos que mergulharam aquele território em guerras terríveis, destruíram tudo o que havia de seu passado grandioso e impediram o país de se desenvolver.

Quando viajo ao Afeganistão, tenho a sensação de viajar em uma máquina do tempo e voltar ao passado ao menos 2.000 anos.

Você conhece outros lugares do mundo que também são assim parecidos?

Em todo o mundo a discriminação contra a mulher e a desigualdade de gênero persistem em diferentes graus e por diferentes motivos.

O que você foi fazer no Afeganistão?

Sou jornalista e estive no Afeganistão como repórter para cobrir a guerra. Imaginei que encontraria no país apenas destruição e mortes. E me surpreendi ao encontrar também beleza, arte, música e a força feminina.

Não é de meninas como Sadaf, Shamsia e Meena que nos lembramos ao falar sobre o Afeganistão, e sim de mulheres sem rosto ou identidade, vagando sob burcas feito fantasmas. Mas essa não é a única narrativa possível sobre as meninas e mulheres afegãs.

Ao contrário disso, encontrei histórias resistência e luta, coragem e superação, esforço e talento, dedicação e conquistas, sonhos e realizações. Narrar o que enxergamos de fora, o que as esconde, o que não lhes é permitido ser ou fazer não apenas oferece uma visão limitada e incompleta da realidade como reforça a invisibilidade imposta a elas pelos fundamentalistas do Talibã.

É preciso ver e ouvir as meninas. Por isso, decidi escrever este livro, em que as meninas de todo o mundo estão representadas por Sadaf, Shamsia e Meena. Sua força, coragem e perseverança me emocionam e inspiram até hoje.

Você diz no livro que na guerra não há vencedores, porque todos acabam perdendo um pouco. O que você acha que precisa acontecer para que não existam mais guerras no mundo?

Nas guerras todos perdem e, mesmo quando acabam, nem sempre as histórias dos "vencedores" têm um final feliz. O que precisamos para mudar isso? Educação, no sentido mais amplo da palavra, e igualdade. Precisamos reconhecer o papel fundamental das meninas na sociedade, porque ao excluí-las um país abre mão de mais de metade de seu capital humano e perde como nação.

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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