Descrição de chapéu Rio de Janeiro

No Complexo da Maré, às vezes a violência não deixa crianças irem ao colégio

Livro 'Eu Devia Estar na Escola' mostra a experiência de quem tem a rotina interrompida por operações policiais

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São Paulo

Alguma vez você quis ir à escola e não pôde fazer isso por um motivo mais forte do que sua vontade? De repente por um problema em casa, na rua, no transporte. Pense um pouco, tente lembrar. O texto espera você voltar. Pensou?

Imagem do livro 'Eu Devia Estar na Escola', feita por criança moradora do Complexo da Maré - Divulgação

Imprevistos e incidentes acontecem na vida de todo mundo. É provável que você tenha pensado em algo assim: um motivo como o que muitas pessoas experimentam de vez em quando. Mas há algumas crianças brasileiras que, quando fazem esse exercício, se lembram de coisas bem diferentes as impedindo de chegar ao colégio.

Tipo algumas crianças de um bairro na zona norte do Rio de Janeiro onde fica o Complexo da Maré. A Maré, como é chamada pelos cariocas, é um aglomerado de favelas criado em 1994. Lá moram cerca de 140 mil pessoas, muitas delas ainda curtindo sua infância.

E, às vezes acontece de, lá na Maré, não dar para ir para a escola porque estão sendo feitas operações policiais. Na teoria, uma operação policial é uma ação planejada por uma força policial e que pode ter vários objetivos, como por exemplo apreender drogas ou armas, prender suspeitos ou desmanchar organizações criminosas.

"Aqui tem operação porque os bandidos roubam coisa, aí os policiais vão lá pra recuperar. Igual quando teve a operação porque os bandidos roubaram o carro de polícia", explica Caio, uma criança da Maré. "Mas, às vezes, eles vêm aqui, dão uma olhada, ou pegam a gente de surpresa. Ou a gente tá na escola e já começa o tiroteio", diz Angélica, também da Maré.

A Folhinha conversou com três meninas e dois meninos moradores do complexo. Eles têm entre 8 e 12 anos, e participaram da criação de um livro que acaba de ser lançado: "Eu Devia Estar na Escola", da Editora Caixote. A obra mostra um pouco do cotidiano de quem vive na Maré e, às vezes, por causa das operações policiais, não consegue ir à aula ou tem sua rotina interrompida de alguma maneira.

"Durante as operações policiais que acontecem aqui na Maré, me sinto mais seguro quando ainda é cedo e estou em casa, com minha família. Mas, quando começam mais tarde e já estou na aula, é melhor ficar lá. Vamos para o corredor. É para ficarmos longe da janela. A tia dá livros para a gente ler. Fico com medo da mãe se assustar e resolver me buscar. E se pega um tiro nela", diz um trecho do livro.

"Eu Devia Estar na Escola" começou a ser pensado em 2019, quando 1.512 cartas contavam às autoridades como é vivenciar essas operações policiais realizadas em algumas favelas da Maré. Os documentos pediam que o poder público não mudasse certas regras que poderiam tornar as operações mais violentas para a população.

Entre as cartas, havia desenhos com as coisas que as crianças gostam de pintar, como casinhas, o céu e o sol, flores. Mas também havia imagens de helicópteros atirando em pessoas, homens vestindo fardas causando medo em outros homens e mulheres, balas voando perdidas e outras coisas que podem ser bem assustadoras, especialmente quando ainda se é pequeno.

"O meu pai, ele é negro. E eu acho que os polícias têm muito preconceito. A minha irmã estava indo ver a minha avó e aí eles pediram pra revistar a bolsa dela toda. Falaram que minha irmã estava roubando, queriam levar ela pra delegacia. Nesse dia, eles ateram e botaram fogo lá dentro e botaram [gás de] pimenta. Minha mãe falou que ficou um cheiro muito ruim", contou Angélica à Folhinha.

No ano de 2019, foram realizadas 41 operações policiais nas favelas da Maré, que resultaram em 35 dias de escolas fechadas. Em 2023, foram 27 operações, com 15 dias de atividades suspensas nos colégios.

"Eu primeiro apresentaria as ruas, depois eu apresentaria os espaços públicos, a biblioteca, as escolas, a luta pela paz. Aí depois eu apresentaria a feirinha e as feiras de sábado, que é muito legal também. Eu também ia mostrar as lojas e as lanchonetes", disse Pedro, imaginando como seria mostrar a Maré a alguém que ainda não a conhece.

"A Maré é linda", resumiu Maria. "Maravilhosa", disse Alice. "Ao mesmo tempo chata, ao mesmo tempo legal", completou Angélica. E será que eles gostariam de ver mais alguma coisa diferente no complexo?

"Eu ia botar ar-condicionado nas escolas", respondeu Alice. "Eu também ia melhorar as escolas. E eu ia melhorar as comidas da escola também", sugeriu Maria. "Se eu fosse prefeita, eu ia colocar coxinha!".

* Os nomes das crianças foram trocados para preservar sua identidade

Eu Devia Estar na Escola

  • Preço R$ 64 (40 páginas)
  • Autoria Crianças moradoras da Maré
  • Editora Caixote

TODO MUNDO LÊ JUNTO

Texto com este selo é indicado para ser lido por responsáveis e educadores com a criança

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