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Nova fé
altera a rotina do fiel
O INDIVÍDUO SÓ ADERE A OUTRA RELIGIÃO QUANDO ELE
TRAZ UMA MUDANÇA IMPORTANTE PARA SUA VIDA COTIDIANA, REORDENANDO
NECESSIDADES AFETIVAS, SOCIAIS, FAMILIARES E CARÊNCIAS PESSOAIS
É difícil
imaginar que um católico possa, em diferentes períodos de
sua vida, deixar de perceber e se contaminar com as variações
que sua religião é capaz de lhe oferecer. Muitas histórias-de-vida
mostram como diferentes vertentes religiosas podem se sobressair em face
de diferentes momentos por que passa o indivíduo em sua trajetória,
momentos que se associam a aspectos positivos ou negativos da carreira
familiar e profissional, das condições de saúde,
das experiências afetivas, das referências de reconhecimento
social.
Os relatos apresentados mostram que escolhas religiosas dependem muito
de certos fatos da biografia de cada um, havendo momentos em que a religião
parece preencher certas lacunas deixadas pela própria trajetória
de vida, restabelecendo uma certa regularidade na vida cotidiana, interrompida
não somente por doenças, perdas e tragédias pessoais,
mas pelo próprio esgotamento de alguns ciclos vitais.
Mas, como de certo modo o demonstrou Maria Júlia Carozzi (5), a
conversão ou adesão religiosa é um processo complexo,
que envolve uma primeira aproximação com a nova religião
por motivo particular, e que acaba, quando acontece, envolvendo o novo
seguidor por meio dos mais diferentes ardis e estratagemas.
O converso não antecipa sua nova religiosidade: sua escolha é
sempre encaminhada em função de determinados aspectos da
religião, em geral pragmáticos. Com o tempo vão se
aprendendo as regras da religião e com elas as obrigações
e vantagens do seguidor.
Mudar de religião não significa apagar a religião
anterior. Tudo indica que cada mudança agrega uma nova identidade
religiosa, cujo sentido é completado na interação
com a identidade religiosa anterior, à qual se pode voltar definitiva
ou temporariamente.
Para pessoas carentes de educação formal, uma nova religião
pode significar um enriquecimento subjetivo, um ganho em repertório
de avaliação da própria vida, independentemente das
distorções que as novas concepções de mundo
possam acarretar. De todo modo, a religião anterior é sempre
uma marca importante que o converso costuma enfatizar quando pensa a respeito
de sua biografia. Diferentes escolhas sucessivas podem ser pensadas como
camadas, como etapas das quais o converso pode fazer uso para interpretar
sua sorte na vida.
A primeira conversão, talvez a mais difícil e dramática,
parece significar a descoberta dessas qualidades de suposto enriquecimento
subjetivo e às vezes de mudança objetiva das condições
de vida, descortinando-se para o consumidor religioso outras possibilidades,
outras crenças.
Religiões que nunca foram exclusivistas, por serem subalternas
_como a umbanda, o catimbó, o candomblé e, em menor grau,
o kardecismo_, têm representado para o católico, a religião
majoritária, um algo mais que se agrega à crença
anterior, mas que não a anula, de modo que espíritas e afro-brasileiros
continuam sendo católicos. Sua crença inicial não
é substituída nem rejeitada, mas ampliada por outras fontes,
que o dotariam de novos elementos de ajuda na luta pela sobrevivência.
Tal simultaneidade não se verifica quando a nova religião
nega a anterior, como as religiões evangélicas em sua contraposição
ao catolicismo, mas a camada religiosa anterior e a atual aparecem como
uma sequência na vida do converso em que a adesão à
outra religião significa para este crente uma mudança de
vida, assim como uma conquista, um avanço.
Na maioria dos casos, uma nova religião pode representar objetivamente
mais retrocesso que avanço na vida do converso, submetendo-o a
crenças que o afastam das fontes de conhecimento universal, embotando
sua consciência e fazendo-o aceitar a necessidade de espoliação
pública de sua intimidade, sem contar novos compromissos financeiros
que não raro é obrigado a assumir, desenhando-se um conjunto
de resultados que pode reunir mais perdas do que ganhos. Mas o converso
não se dá conta disso.
O converso só adere à religião quando ela traz alguma
mudança importante para sua vida cotidiana, reordenando necessidades
afetivas, sociais, familiares, carências interiores e muitas outras
coisas que estão longe de se caracterizarem como motivações
religiosas. O modo como a religião interfere na vida do novo crente
responde pela concretização da adesão. Por isso toda
a religião quer demonstrar que é capaz de oferecer uma nova
vida, plena de realizações, desenvolvendo quase todas elas
ritos de batismo e renascimento, acompanhados de exorcismo e outras práticas
de negação da crença anterior.
Mesmo quem entra para uma religião por motivo pouco religioso,
como acompanhar um parente, resolver uma pendência ou encontrar
uma cura logo é compelido pela religião a descobrir profundas
motivações interiores de natureza existencial, de modo que
possa ser convencido de que uma força sobrenatural orienta sua
inclusão num grupo que ele não escolhe, mas é escolhido.
A favor do converso de hoje joga a possibilidade de que ele pode abandonar
a religião a qualquer momento, embora cada versão religiosa
esteja convencida, e procure convencer, de que ela é a única
verdade, muitas delas ameaçando com a perdição, o
castigo e o caos os que dela se desviam.
Para aprisionar os que chegam apenas em busca de pequenos favores, a religião
do converso terá que oferecer muitas vantagens, algumas facilidades
e, no mínimo, alguma nova maneira de o indivíduo ver-se
a si mesmo e à sua condição de vida, num mundo em
permanente transformação. Para isso a religião também
tem que mudar, diversificando suas formas e expandindo suas ofertas.
Reginaldo Prandi, 53, é professor titular de socieologia da
Universidade de São Paulo e autor de "Os Candomblés
de São Paulo" (Hucitec, 1991), "Herdeiras do Axé"
(Hucitec, 1996), "Um Sopro do Espírito: Reação
Conservadora do catolicismo Carismático" (Edusp e Fapesp,
1997) e, em co-autoria com Antonio Flávio Pierucci, "A Realidade
Social das Religiões no Brasil" (Hucitec, 1996)
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