São Paulo, domingo, 26 de dezembro de 1999




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Islã rompe a fronteira do mundo árabe

RELIGIÃO QUE MAIS CRESCE NO MUNDO, INCLUSIVE EM PAÍSES COMO A FRANÇA E OS EUA, NÃO PARECE TER A INFLEXIBILIDADE QUE MUITOS LHE ATRIBUEM E COMEÇA A SE INTEGRAR EM ESTADOS DE MAIORIA CRISTÃ

da Redação

O islamismo, surgido na Península Arábica, ultrapassou as fronteiras árabes há muito tempo. Os maiores países islâmicos não são árabes: Indonésia, Paquistão e Bangladesh. E a Índia, majoritariamente hindu, tem ao menos 100 milhões de muçulmanos.
A religião islâmica, com cerca de 1,3 bilhão de adeptos, é a que mais cresce no mundo e em países como EUA (ao menos 6 milhões) e França (5 milhões).
Para o filósofo palestino Edward Said, o conceito de “Islã define uma proporção relativamente pequena do que realmente acontece no mundo islâmico, que inclui 1 bilhão de pessoas e dezenas de países, sociedades, tradições e línguas”. Said afirma que muitos orientalistas “insistem em que o Islã regula as sociedades islâmicas de cima a baixo. Isso é generalização inaceitável do tipo mais irresponsável e nunca poderia ser usado para outro grupo religioso, cultural ou demográfico”.
Nos EUA, o Pentágono já permite aos soldados jejuar no Ramadã (mês sagrado do islamismo, em vigor atualmente), libera os praticantes para rezar as cinco orações diárias e põe à disposição alimentos em concordância com os preceitos muçulmanos.
Organizações islâmicas como a American Muslims for Jerusalem (AMJ, Muçulmanos Americanos por Jerusalém), baseada em Wa- shington, intensificam a atuação política. O fechamento de uma franquia da rede de fast food Burger King num assentamento judaico na Cisjordânia, que endossaria “a ocupação de terras árabes”, veio após ameaças de boicote de dez organizações árabes e islâmicas, entre elas a AMJ.
Na Europa, a maioria das conferências islâmicas e discursos nas mesquitas é realizada na língua local, para evitar o isolamento.
A Turquia pode ser o primeiro Estado de maioria islâmica a ingressar na União Européia _sua candidatura foi aceita no início do mês. Mas ela terá de melhorar sua política de direitos humanos, em especial com os curdos (maior grupo étnico sem Estado do mundo) e chegar a um entendimento com a Grécia, que faz parte da UE, sobre disputa territorial.
“A Turquia se esforça para vender a imagem de uma nação moderna. Praias de nudismo, discotecas, tudo isso ocupa um lugar secundário e culturalmente falsificado. Sua herança própria, com arquitetura e culinária, e seu passado ainda têm uma posição central”, afirma Akbar S. Ahmed, autor de “Vivendo o Islamismo de Samarcanda a Stornoway”.
A prioridade na relação com a Europa e a negação parcial da herança islâmica faziam parte do projeto de Mustafa Atatürk (pai dos turcos, em turco), fundador da República da Turquia, em 23.
Políticos de extração religiosa viram sua influência crescer nos últimos anos, mas têm se deparado com a oposição laica, liderada pelos militares. Em maio de 1996, um governo liderado por um político islâmico, Necmettin Erbakan, assumiu o poder. A Corte Constitucional da Turquia ordenou a dissolução de seu partido, o Refah (bem-estar, em turco), por “atentado à laicidade do Estado”.

HETERODOXOS VERSUS EXTREMISTAS
“A religião é algo particular, uma parte essencial de minha herança”, diz o kosovar de etnia albanesa Adem, 35, com um copo de aguardente na mão (o islamismo proíbe o consumo de álcool).
Nascido em Kosovo, onde 90% da população é muçulmana, ele não reza cinco vezes por dia, embora afirme respeitar o Ramadã. A observância religiosa é mais forte no campo e entre idosos.
“Em países-chave como Egito, Iraque, Síria ou Argélia, não há nada na sociedade, na economia, na política, na cultura ou na lei que seja definido segundo princípios islâmicos, em conformidade com a sharia (lei islâmica), ou que funcione de acordo com a doutrina e os ensinamentos teológicos. Além do campo do estatuto pessoal e da lei individual, o papel do Islã regrediu, incontestavelmente, até a periferia da vida pública”, afirma o professor de filosofia damasceno Sadik Jalal al Azm.
Enquanto diversos países islâmicos adotaram novos meios de comunicação, o grupo Taleban, baseado numa interpretação anômala do Islã, proibiu o rádio e a televisão no Afeganistão.
O Taleban (estudantes, na língua pushtu) controla 90% do território afegão e é reconhecido apenas por Arábia Saudita e Paquistão, principalmente por causa do apoio aos insurgentes na área da Caxemira sob controle indiano. Formado por pushtus, o grupo combate as minorias étnicas do norte _tadjiques, uzbeques, hazaras e turcomenos (vindas dos países fronteiriços).
Sob o jugo do Taleban, que patrocina execuções em praça pública, apedrejamentos e amputações, as mulheres perderam os direitos civis e quase não têm acesso a atendimento médico público.
No Kuait, após a Guerra do Golfo, convivem jovens americanizados, que procuram vestir-se, falar e agir como norte-americanos, com religiosos. Enquanto o primeiro grupo considera a música norte-americana a única digna de consumo, parte do segundo rejeita qualquer tipo de música, pois acredita que ela dispersa a atenção do crente e o desvia de Deus.
Na Arábia, as lojas fecham, por lei, durante o horário da oração muçulmana. As restrições ao papel social da mulher são intensas. No início deste mês, o príncipe saudita Al Ualid Bin Talal disse que elas deveriam ter o direito de dirigir, votar e participar da vida política, o que atualmente não acontece. “O Islã nunca se opôs à participação das mulheres na vida política, econômica e social.”

SUNITAS E XIITAS FORMAM PRINCIPAIS GRUPOS
A principal diferença entre os muçulmanos sunitas e os muçulmanos xiitas diz respeito à linha sucessória estabelecida após a morte do profeta Muhammad (632), fundador do islamismo.
Muhammad não havia determinado de maneira explícita quem seria seu sucessor. Os califas (sucessor, em árabe) que o substituíram, chamados de “rachidun” (bem-guiados, em árabe), foram Abu Bakr, Omar ibn al Khattab, Uthman e Ali bin Abi Taleb.
Os sunitas aceitaram essa sucessão e seguem a “sunnat annabi” (tradição do profeta). Arábia Saudita, Indonésia, Síria e Egito são países com maioria sunita.
Os xiitas (de “shiaat Ali”, partido de Ali) acreditam que Ali devia ter sido o primeiro califa. Para eles, a linhagem sucessória devia ser formada por descendentes do profeta _Ali era primo e genro (casado com Fátima) de Maomé. O xiismo é o ramo do islamismo majoritário no Irã e no Bahrein.
Para a professora dos EUA Tamara Sonn, especialista em islamismo, a visão homogênea da concepção de mundo islâmica defendida, por exemplo, por Samuel Huntington (autor de “O Choque de Civilizações”), “não é apenas controversa com muçulmanos. Muitas pessoas na América do Norte e na Europa acham problemático que alguém na Universidade Harvard classifique todos os valores deles como uma coisa só”. (PAULO DANIEL FARAH)


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