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Islã rompe
a fronteira do mundo árabe
RELIGIÃO QUE MAIS CRESCE NO MUNDO, INCLUSIVE EM PAÍSES
COMO A FRANÇA E OS EUA, NÃO PARECE TER A INFLEXIBILIDADE
QUE MUITOS LHE ATRIBUEM E COMEÇA A SE INTEGRAR EM ESTADOS DE MAIORIA
CRISTÃ
da Redação
O islamismo, surgido
na Península Arábica, ultrapassou as fronteiras árabes
há muito tempo. Os maiores países islâmicos não
são árabes: Indonésia, Paquistão e Bangladesh.
E a Índia, majoritariamente hindu, tem ao menos 100 milhões
de muçulmanos.
A religião islâmica, com cerca de 1,3 bilhão de adeptos,
é a que mais cresce no mundo e em países como EUA (ao menos
6 milhões) e França (5 milhões).
Para o filósofo palestino Edward Said, o conceito de Islã
define uma proporção relativamente pequena do que realmente
acontece no mundo islâmico, que inclui 1 bilhão de pessoas
e dezenas de países, sociedades, tradições e línguas.
Said afirma que muitos orientalistas insistem em que o Islã
regula as sociedades islâmicas de cima a baixo. Isso é generalização
inaceitável do tipo mais irresponsável e nunca poderia ser
usado para outro grupo religioso, cultural ou demográfico.
Nos EUA, o Pentágono já permite aos soldados jejuar no Ramadã
(mês sagrado do islamismo, em vigor atualmente), libera os praticantes
para rezar as cinco orações diárias e põe
à disposição alimentos em concordância com
os preceitos muçulmanos.
Organizações islâmicas como a American Muslims for
Jerusalem (AMJ, Muçulmanos Americanos por Jerusalém), baseada
em Wa- shington, intensificam a atuação política.
O fechamento de uma franquia da rede de fast food Burger King num assentamento
judaico na Cisjordânia, que endossaria a ocupação
de terras árabes, veio após ameaças de boicote
de dez organizações árabes e islâmicas, entre
elas a AMJ.
Na Europa, a maioria das conferências islâmicas e discursos
nas mesquitas é realizada na língua local, para evitar o
isolamento.
A Turquia pode ser o primeiro Estado de maioria islâmica a ingressar
na União Européia _sua candidatura foi aceita no início
do mês. Mas ela terá de melhorar sua política de direitos
humanos, em especial com os curdos (maior grupo étnico sem Estado
do mundo) e chegar a um entendimento com a Grécia, que faz parte
da UE, sobre disputa territorial.
A Turquia se esforça para vender a imagem de uma nação
moderna. Praias de nudismo, discotecas, tudo isso ocupa um lugar secundário
e culturalmente falsificado. Sua herança própria, com arquitetura
e culinária, e seu passado ainda têm uma posição
central, afirma Akbar S. Ahmed, autor de Vivendo o Islamismo
de Samarcanda a Stornoway.
A prioridade na relação com a Europa e a negação
parcial da herança islâmica faziam parte do projeto de Mustafa
Atatürk (pai dos turcos, em turco), fundador da República
da Turquia, em 23.
Políticos de extração religiosa viram sua influência
crescer nos últimos anos, mas têm se deparado com a oposição
laica, liderada pelos militares. Em maio de 1996, um governo liderado
por um político islâmico, Necmettin Erbakan, assumiu o poder.
A Corte Constitucional da Turquia ordenou a dissolução de
seu partido, o Refah (bem-estar, em turco), por atentado à
laicidade do Estado.
HETERODOXOS VERSUS EXTREMISTAS
A religião é algo particular, uma parte essencial
de minha herança, diz o kosovar de etnia albanesa Adem, 35,
com um copo de aguardente na mão (o islamismo proíbe o consumo
de álcool).
Nascido em Kosovo, onde 90% da população é muçulmana,
ele não reza cinco vezes por dia, embora afirme respeitar o Ramadã.
A observância religiosa é mais forte no campo e entre idosos.
Em países-chave como Egito, Iraque, Síria ou Argélia,
não há nada na sociedade, na economia, na política,
na cultura ou na lei que seja definido segundo princípios islâmicos,
em conformidade com a sharia (lei islâmica), ou que funcione de
acordo com a doutrina e os ensinamentos teológicos. Além
do campo do estatuto pessoal e da lei individual, o papel do Islã
regrediu, incontestavelmente, até a periferia da vida pública,
afirma o professor de filosofia damasceno Sadik Jalal al Azm.
Enquanto diversos países islâmicos adotaram novos meios de
comunicação, o grupo Taleban, baseado numa interpretação
anômala do Islã, proibiu o rádio e a televisão
no Afeganistão.
O Taleban (estudantes, na língua pushtu) controla 90% do território
afegão e é reconhecido apenas por Arábia Saudita
e Paquistão, principalmente por causa do apoio aos insurgentes
na área da Caxemira sob controle indiano. Formado por pushtus,
o grupo combate as minorias étnicas do norte _tadjiques, uzbeques,
hazaras e turcomenos (vindas dos países fronteiriços).
Sob o jugo do Taleban, que patrocina execuções em praça
pública, apedrejamentos e amputações, as mulheres
perderam os direitos civis e quase não têm acesso a atendimento
médico público.
No Kuait, após a Guerra do Golfo, convivem jovens americanizados,
que procuram vestir-se, falar e agir como norte-americanos, com religiosos.
Enquanto o primeiro grupo considera a música norte-americana a
única digna de consumo, parte do segundo rejeita qualquer tipo
de música, pois acredita que ela dispersa a atenção
do crente e o desvia de Deus.
Na Arábia, as lojas fecham, por lei, durante o horário da
oração muçulmana. As restrições ao
papel social da mulher são intensas. No início deste mês,
o príncipe saudita Al Ualid Bin Talal disse que elas deveriam ter
o direito de dirigir, votar e participar da vida política, o que
atualmente não acontece. O Islã nunca se opôs
à participação das mulheres na vida política,
econômica e social.
SUNITAS E XIITAS FORMAM PRINCIPAIS GRUPOS
A principal diferença entre os muçulmanos sunitas e os muçulmanos
xiitas diz respeito à linha sucessória estabelecida após
a morte do profeta Muhammad (632), fundador do islamismo.
Muhammad não havia determinado de maneira explícita quem
seria seu sucessor. Os califas (sucessor, em árabe) que o substituíram,
chamados de rachidun (bem-guiados, em árabe), foram
Abu Bakr, Omar ibn al Khattab, Uthman e Ali bin Abi Taleb.
Os sunitas aceitaram essa sucessão e seguem a sunnat annabi
(tradição do profeta). Arábia Saudita, Indonésia,
Síria e Egito são países com maioria sunita.
Os xiitas (de shiaat Ali, partido de Ali) acreditam que Ali
devia ter sido o primeiro califa. Para eles, a linhagem sucessória
devia ser formada por descendentes do profeta _Ali era primo e genro (casado
com Fátima) de Maomé. O xiismo é o ramo do islamismo
majoritário no Irã e no Bahrein.
Para a professora dos EUA Tamara Sonn, especialista em islamismo, a visão
homogênea da concepção de mundo islâmica defendida,
por exemplo, por Samuel Huntington (autor de O Choque de Civilizações),
não é apenas controversa com muçulmanos. Muitas
pessoas na América do Norte e na Europa acham problemático
que alguém na Universidade Harvard classifique todos os valores
deles como uma coisa só. (PAULO DANIEL FARAH)
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