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24/03/2012 - 08h17

Mostra do artista Alberto Giacometti na Pinacoteca foca vazios

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SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO

Giacometti foi um crânio e uma língua. Em duas obras que chamou de autorretrato, o artista desenhou seu rosto deixando ver por baixo a estrutura óssea comum a todas as faces e esculpiu uma língua da altura de um homem.

"Eu tinha a impressão de que ela era parecida comigo", escreveu o suíço Alberto Giacometti sobre uma de suas primeiras peças. "Era decepcionante ver a forma que eu tinha conseguido dominar acabar reduzida a tão pouco."

Decepção, ou melhor, perda é uma sensação que parece sempre atrelada à obra desse artista morto aos 64 anos em 1966. Ele agora é tema de uma das maiores mostras do ano, que abre hoje na Pinacoteca do Estado.

Giacometti é o homem por trás das figuras esguias, fiapos de forma humana que parecem brotar de massas sólidas e se esticar, frágeis, rumo a um firmamento incerto.

Zé Carlos Barretta/Folhapress
Exposição do escultor suíço Alberto Giacometti, a maior retrospetiva do modernista, com cerca de 280 obras
Exposição do escultor suíço Alberto Giacometti, a maior retrospetiva do modernista, com cerca de 280 obras

Ele entrou para a história da arte como um escultor de rudes arquétipos humanos, homens que são ao mesmo tempo todos os homens, acúmulos de visões.

"Ele junta todas as caras que vê numa só", descreve Véronique Wiesinger, curadora da mostra. "São visões construídas a partir de vários momentos, de rostos que desfilam pela memória dele."

Entre eles, estava o existencialista Jean-Paul Sartre, que descreveu as esculturas de Giacometti como retratos de todos os homens. Sua filosofia também influenciou o escultor a trabalhar de forma obsessiva a figura humana --rostos, homens e mulheres.

Uma dessas mulheres foi sua amante Isabel Lambert, que também posou para Francis Bacon. Mas, na escultura de Giacometti, ela não passa de uma lasca de gesso, menor que um dedo mínimo.

"Ela acabou sendo o protótipo de todas as outras mulheres que ele esculpiu", diz Wiesinger. "A pose é neutra, o rosto não tem expressão."

Esse minimalismo contrasta com as dimensões superlativas que a obra de Giacometti atingiu no mercado. Uma de suas esculturas foi vendida há dois anos por cerca de R$ 187 milhões.
Na mostra paulistana, suas obras estão asseguradas em mais de R$ 720 milhões e precisaram até de escoltas armadas nos deslocamentos.

Mesmo que pareçam isoladas, as figuras de Alberto Giacometti não se dissociam do espaço ao redor delas, levando os olhos a percorrer os vazios com a mesma vontade de encarar as esculturas sólidas.

Nos dois livros que saem agora sobre sua obra, os autores Véronique Wiesinger, curadora de sua mostra na Pinacoteca, e David Sylvester, um dos maiores estudiosos do artista, analisam o tratamento do espaço no entorno das figuras como essencial na construção das peças.

"Entre massa e espaço há uma interpenetração", escreveu Sylvester no livro "Um Olhar Sobre Giacometti" (ed. Cosac Naify, R$ 46, 272 págs.). "Há uma espécie de centro e, fora deste, uma sugestão de massa que se dissolve."

Ele fala em "aura atmosférica" de figuras que parecem se expandir e se contrair como um pulmão, obras de um "magnetismo invertido que persuade os olhos a não se fixarem, mas a passearem por cima e ao redor das peças".

"Ele esculpe também o espaço que está no entorno, quase de modo bárbaro, inacabado", diz Wiesinger, que assina o catálogo "Giacometti" (ed. Cosac Naify, R$ 120, 368 págs.). "Existe essa busca por uma realidade além da forma, a tentativa de criar uma arte que fosse viva."

Zé Carlos Barretta/Folhapress
Montagem da exposicao de Alberto Giacometti na Pinacoteca de São Paulo
Montagem da exposicao de Alberto Giacometti na Pinacoteca de São Paulo

Na obra dos dois autores, essa busca obsessiva pela representação do espaço na escultura de Giacometti é atribuída a sua relação com as pinturas do francês Paul Cézanne (1839-1906).

Tanto em Cézanne quanto em Giacometti, existe uma indefinição dos contornos que separam as formas dos espaços que elas ocupam, uma fusão intencional dos planos. Também há na obra dos dois a busca por uma equivalência entre homem e natureza.

Enquanto o pós-impressionista francês esquadrinhou o mundo em formas geométricas, Giacometti esculpiu seus conjuntos de homens e mulheres esguios como se fossem clareiras e florestas.

Seus bustos lembram rochedos e montes grotescos que culminam na forma rude de rostos quase anônimos, sem expressão nem dono.

Numa aproximação maior com a pintura, ele privilegia a visão frontal das peças, criando esculturas quase inacabadas, em que a parte de trás permanece bruta.

Nesse ponto, uma de suas esculturas, uma chapa plana com um relevo que lembra uma cabeça, também se aproxima da pintura, como se fosse um quadro bidimensional.

Giacometti parecia perseguir mesmo essa ambivalência entre a pintura e a escultura, centrando esforços numa representação pura.

"Tudo que eu conseguir fazer será uma pálida imagem do que vejo", escreveu o artista. "Meu sucesso será sempre menor que meu fracasso ou talvez igual a meu fracasso."

ALBERTO GIACOMETTI
QUANDO mostra abre hoje, às 11h; ter. a dom., 10h às 18h; até 17/6
ONDE Pinacoteca (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/3324-1000)
QUANTO R$ 6 (grátis aos sábados)

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