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Artes Cênicas

'DesolaDor' retrata Artaud e aproxima loucura da arte

Solo de Clovys Torres tem direção e dramaturgia de Gabriela Mellão

amilton de azevedo
São Paulo

DesolaDor

  • Quando sex., às 21h30, sáb. e seg., às 21h, dom., às 19h; até 19/3
  • Onde SP Escola de Teatro, pça Roosevelt, 210, tel. (11) 3775-8600
  • Preço R$ 20 a R$ 40
  • Classificação 14 anos

Conforme afirma Florence de Mèredieu em "Eis Antonin Artaud" --biografia do artista francês que é inegavelmente uma das figuras centrais do teatro do século 20--, "recusar a loucura de Artaud seria negar e recusar o que ele foi em essência".

Clovys Torres em 'DesolaDor' - Lenise Pinheiro/Folhapress

"DesolaDor", solo protagonizado por Clovys Torres, com direção e dramaturgia --escrita a pedido do ator-- de Gabriela Mellão, busca construir um Artaud em decomposição em seu período mais fragilizado. De 1937 a 1946, passa por diversos asilos psiquiátricos até chegar ao manicômio de Rodez.

Lá, enquanto enfrenta sessões de eletrochoque, produz cartas e textos pessoais, em que reflete não só sobre sua condição individual, mas sobre a relação da sociedade com a condição humana.

Lucidez e loucura se apresentam em constante fricção. Ao estabelecer uma relação narrativa dentro da apresentação daquele homem, "DesolaDor" escolhe construir um Artaud de forma pouco artaudiana, por assim dizer.

Não se trata de uma obra que busca, por exemplo, a "perturbação dos sentidos" tão almejada pelo autor. Certa agressividade na relação com o público aparenta ser recurso de identificação do espectador com a fragilidade e o sofrimento.

O olhar de Torres --em interpretação engajada, que por vezes parece trazer uma força excessiva-- fixado em direção à plateia gera desconforto. E, para materializar a potência do eletrochoque, fortes luzes assustam e quase cegam o público. São escolhas interessantes --que não se consolidam enquanto linguagem. Nesse sentido, a impressão é a de que há certo excesso de didatismo.

A obra busca equilibrar o universo do que é quase ininteligível do pensamento artaudiano, sua força pulsional, e a apreensão e discussão racional acerca das relações entre loucura e criação.

No texto, as ideias de Artaud se apresentam de forma cristalina, e a repetição de certos trechos permite abrir novas leituras de acordo com o registro de interpretação utilizado por Torres.

A fricção entre corpo e pensamento sustenta a encenação. É difícil localizar um momento em que não haja certo desencontro --quando o corpo está altivo, o pensamento aparece desorganizado e vice-versa.

Torres dialoga com a ideia de representação dentro da ideia do "duplo", tão articulada pelo artista francês.

"DesolaDor" aproxima a loucura da arte em torno de uma característica comum: o desvio da norma social. Apresenta dor, suplício e angústia pertencentes aos que estão à margem da sociedade.

Para quem não sabe quem foi Artaud, a loucura pode parecer recurso dramatúrgico para explorar este campo. Porém, mais do que apresentar um arauto que traz verdades não ditas, a peça busca tensionar reflexões individuais de alguém que foi gênio e louco.

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