Descrição de chapéu

Gucci povoa passarela de Milão com seres pós-humanos

Alessandro Michele pontuou desfile em hospital com alusões a vestimentas religiosas e a acessórios tradicionais

Milão

Gucci

Grife mais cultuada entre jovens fashionistas abastados, a Gucci não é fácil de entender à primeira vista. Seus fãs buscam um tipo de roupa que não se encaixe no senso comum de beleza e pareça saída de um passado mofado para vestir um ser de um futuro longínquo. Ser que agora tem nome: pós-humano.

A criatura apresentada pelo estilista Alessandro Michele nesta quarta (21), na semana de moda de Milão, é um ciborgue, "um organismo cibernético", híbrido da "criatura de realidade social e a criatura de ficção", segundo descreve o "Manifesto Ciborgue", de Donna Haraway (1985), cujas ideias serviram de base para essa coleção de outono-inverno 2018-2019.

No processo de transmutar palavras em roupas, o designer usa o poder da grife vinculada ao luxo para legitimar o que parece anômalo ao olhar normatizado por determinadas culturas.

Modelos de véu bordado, como um chador muçulmano reconstruído, e outras com vestidos que aludem ao hábito das freiras remetem aos vários signos religiosos que esse novo humano, incrédulo, ainda guarda como relíquias visuais do seu passado.

Montada em um galpão transformado em hospital com macas vazias onde, imagina-se, esses novos humanos são confeccionados, a passarela de Michele exalta a anarquia, a repulsa ao poder disciplinatório de governos e cartilhas de conduta.

Há uma mescla de imagens vinculadas a tradições, tema caro ao estilista, como os acessórios de correntes usados por mulheres da antiga União Soviética e nas balaclavas, essas estampadas com desenhos similares aos usados nas máscaras de luta livre mexicana.

Passeando entre os looks, o símbolo do time de beisebol New York Yankees servia como mensagem do poder da sociedade americana.

SOBRAS DO APOCALIPSE

Ovacionada, a coleção trata de uma fantasia distópica, um mundo pós-apocalíptico comparável ao que o belga Raf Simons, outro guru da moda contemporânea, fez em Nova York na Calvin Klein.

Mas, enquanto Simons versa sobre a roupa da destruição, à prova de fogo e bomba, Michele imagina um outro universo, pluralista, reconstruído com os pedaços e as sobras do apocalipse.

Os modelos caminhavam apáticos em ambiente estéril, segurando réplicas de suas cabeças e bichinhos de estimação selvagens, como dragões e cobras, dois símbolos pop do legado de Alessandro Michele na Gucci.

O poder de destruição do estilista, que distibruiu convites em forma de bombas-relógio, foi fazer da marca a que mais cresceu no mercado de luxo no ano passado.

Sua fórmula, difícil de ser reproduzida pelo perigo de descambar na feiura sem propósito, é conseguir desmembrar ideias absurdas em várias peças. Se conectadas elas não fazem sentido ou causam ojeriza, desmembradas se revelam produtos com alto potencial de venda —o que, no final do dia, paga a conta de tanta elucubração.

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