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Artes Cênicas teatro

'País Clandestino' vê a história recente a partir de perspectiva estreita

Apesar de abordar necessidade de resistir contra o obscurantismo, espetáculo tem estrutura que celebra lógica social da atualidade

Espetáculo ‘País Clandestino’, de Maëlle Poesy, Jorge Eiro, Lucía Miranda, Pedro Granato e Florencia Lindner
Espetáculo ‘País Clandestino’, de Maëlle Poesy, Jorge Eiro, Lucía Miranda, Pedro Granato e Florencia Lindner - Ariane Cuminale/Divulgação
Paulo Bio Toledo
São Paulo

PAÍS CLANDESTINO

  • Quando dom. (11), às 18h
  • Onde Teatro Cacilda Becker, r. Tito, 295, tel. (11) 3864-4513
  • Preço R$ 30
  • Classificação 14 anos

“País Clandestino” apresenta o sentimento de mundo de uma geração. Seus criadores são cinco artistas de cinco nacionalidades diferentes, oriundos de certa classe média esclarecida e nascidos na década de 1980.

Embora herdeiros de um ciclo de barbárie mundial, após guerras, genocídios e ditaduras sanguinárias, são pessoas nascidas num tempo de reorganização do campo humanista e na fé civilizatória que atravessou o mundo ocidental nas últimas décadas do século 20. 

Mas, de acordo com o espetáculo, é uma geração estrangeira no mundo em que se encontra, que não se sente totalmente parte das lutas do passado ao mesmo tempo em que quer resistir ao futuro regressivo e obscuro que se afigura. É a partir desta sensação de desajuste que “País clandestino” se organiza.

Todo o espetáculo é uma espécie de depoimento perpétuo: cada artista tenta articular no palco sua própria sensação diante da história através de narrativas autobiográficas, relatos pessoais, memórias familiares. Quando falam, por exemplo, das manifestações políticas em que tomaram parte nos últimos anos, não são os protestos ou o seu contexto que são debatidos, mas a sensação individual de participar daquilo. O que importa para a peça é a experiência do sujeito e não o desenrolar histórico –este fica, por sinal, refém de análises estreitas e superficiais.

Os artistas ali são, enfim, os criadores e também o objeto e o assunto do espetáculo. Colocam em cena inclusive os fragmentos do processo criativo que durou cerca de quatro anos, como mensagens trocadas, simulação das discussões que tiveram, etc.

Mas esta perspectiva da forma, embora busque uma abertura mais autêntica da questão, na verdade apenas reitera o impasse geracional daqueles artistas. Vivemos, afinal, numa sociedade cada vez mais marcada pela ênfase no ponto de vista individual, na ideologia da autoconstrução, na liquidação da história em favor do exame de subjetividades, no descarte da razão crítica e na fragmentação da vida social. Justamente tudo aquilo que está incrustado direta ou indiretamente na estrutura formal de “País Clandestino”.

Embora os artistas falem sobre a vontade de lutar e de resistir ao obscurantismo do tempo, a estrutura do espetáculo celebra e homologa a lógica social da atualidade.

Tudo isso na peça ainda se junta com uma tentativa de forjar certa imagem universal sobre esta geração. As diferenças locais de cada um dos cinco artistas estão ali apenas para decantar um denominador comum entre eles, uma espécie de humanidade que transcenderia fronteiras. É algo que parece animar as mostras e festivais internacionais no Brasil sempre em busca deste tipo de “estética universal”. Em tempos estranhos, não deixa de ser uma espécie de ilusão compensatória em torno da arte.

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