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'Quarto Camarim' aborda aceitação travesti e dramas familiares

Filme estreia nesta segunda (30) em São Paulo

Salvador

Pensado inicialmente para ser um curta-metragem de até 25 minutos, o filme “Quarto Camarim” espichou durante a montagem. Os diretores —o casal baiano Camele Queiroz e Fabricio Ramos— acrescentaram 76 minutos na produção e, no corte final, cravaram o primeiro longa da carreira. Desde 2010, haviam produzido juntos cinco curtas de temáticas diversas.

O documentário conta a reaproximação de Camele, 36, com seu tio Roniel. Eles não se viam há 27 anos. Roniel deixou Feira de Santana (BA) e passou a viver como Luma Kalil em São Paulo, onde se estabeleceu como dona de um salão de beleza e performer na noite.

Em longos planos-sequência, o filme se preocupa em mostrar desde o primeiro contato entre as duas por telefone até a negociação (que envolve dinheiro) para convencer a tia, então resistente, a gravar o longa.

Cena de “Quarto Camarim”, que estreia nesta segunda (30) em São Paulo
Cena de “Quarto Camarim”, que estreia nesta segunda (30) em São Paulo - Divulgação

Ao passo que se desenrola na tela, as filmagens expõem também os bastidores da produção como parte fundamental da narrativa. São diálogos sobre posicionamento de câmera, erros de gravação e caracteres soltos para inserção de imagens na edição final.

O filme e o making-of coexistem, ambos crus. É assim que o espectador descobre as contradições, a angústia pela aceitação, o orgulho, o medo e, principalmente, a força de Luma.

“Você não sabe a força que tem um homem que botou peito”, diz a travesti, em um dos momentos de maior emoção na história. Em outra cena igualmente forte, Luma dubla a canção “Forever”, de Mariah Carey, sem que a produção esconda o “truque” de edição do cinema.

“Queríamos passar com muita honestidade como se estabeleceram as relações do filme, inclusive a negociação para gravar. É um filme muito sincero, verdadeiro nessas questões todas”, diz Camele.  

O documentário foi exibido na última terça-feira (27) no cinema de arte da Universidade Federal da Bahia, em Salvador. A estreia em São Paulo será nesta segunda (30), às 20h30, no CineSesc.

Na fase de elaboração, o roteiro foi inscrito no projeto Rumos, do Itaú Cultural, e recebeu incentivo de R$ 160 mil para produção.

“Essa era a verba para fazer um curta, mas terminamos com tanto material que decidimos partir para um filme maior, mesmo tendo nos comprometido a não aumentar o valor do incentivo. 

Cena do filme "Quarto Camarim", que narra história de aceitação travesti
Cena do filme "Quarto Camarim", que narra história de aceitação travesti - Divulgação

A história foi se transformando dentro do filme e está nesse caráter dinâmico seu maior potencial”, diz a diretora, que além da tia, gravou também com o pai (que não fala com Luma há 33 anos) e a avó (que sofria de Alzheimer e morreu ao fim das filmagens).

“É um filme sobre relações. Sobre como se dão as relações familiares e que também toca nas questões de gênero e LGBT. Ele é muito sensível a estes temas, embora não seja engajado exatamente no cinema de gênero”, diz Ramos.

Mesmo não declarando a obra como militante LGBT, o cineasta defende produções com esse propósito. “Estamos mais para um cinema aventura, um cinema descoberta. Mas a interpretação é livre e ficamos muito felizes se servir de inspiração para o público LGBT. Da mesma forma que estamos prontos para defender a produção de ataques conservadores que tentem desqualificar a obra pelo viés de gênero”, afirma.

À Folha, por telefone, Luma disse ter gostado do filme, mas se mostra desiludida com avanços nas questões de gênero mesmo por meio da arte.

“É um filme importante porque mostrou esse meu lado batalhadora, de alguém que sempre lutou na vida para conquistar as coisas. Mas não acredito que filme nenhum vai mudar o preconceito das pessoas com os gays ou com os travestis. Isso sempre vai existir.

Não é um casamento ou um nome social que muda isso. As pessoas sempre terão preconceito se você mudou de corpo, colocou um peito. Não vai acabar nunca, infelizmente”, diz.Luma também se posicionou sobre política. “Não acredito nas lutas coletivas. Não subo em trio nas paradas gays. Acho que só você pode fazer por você mesma e buscar uma vida digna”, completa.

"Quarto Camarim"
Brasil, 2017. Direção: Camele Queiroz e Fabricio Ramos. CineSesc (r. Augusta, 2.075), seg. (30/4), às 20h30. Grátis.

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