Descrição de chapéu Flip

Eliane Robert Moraes encerra dia na Flip com Hilda 'indomesticável, lírica e pornô'

Professora de literatura da USP contextualiza a trajetória artística da homenageada

Guilherme Genestreti
Paraty

Gostava de física quântica, mas também acreditava ser possível conversar com os mortos. Escrevia sobre Deus, mas encontrou refúgio entre os malditos. Usava letras maiúsculas para falar de ideias elevadas, mas também se curvava para esmiuçar o lúbrico, as partes úmidas entre as pernas.

Homenageada desta edição da Flip, Hilda Hilst uniu “metafísica e putaria”, segundo Eliane Robert Moraes, professora de literatura brasileira da USP, que contextualizou a trajetória artística da escritora paulista em conferência que fechou o segundo dia da festa literária de Paraty.

“Ela foi uma das mais complexas escritoras brasileiras”, afirma Moraes, pesquisadora da obra de autores libertinos, que foi aplaudida de pé ao final de sua fala. “Hilda foi insubmissa e indomesticável, lírica e pornô, científica e mística. Ela dizia: ‘Posso blasfemar muito, mas meu negócio é Deus’.”

A atriz Iara Jamra recitou –e interpretou— trechos da obra da homenageada entremeando as falas da pesquisadora. Leu pedaços de “Cartas de um Sedutor”, que integra a fase pornográfica de Hilda, e de “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, romance que provocou escândalo por suas descrições despudoradas sobre uma menina de oito anos que se prostitui.

Jamra atuou na primeira montagem do romance, nos anos 1990. Em Paraty, ela encenou as primeiras páginas de “Lory”, fazendo voz da criancinha que conta, sem amarras, sobre suas atividades sexuais com homens adultos.

Moraes foi questionada se uma obra assim não poderia ser caracterizada como pedófila. Discordou de maneira enfática. “Isso é a liberdade da literatura. Lori é alegre, e não há alegria na pedofilia”, disse a professora, que ligou a obra de Hilda à tradição de autores como Petrônio, Sade, Henry Miller e dos brasileiros Sérgio Sant’Anna, Reinaldo Moraes e Dalton Trevisan.

“Não conheço escritor no Brasil que faça tanto jogo de pergunta”, afirmou a crítica literária, que tratou das mudanças de rumo na obra de Hilda.

A partir dos anos 1960, após casamento e morte de seus pais, a escritora paulista já na casa dos 30 se mudou para a Casa do Sol, em Campinas. Ali, sua carreira dá uma virada. Dos poemas, parte para a dramaturgia e, finalmente, para a prosa.

Começa a despontar também o tema do corpo, da sensualidade. “O primeiro elemento que vai chamar a atenção dela é o orgânico. Ser humano é ser um corpo. E o corpo está a lembrar que a matéria é provisória.”

Outra inquietação era a loucura. O pai de Hilda sofreu de esquizofrenia.

“Sua maior tarefa foi transformar a loucura em conhecimento”, disse Moraes, que citou os conhecimentos em tarô do cineasta e escritor chileno Alejandro Jodorowsky.

“Quando se lê o que ele escreve sobre o arcano do louco, percebe-se que ele define o projeto literário da Hilda.”

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