Descrição de chapéu

Com 1,50 metro de altura, Angela Maria arrancava suspiros dos fãs

No auge da carreira, cantora teve vestidos, carros, aviões parados na pista à sua espera e pessoas aos seus pés

A cantora Angela Maria no Rio de Janeiro em 1957 - Arquivo / Agência O Globo
Ruy Castro
Rio de Janeiro

Há alguns anos, diante da televisão numa madrugada insone, assisti a um programa em que Angela Maria estava sendo entrevistada. A apresentadora não parecia ter uma ideia clara do que ela representava. Fazia-lhe perguntas frias, como se repetisse o que alguém, do outro lado do ponto, mandava que ela perguntasse.

Naquela noite, Angela Maria teria, talvez, 80 anos. Embora continuasse se apresentando, o melhor de sua vida já ficara para trás —mas que vida, em termos de luzes, glórias, vestidos, carros, aviões parados na pista à sua espera, pessoas aos seus pés, multidões se matando para tocá-la e as legiões que a ouviam no rádio, nos discos, nos filmes. E que entrevista não poderia dar!

A apresentadora é uma mulher alta. Não satisfeita, acrescenta 15 centímetros à sua altura com um salto que lhe permitiria olhar nos olhos de jogadores de vôlei. Angela Maria, por sua vez, tinha um metro e meio em seu apogeu, nos anos 1950 e 1960, e um corpo que vivia nas fantasias dos homens que a viam de camisa amarrada no umbigo, shortinhos justos e coxas de fora na capa da Revista do Rádio. 

A idade não fez muito por ela nesse departamento. Acrescentou-lhe muitos quilos à moldura original e talvez a tenha feito encolher para abaixo do metro e meio.

O resultado era chocante. A apresentadora, ao receber Angela nos bastidores e constatar a diferença de altura, deveria ter tido a sensibilidade de apresentá-la sentada ou fazer com que tamanha discrepância não se revelasse. Ao contrário. Tivemos durante meia hora, lado a lado —de pé, no palco—, uma mulher jovem, bonita e famosa, de quase dois metros, e uma senhora idosa e rotunda que mal lhe chegava à cintura.

Não sei o que passou pela cabeça de Angela naquele momento. Durante muitos anos —tempos de “Fósforo Queimado”, “Orgulho”, “Vida de Bailarina”, “Escuta”, “Babalu”, dezenas de outros—, ninguém era mais alto do que ela na música popular.

Os compositores, maestros, empresários de boates, produtores de cinema e radialistas se apequenavam para tê-la a seu serviço. Os tempos mudam, eu sei, mas é cruel quando, por um exibicionismo ridículo, tenta-se apequenar uma artista da estatura de Angela Maria.


Ruy Castro é jornalista, escritor, e biógrafo de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

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