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Poeta Chico Alvim celebra 80 anos com poesia crítica e bem-humorada

Autor participa de sessão de leitura e bate-papo em encontro de poesia no sábado (20) em São Paulo

O poeta Francisco Alvim, em 2015 - Bruno Poletti - 12.nov.2015/Folhapress
LEONARDO GANDOLFI

No último dia 9 de outubro, o mineiro Francisco Alvim completou 80 anos. E a comemoração será neste sábado (20), em São Paulo, quando o autor participará da sessão de leitura e bate-papo no "Vozes, Versos", encontro de poesia que acontece mensalmente na cidade e que é organizado por Heitor Ferraz Mello e Tarso de Melo

Ótima ocasião para ouvirmos esse que é considerado um dos maiores poetas brasileiros. Sua obra se inicia em 1968 e nos anos 1970 se aproxima da poesia marginal carioca.

Em relação a atitude performática desses poetas, Chico Alvim —como é carinhosamente chamado— guarda certa distância. Já traços como coloquialidade, humor e brevidade, típicos da geração, estão presentes em seus versos.

Tais características não apontam para a identificação de um sujeito, algo heroico e ligado à contracultura, como acontece a certos autores da época. Foi o poeta Cacaso, morto em 1987, quem chamou atenção para Alvim como "o poeta dos outros", cuja principal ação é a de escutar, ou seja, "ceder a vez" e "a voz".

Com isso, temos uma poética que abre mão da primeira pessoa onipresente em prol de elementos narrativos que valorizam o corte e a montagem.

Como no poema "A Força do Direito": "Comigo não é bem assim/ meu direito é a força". Ou então em "Parque", no qual se lê: "É bom/ mas é muito misturado".

Aliás, depois de Chico Alvim, nunca mais a relação entre título e texto foi a mesma. Por exemplo, em "Bochecha" lemos o verso único: "ofereça a outra". Já em "Hospitalidade" está: "Se seu país é assim ""/ tão bom ""/ por que não volta?".

A partir da ideia de ceder a voz aos outros, o crítico Roberto Schwarz discute como os poemas de Alvim —ao dramatizar falas anônimas e típicas— dão a ver criticamente "divisões sociais" e "remorso de classe", expondo "degradações produzidas pelo sistema dos interesses em choque".

É como se escutássemos um coro feito de dissonâncias, mosaico em que as diversas vozes revelam uma imagem do nacional dolorosamente reconhecível pelos leitores.

São opiniões já ouvidas por aí, mas retiradas de seu contexto e fixadas como verso na página do livro. Ação radical que desnaturaliza tais falas, revelando a violência e a desigualdade perpetradas no país e, é claro, manifestadas em nossa linguagem cotidiana.

Nesse sentido, para Schwarz, sua obra, de forma desconcertante, aguça certa "pesquisa modernista da peculiaridade brasileira, de nossas falas, relações, ritmos, cumplicidades."

Por exemplo, o que fará o leitor diante do elíptico e brutal poema intitulado "Mas", peça que é constituída apenas do verso "é limpinha"? O sorriso, se houver, será nervoso.

Porém, a poesia de Alvim não é feita somente do trabalho com vozes alheias. Falando em modernismo, um dos mais destacados textos do autor se chama "Elefante" e é uma espécie de retomada de "O Elefante", de Carlos Drummond de Andrade.

Tal vínculo, em que dueto e duelo se confundem, lembra o gesto de deslocamento do próprio Drummond e seu poema "A Máquina do Mundo" em relação à máquina do mundo em "Os Lusíadas", de Camões. Homenagear é dar vida ao homenageado, colocá-lo em movimentação e não fazer dele monumento.

Em uma época como a nossa, de crescente autoritarismo, a poesia de Alvim —com sua crítica mordaz e vida transbordante— é mais necessária do que nunca, porque se coloca como atitude questionadora frente à automatização das relações afetivas e sociais.

Leonardo Gandolfi é professor de literatura portuguesa da Unifesp e poeta
 

Vozes, Versos

Neste sáb. (20), às 11h, na Livraria Tapera Taperá, Galeria Metrópole, av. São Luís, 187, Centro, (11) 3151-3797. Grátis.

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