Descrição de chapéu Moda

Estilo 'quebrada' é alvo de olhares enviesados mesmo incensado pela moda

Jovens de rolezinho constroem nova estética urbana brasileira com grifes e styling próprio

Os estudantes Cauã Horácio, 16  e Gabriel Alves, 16, em rolezinho da turma do

Os estudantes Cauã Horácio, 16 e Gabriel Alves, 16, em rolezinho da turma do "streetwear" de São Paulo, que acontece aos domingos no vão livre do Masp Gabriel Cabral/Folhapress

Pedro Diniz
São Paulo

Gostem os puristas da moda ou não, quem dá as cartas no mundo das tendências é a rua. A paisagem fashion das periferias nos grandes centros urbanos moldou a passarela dos últimos cinco anos com uma marcha de moletons, tênis e visual inspirado na estética esportiva do hip-hop, alçada ao status de luxo nas vitrines desta década.

Mas enquanto o hemisfério norte glorifica a imagem das calças folgadas, dos acessórios metálicos e da turma que sai na rua ostentando “sneakers” (termo local para os tênis de grife) assinados por rappers midiáticos, o Brasil, dizem jovens paulistas, marginaliza, despreza e até enquadra em casos extremos.

Aos domingos na avenida Paulista, atrás das velharias baratas de uma feira semanal e logo abaixo de outras relíquias, estas bem mais caras, de Dalí a Renoir, um megarrolezinho retrata o ápice da modernidade e o abismo que a separa do entorno dito “normal” do miolo da Bela Vista.

Centenas de garotos e garotas entre 16 e 20 anos se encontram no vão livre do Masp para viver por algumas horas numa bolha fashionista, fugindo de julgamentos sobre suas roupas de “maloca”, “quebrada”, “trap” e “clout” –vertentes de um mesmo estilo urbano global que foi adotado pela juventude local.

Malocas seriam, segundo o estudante Simplício Sousa, 16, o típico look rolezeiro, popularizado em 2014 nos encontros em shoppings, inspirado nos MCs da periferia e composto por bermuda estampada, polo Lacoste e tênis Mizuno.

Relógio vintage de metal combinado a correntes de aço compõem o visual que, diz Sousa, “tem gente que acha ser roupa de ladrão”.

A imagem do “streetwear” como se conhece hoje, com bandanas amarradas na cabeça, jaquetas corta-vento e sapatos pesados, remonta aos subúrbios nova-iorquinos dos anos 1980 e 1990, quando a cena musical conhecia as batidas de Public Enemy e Tupac.

Tupac Shakur, aliás, foi seminal na construção da indumentária urbana, com um estilo que essa turma atual reflete em suas referências visuais.

Com um modelo Air Jordan 6 retrô da Nike, comprado na Galeria do Rock —o shopping desses jovens—, óculos de lentes coloridas e jaqueta Adidas, o estudante Tawan Felippe, 16, define esse novo “street” como “espírito livre”, uma forma de se divertir com os amigos e se diferenciar dos outros.

São essas diferenças que às vezes tornam sua vida um tanto complicada quando decide vestir essas roupas no dia a dia. “Preconceito existe em toda parte e rola comigo quando ando na rua e as pessoas passam escondendo a bolsa”, afirma o adolescente.

Cauã Horácio, 16, conhece bem a incômoda sensação de ser julgado pelas pessoas “normais”, de terno, jeans e camiseta, no mêtro paulistano.

Trajado com o mesmo combo bandana, tênis e jaqueta branca, só que da Palace, marca nascida no Instagram e que lhe fez desembolsar apenas R$ 85 na peça — preço bem abaixo dos quase R$ 500 cobrados pelo abrigo produzido por uma grife famosa—, o estudante vê as pessoas trocarem de lugar no vagão assim que ele se senta ao lado.

“Claro que o preconceito é maior também porque sou negro, mas é muito chato quando ando à noite e a polícia já vai baixando o vidro do carro e as pessoas cruzam a rua para não passar perto”, explica.

Um dos mais bem produzidos daquele rolê, ele também era um dos vários adolescentes que empunhavam uma caixa de som portátil, acessório quase essencial na composição desses looks noventistas. 

Enquanto os colegas preferiam uma simples caixinha da marca JBL, a dele, da marca Mondial e comprada nas Casas Bahia, já veio todo grafitada. O amigo, com óculos do tipo “clout”, arredondado e com uma grossa armação branca, dividia a picape improvisada.

“Clout”, no vocabulário urbano, serve para definir o visual ostensivo, e o “trap”, mais fashionista e com elementos das raízes do “street” oitentista.

O estudante Walter Emanuel diz não ser nem um nem outro, mas admite predileção por grifes famosas, “não caras, porque marcas não se definem por preço, mas pela qualidade”, diz ele, com óculos do tipo gatinho, uma bolsa de alça na qual se lia Hermès, um ponto fora da curva no mar de Nikes, Adidas e Filas.

Fila, vale dizer, estampava várias pochetes e blusões. A marca italiana, que agora tenta se reposicionar no segmento do vestuário, é uma das prediletas do auxiliar de cozinha Paulo Ricardo, 19.

De camisa azul combinando com o tom da calça, do boné, dos sapatos e da pochete Fila, ele define seu estilo como “da quebrada”, denominação vinculada aos bailes funk e, de acordo com ele, alvo de enquadradas dos policiais.

“Já perdi as contas de quantas vezes fui parado para revista. Curto Oakley, Gucci, Adidas, mas não tem jeito. Sempre tenho de mostrar a carteira de trabalho para provar que sou trabalhador”, diz.

Talvez sua história fosse diferente se ele ouvisse os conselhos de Erik Souza, 19. Todo de preto, o garoto aprendeu que chama menos atenção se andar de preto e só com alguns pontos de cor e luz na roupa. 

O colar cravejado de zircônias —gema que imita diamante— e a jaqueta, na qual se lê Versace na etiqueta, quebram a sobriedade. “O preconceito com o ‘street’ muda de tempos em tempos. Agora o pessoal está mais de olho feio em quem usa óculos juliette [espelhado e pontudo nas laterais arqueadas]”, diz.

As garotas sofrem bem menos com o olhar atravessado nas ruas —o problema, elas contam, está em casa.

Sabrina Sousa, 18, por exemplo, cansou de ouvir da família se iria “sair na rua desse jeito, que nem um homem”, conta.

Os cabelos “black power”, cortados no mesmo formato adotado pela amiga Nélida Santos, 16, é emblema de como passou a valorizar suas raízes negras. “Andava sempre com cabelo lambido. Isso nunca mais”, afirma Sousa, ladeada por outras duas amigas impecáveis em suas cabeleiras trançadas.

Questões identitárias e de gênero são peças-chave para entender como música, moda e comportamento se fundem nos novos rolês urbanos.

Para o militar do exército Caio Martins, 19, a beleza desses encontros é que todo mundo pode mostrar um estilo “único”, como o que ele diz ter ao, por exemplo, combinar cores e traspassar o casaco no tronco. “Aqui não é quebrada, é um lugar para vir mais social, se sentir bem. Todo mundo aqui se veste do jeito que quer. Não existe mais isso de preconceito com a roupa.”

Uma foto, então? “Aí não, né. Pode pegar mal no quartel.”

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