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Inteligência artificial começa a auxiliar no trabalho de escrita

O americano Robin Sloan conta com um software para concluir frases de seu novo livro

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Robin Sloan, at his office in the Murray Street Media Lab, in Berkeley, Calif., on Sept. 28, 2018. Sloan is using a homemade software program to supply phrases and images for his new book. (Peter Prato/The New York Times) - XNYT67
Robin Sloan no Murray Street Media Lab, em Berkeley, Califórnia - Peter Prato/The New York Times
David Streitfeld
Berkeley (EUA) | The New York Times

O escritor americano Robin Sloan tem um colaborador para o seu próximo livro: um computador. 

Ele está escrevendo com a ajuda de um software caseiro, que termina as frases quando o autor aperta a tecla tab. É cedo para dizer que escritor é mais um dos vários trabalhos que a inteligência artificial irá eliminar. 

Porém, ao assistir Sloan trabalhar, fica claro que a programação começa a redefinir o conceito de criatividade.

Sloan, que foi elogiado pelo seu livro de estreia, “A Livraria 24 horas do Mr. Penumbra” (ed. Novo Conceito, R$ 28, 294 págs.), segue um processo de escrita que consiste em redigir fragmentos de texto e enviar para si mesmo, como mensagem, para em seguida transformá-los em passagens mais longas.

Seu novo livro, ainda sem título, acontece na Califórnia em um futuro próximo, no qual a natureza está em processo de ressurgimento. 

Em seu escritório desordenado, num parque industrial, ele escreve a frase “os bisões estão reunidos ao redor do cânion”. O que vem depois? Ele aperta a tecla tab. O computador faz um barulho, algo como “pock”, analisa a última frase e a completa com “sob o céu nu”.

Sloan gosta do resultado. “Isso é fantástico”, diz. “Será que eu teria escrito ‘sob o céu nu’? Talvez sim, talvez não.”

O seu software não pode ser rotulado como algo tão grandioso como inteligência artificial. Trata-se de “machine learning”, que facilita e estende as próprias palavras e imaginação do autor. De certa forma, o programa ajuda a fazer o que escritores inexperientes sempre fizeram —um mergulho no trabalho de autores cujo estilo querem reproduzir.

Hunter Thompson, por exemplo, empenhou-se em escrever no mesmo estilo de F. Scott Fitzgerald. Datilografou “O Grande Gatsby” repetidas vezes como um atalho para alcançar seu objetivo.

“Li inúmeros livros e palavras ao longo dos anos. Tudo foi para o meu cérebro e foi sendo processado de alguma forma. E aí algumas coisas foram saindo”, diz Sloan. “O produto não pode ser nada além de uma função do insumo.”

Mas o insumo pode ser empurrado para determinadas direções. Nos anos 1990, o técnico de segurança eletrônica Scott French usou um Mac para imitar as histórias repletas de sexo de Jacqueline Susann. French escreveu milhares de regras em forma de programação que sugeriam como determinados tipos de personagem, derivados da obra de Susann, interagiriam entre si.

French demorou oito anos para terminar o processo. O resultado, o livro “Just This Once”, foi publicado comercialmente, embora não tenha feito o sucesso de “O Vale das Bonecas” (Record, 512 págs.), de Susann, um best-seller.

Sloan gosta de remendar e experimentar. Ele começou essa jornada da criação assistida por computador motivado por pouco mais do que uma “curiosidade básica, de nerd”.

Muitos outros também têm experimentado fazer ficção que segue a trilha da inteligência artificial. O grupo de entretenimento Botnik Studios usou um programa de texto para gerar quatro páginas de fanfiction de Harry Potter. O experimento resultou em frases como: “Ele viu Harry e começou a comer a família de Hermione”.

A empresa chinesa de ecommerce Alibaba informou em janeiro que seus softwares tiveram performances superiores a humanos em testes de compreensão de leitura.

Sloan quis ver com os próprios olhos. Comprou do site Internet Archive uma base de dados contendo textos de Galaxy e If, duas revistas de ficção científica dos anos 1950 e 1960. Após uma série de tentativas e erros, o programa criou uma frase que o impressionou: “O lento barco rebocador se moveu pelo porto de cor esmeralda”. “Era o tipo de frase que te faz dizer ‘conte mais’”, afirma Sloan.

Ao contrário de French, 25 anos atrás, Sloan provavelmente não usará o fato de ter um computador como colaborador como propaganda de seu livro. Ele está restringindo a escrita com inteligência artificial a um personagem que é um computador de inteligência artificial. A maior parte da história virá da própria imaginação de Sloan. 

Grandes vendedores de livros, como John Grisham e Stephen King, poderiam facilmente colocar no mercado programas que usam seus trabalhos publicados para auxiliar fãs a produzirem imitações autorizadas.

Sloan termina seu parágrafo: “Os bisões estavam numa fila de 50 milhas, não sob a refrescante luz do sol, reunidos ao redor do cânion, sob o céu nu. Eles viajaram por dois anos, de cá para lá, entre as extensões da cidade. Eles circundam os subúrbios mais distantes, grunhindo e resmungando, e são uma chateação que passa rápido, antes de retornar para o início de novo, um ciclo que havia sido destruído e que agora foi reconstruído".

“Eu gosto, mas ainda é primitivo”, diz o escritor. “O que está vindo por aí vai fazer isso aqui parecer rádio de galena de um século atrás.”

Tradução de Eduardo Moura

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