Cineasta Sergei Loznitsa mostra farsa stalinista de efeitos reais em 'O Processo'

Filme mostra o julgamento do Partido Industrial na União Soviética de 1930 e será exibido no IMS

LUIS FELIPE LABAKI
São Paulo

Olhar para trás é o mote da mostra "Revisões 2018", em cartaz no Instituto Moreira Salles paulistano. Em "O Processo", que será exibido nesta terça (18), o diretor Sergei Loznitsa nos convida a visitar a União Soviética de 1930.

Naquele ano, o julgamento do Partido Industrial agitou o país. Na versão oficial, cientistas e economistas teriam tramado um golpe contra o regime soviético com a ajuda de industriais estrangeiros, sabotando o desenvolvimento socialista.

O cinema teve lugar de honra no tribunal: o julgamento foi registrado por múltiplas câmeras, a plateia iluminada por potentes holofotes e o som captado em sincronia com as imagens —uma novidade tecnológica para a época.

O resultado foi o filme "Treze Dias" (1930), de Iákov Possiêlski, que em cerca de 40 minutos apresentava os melhores momentos do julgamento, com a leitura da acusação (o presidente da corte olha diretamente para a câmera), confissões dos réus, reações da plateia, manifestações nas ruas pedindo o fuzilamento dos acusados e, finalmente, o veredito.

Quase 90 anos depois, Loznitsa decidiu recuperar essas imagens. Além das cenas incluídas no filme de Possiêlski, o cineasta localizou e restaurou o restante do material bruto, de cerca de três horas de duração. No corte final de "O Processo", permaneceram duas (e resta a dúvida: o que ficou de fora?).

Assim como fizera em filmes de arquivo como "Bloqueio" (2004) e "Cinejornal" (2008), Loznitsa evita explicações prévias: vale mais o simples ato de vermos o material em um novo contexto —nesse caso, acrescido ainda de imagens inéditas— como forma de meditação sobre o evento histórico.

O julgamento do Partido Industrial foi, por definição, um espetáculo. Ao teatro inerente aos tribunais, soma-se o teatro diante das câmeras. Mas há ainda mais uma camada, anterior à entrada dos atores em cena.

Ao site do Festival de Veneza, onde o filme teve sua estreia, Loznitsa afirmou: "O único comentário que me permiti fazer em todo o filme aparece bem no final. Preciso desse comentário para dizer a verdade, já que é impossível apreendê-la em qualquer outra cena deste documentário".

A verdade em questão é um spoiler inevitável quando se fala do processo: o Partido Industrial e sua conspiração nunca existiram. Todo o caso foi arquitetado pelo Estado soviético em busca de bodes expiatórios para o mal desempenho industrial.

Loznitsa opta por não revelar isso ao espectador até os créditos finais. Para os desavisados, isso equivale a um convite para rever as últimas duas horas de projeção sob uma nova luz.

Pois essa é a grande tragédia mostrada em "O Processo": não importam a acusação, os detalhes das confissões ou pedidos de clemência.

Não se trata de um drama de tribunal clássico, aberto a grandes reviravoltas. Ao contrário, trata-se de uma longa sessão de autodifamação dos réus, pontuada por arroubos grandiloquentes dos procuradores, em que evento público e evento cinematográfico existem um em função do outro, dando materialidade à mentira.

Por isso, talvez o mais interessante esteja nas arestas do espetáculo: o incômodo da plateia com a luz dos holofotes, o tédio dos presentes e, sobretudo, a impotência dos réus que sabem estar sendo usados em uma farsa com consequências reais.

O Processo

Direção: Sergei Loznitsa. 2018. 125 min. 12 anos. Exibição: IMS, av. Paulista, 2.424, às 20h, R$ 8

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.