Claudia Andujar expõe imagens de índios que entrelaçam arte e política

Retrospectiva no IMS apresenta convívio da artista com os ianomâmis, iniciado nos anos 1970

Maloca próxima à missão católica do rio Catrimani, em Roraima, 1976 Claudia Andujar

Marcos Augusto Gonçalves
São Paulo

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A suíça Claudine Haas, jovem sobrevivente da barbárie nazista durante a Segunda Guerra, percorreu um caminho longo, áspero e movimentado até desembarcar no Brasil em 1955, com 24 anos.

Fluente em línguas, mas analfabeta em português, ela encontrou numa máquina fotográfica o meio para começar a interagir com aquele lugar que a encheu de curiosidade e encanto.

 

"Eu tinha muito interesse em conhecer o Brasil, e a fotografia foi uma maneira de me relacionar com o novo mundo que conheci aqui. Naquela época, comecei a fotografar os lugares aonde ia", conta Claudia Andujar.

Assim, com o nome adaptado e o sobrenome do ex-marido, um refugiado da Guerra Civil Espanhola que conheceu em Nova York, Claudine ficou conhecida internacionalmente como fotógrafa e defensora do povo ianomâmi.

"Ela tem uma história de vida que passa por vários dos grandes traumas do século 20", diz Thyago Nogueira, diretor do departamento de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles e organizador de uma retrospectiva da artista que começa neste sábado (15), em São Paulo.

São cerca de 300 imagens que perfazem, em duas salas do instituto, o percurso de Andujar desde que estabeleceu contato com os ianomâmis, na Amazônia, no início dos anos 1970.

"A uma certa altura", conta ela, "decidi tentar encontrar um povo ao qual eu me dedicaria durante o tempo que eu achasse necessário". Era uma busca que guardava conexões com sua dolorosa experiência europeia: "Sim, sem dúvida. Aquilo me marcou profundamente", diz ela.

 

"Claudia viu a família paterna, de origem judaica, ser levada para o gueto para ser depois assassinada num campo de concentração. É uma história muito comovente. Ela lembra com detalhes o dia em que o pai soube que seria levado e foi se despedir dela, na presença da mãe", narra Nogueira.

Antes de encontrar os ianomâmis, ela tinha ido ao encontro, por indicação do antropólogo e amigo Darcy Ribeiro, dos carajás e bororos. Repórter fotográfica, já trabalhava para revistas brasileiras e estrangeiras, entre as quais a lendária Realidade.

"Foi um amigo suíço, René Furst, quem me sugeriu ir aos ianomâmis", lembra. "Ele tinha ficado lá um tempo e achou que eu ia me dar bem. E falou de eu ir ao Catrimani, onde tinham missionários italianos. Fiquei pouco tempo, depois voltei, voltei e voltei até anos se passarem."

A certa altura, porém, Andujar se viu compelida a transitar de um projeto autoral de interpretação fotográfica e artística da cultura ianomâmi para a militância política em prol da sobrevivência daquele povo.

A fotógrafa e defensora do povo ianomâmi Claudia Andujar - Eduardo Knapp/Folhapress

O ponto de inflexão foi a decisão do governo do general Médici de dar início a um projeto de ocupação e "povoamento" da Amazônia. Tratava-se de desbravar a floresta e facilitar o acesso a regiões fronteiriças longínquas, promissoras em riquezas naturais.

Um plano amazônico de colonização foi lançado, com a transferência extensiva de mão de obra nordestina. Ponto ao leste da construção da rodovia Perimetral Norte, o vale do rio Catrimani, onde viviam os ianomâmis com os quais Andujar criara laços, começou a ser invadido por máquinas, caminhões e colonos.

O empreendimento selvagem da ditadura levou morte e degradação aos índios. "A ideia de incorporar um povo isolado à estrutura política, ideológica e econômica do país mudou a vida deles", diz Andujar, que se viu mais uma vez diante da traumática ameaça de eliminação de um povo com o qual se identificava.

"Ela estava estabelecendo raízes profundas com aquele grupo e aquilo vira palco de uma tragédia nacional, as pessoas vão morrendo vítimas de doença e de violência. Os novos amigos dela começam a ser exterminados", resume Nogueira.

Diante do espetáculo macabro que presenciou, a fotógrafa desesperou-se e passou a mover suas forças para lutar pela demarcação do território ianomâmi. Monitorada pelo governo militar, que a via com suspeição, acabaria sendo afastada do Catrimani.

"Hoje, com a Lei de Acesso aos documentos do governo dá para ver como estavam acompanhando os passos dela", diz Nogueira. "É sempre mencionada. É chamada de 'aquela estrangeira', às vezes de antropóloga, de psicóloga, e a acusam de botar índios no meio para impedir que o projeto seja tocado. Ela começa a mobilizar e a chamar atenção, até que um belo dia chega um funcionário da Funai e diz que ela estava proibida de permanecer naquela área."

Após anos do que Andujar chama de "devoção", com andanças pelo mundo em busca de aliados e de pressões sobre o governo, a demarcação da terra ianomâmi foi aprovada pelo Congresso, no mandato de Fernando Collor, em 1992 —ano da histórica cúpula ambiental realizada no Rio de Janeiro.

Hoje Andujar merece tratamento especial por parte do grupo indígena que conheceu. "Sim, eles me chamam de mãe", diz ela, sorridente, com seu sotaque característico.

Thyago Nogueira teve acesso aos arquivos de mais de 40 mil imagens da fotógrafa e conseguiu reconstituir com base em diários e documentos o trajeto que se vê na mostra.

Das fotos concebidas com visível interesse estético àquelas de caráter mais documental, as imagens de Andujar se desdobram como testemunhas de uma vida incomum, entrelaçada de modo singular com a arte e a política.

Exposições

Claudia Andujar: a Luta Yanomami

Espaços Culturais
Grátis.

A mostra apresenta uma retrospectiva da carreira da fotógrafa Cláudia Andujar. O recorte curatorial privilegia a luta da artista pela proteção dos índios Yanomami, com os quais estabeleceu contato pela primeira vez nos anos 1970.

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