Descrição de chapéu

Novo romance de Houellebecq antevê conflito francês entre campo e cidade

Escritor ressurge após polêmico 'Submissão' com protagonista houellebecquiano por excelência

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Sérotonine

  • Preço € 22 (R$ 94), 352 págs., ou € 14,99 (R$ 64 - ebook)
  • Autoria Michel Houellebecq
  • Editora Flammarion

Já foi dito do cineasta Alain Resnais, morto em 2014, que era um sismógrafo de sua época, capaz que antecipar seus movimentos. O que dizer então do escritor, também ele francês, Michel Houellebecq? 

Em 2015, o lançamento de seu romance “Submissão” coincidiu com o ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo. Na edição daquele dia nas bancas, ele próprio era satirizado como mago que fazia previsões, já que seu livro tratava de uma França em 2022 comandada por muçulmanos.

No dia 4, no despertar de 2019, o escritor mais lido e talvez mais odiado em seu país lançou “Sérotonine”, que vendeu mais do que antidepressivo em sua tiragem inicial de 320 mil exemplares —a editora Flammarion anunciou nesta quinta que estão sendo impressos mais 50 mil.

A mídia francesa e europeia não tardou muito após a abertura das livrarias para dar seu veredito —o volume antevê o movimento dos "coletes amarelos", os “gilets jaunes”.

Protestos de pessoas vestindo os coletes de cor vibrante, obrigatório entre os itens de segurança dos motoristas franceses, têm tomado o país em combate às políticas do presidente Emmanuel Macron, sobretudo contra o aumento do preço do combustível —no que o governo já voltou atrás.

Poderíamos aventar que, tendo as manifestações começado em meados de novembro, Houellebecq teria tido tempo de, se não ter escrito as mais de 300 páginas do romance, ter pelo menos incluído passagens e conflitos. 

É difícil acreditar que a descrição de um movimento de agricultores armados que paralisa uma importante autoestrada no norte da França ateando fogo em máquinas rurais tenha sido imaginada momentos antes de camponeses insatisfeitos de fato terem interrompido o trânsito em estradas do país. Talvez seja mesmo a tal sismografia. 

O conflito entre cidade e campo, entre Paris e interior, entre, em outras palavras, burgueses ecológicos defensores dos orgânicos e das bicicletas e camponeses endividados pelos créditos agrícolas, que dirigem caminhonetes poluentes e se veem abandonados pelo governo na falta de políticas protecionistas, é a grande ferida da vez na qual Houellebecq enfia o dedo.

Mas o valor de “Sérotonine” não reside apenas em sua clarividência. Se em “Submissão” Houellebecq parecia se deixar levar pela vaidade de extrair soluções verossímeis e chocantes para os conflitos culturais nos quais a França submerge, abandonando por vezes o sabor da narrativa, aqui ele mantém os pés no chão.

No livro anterior, o clímax é atingido muito antes do fim da história, que depois decai vertiginosamente na qualidade e na capacidade de manter consigo o leitor, como que abandonado à própria sorte nas páginas.

Agora, em seu sétimo romance, Houellebecq, com seu personagem-narrador-alter ego, o agrônomo Florent-Claude, carrega o leitor cheio de interesse até o fim.

A cena do enfrentamento violento dos camponeses armados com a polícia, no último terço do romance, é apenas um de seus pontos altos.

O protagonista típico do autor, um homem machista um tanto asqueroso que cheira a cigarro, aparece aqui mais houellebecquiano que nunca.
 

Florent-Claude tem € 700 mil na conta, é funcionário do Ministério da Agricultura, fumante obsessivo, não menos alcoólico, se acha mais viril do que é, mais inteligente do que é, e passa a tomar antidepressivo, daí o título.

Ele é um quarentão que resolve desaparecer de sua própria vida para fugir da namorada da qual não consegue dar cabo, uma japonesa 20 anos mais jovem que ele, que o despreza e é adepta de surubas e sexo com animais —outro ponto alto aqui, como em seus outros livros, são as descrições sexuais. A impotência comum a seus protagonistas atinge o ápice.

O livro ainda não tem uma editora no Brasil.

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