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Rainha do crime, Agatha Christie quis matar Poirot, mas desistiu por dinheiro

Biografia revela essa e outras intimidades da escritora, que só fica atrás da Bíblia e de Shakespeare

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São Paulo

As três obras literárias mais publicadas na história da humanidade são, pela ordem, a Bíblia, o conjunto de peças de William Shakespeare e os 80 livros escritos pela inglesa Agatha Christie.

Seus 66 romances e 14 coletâneas de contos de crimes misteriosos, lançados entre 1920 e 1975, ultrapassam 4 bilhões de exemplares vendidos.

No próximo sábado (12), completam-se 43 anos da morte da escritora, e ela continua uma força impressionante. Neste século, apenas J.K. Rowling, criadora de “Harry Potter”, vendeu mais livros no Reino Unido do que Agatha Christie.

Nos últimos dez anos, ela ocupa a oitava posição entre os escritores mais vendidos nos Estados Unidos. A empresa criada por sua família arrecada por ano US$ 3 milhões (cerca de R$ 12 milhões) apenas de direitos autorais de obras impressas.

A escritora gera mais dinheiro ainda com as adaptações de seus livros para TV e cinema. Já são mais de 160 produções. Há dois anos, o diretor e ator inglês Kenneth Branagh começou um projeto de levar um grupo de obras dela de volta ao cinema. Fez “Assassinato no Expresso do Oriente”, que arrecadou US$ 350 milhões nas bilheterias, e agora finaliza “Morte no Nilo”.

É curioso que tamanha relevância seja sistematicamente sabotada por biografias rasteiras. São muitos livros preocupados em perpetuar a fama de personagem desinteressante que a timidez de Agatha Christie ajudou a forjar, quase sempre destacando o episódio exceção de sua vida: as duas semanas em dezembro de 1926 em que ela esteve desaparecida.

Sai agora a edição brasileira da versão atualizada de “Agatha Christie - Uma Biografia”, da também britânica Janet Morgan. O relato lançado originalmente nos anos 1980 torna desprezível qualquer outro perfil da escritora.

As quase 500 páginas do livro são recheadas de detalhes de sua vida. “Os eventos de seu dia a dia inspiraram ou influenciaram alguns de seus enredos. Não apenas eventos dramáticos, mas até pequenas coisas como a visita a um dentista”, diz Morgan à Folha.

Quando foi procurada em 1981 por Rosalind Hicks, a única filha de Christie, Morgan foi escolhida para escrever a biografia por ser uma historiadora que colaborava para grandes veículos da imprensa britânica. A ideia era, com rigor histórico, tentar apurar o máximo de fatos sobre o episódio do desaparecimento.

Em 1926, ao saber que seu marido, Archibald Christie, tinha uma amante, a escritora deixou sua residência, sem dar notícias. Por quase duas semanas, uma busca sem precedentes foi colocada em ação. Cerca de 15 mil voluntários ajudaram na procura, por toda a Inglaterra.

Christie foi encontrada em um hotel spa em Harrogate, no norte do país. Hospedada com nome falso (usou na ficha o sobrenome da amante do marido), teria perdido a memória por alguns dias.
A escritora nunca falou sobre esse período. Morgan concorda com o diagnóstico de amnésia global transitória.

“Tive a sorte de encontrar pessoas que a viram ou a conheceram na época. Gostaria de impedir mais livros e artigos promovendo teorias bobas sobre o que aconteceu com ela em 1926. Eu sou otimista demais e talvez ingênua: há sempre mercado para uma história inventada divertida, por mais idiota que seja.”

A intenção da filha de Christie era mostrar o ocorrido como um incidente sem importância na vida grandiosa da mãe. Então ofereceu à biógrafa acesso irrestrito a tudo que a escritora havia deixado: cartas, documentos, diários, rascunhos de ficção, fotos.

Dois núcleos temporais se destacam na biografia. Um é o que mostra Agatha Christie na adolescência. Filha de um americano rico vivendo na Inglaterra, nascida em 1890, ela frequentou uma vida social privilegiada na virada do século 19 para o 20.

“Agatha ser uma menina atraente e cobiçada nas festas foi uma surpresa para mim, já que as fotografias dela na vida posterior eram de uma mulher menos vivaz, menos esbelta e elegante.”

Educada fora da escola por decisão dos pais, as aulas de tutores moldaram na jovem um comportamento menos preso às convenções. A ponto de ela ter recusado o primeiro pedido de casamento, algo incomum. Só aceitou o segundo, de Archibald.

Outra história atraente do livro é o trabalho de Christie em sítios arqueológicos na África e no Oriente, nos anos 1930 e 1940, acompanhando o segundo marido, Max. Influências dessas viagens estão em livros como “Assassinato no Expresso do Oriente” e “Morte no Nilo”.

Apesar de “cidadã do mundo”, a escritora se rendeu a uma timidez quase patológica. Em viagens ou mesmo idas a restaurantes, ela se identificava sempre como sra. Mallowan, nome do segundo marido.

Sem explicar a razão, escreveu seis romances com o pseudônimo Mary Westmacott. 

Para a biógrafa, Christie não tinha noção de sua relevância como um dos maiores nomes da cultura britânica no século 20.

“Ela permaneceu modesta. Creio que não dava a si mesma tanta importância. Ela era naturalmente tímida. De certa forma, essa reclusão foi sábia. Permitiu que levasse uma vida contente e mais produtiva.”

Dois detetives se destacam entre os vários que criou: o belga excêntrico Hercule Poirot, que aparece em 40 livros, e a solteirona inglesa Miss Marple, presente em 14 volumes. Morgan não hesita em apontar o personagem favorito da autora.

“Miss Marple, sem dúvida. Agatha ficou refém de Poirot e passou a odiá-lo. Numa carta que ela escreve a si mesma, que reproduzo no meu livro, ela desejava matá-lo, mas não podia ‘porque ele é minha principal fonte de renda’. Então ela escreveu nos anos 1940 ‘Cai o Pano’, em que Poirot morre, para ser publicado só após a morte dela.”

A biografia fala, claro, de “A Ratoeira”, a mais famosa de suas 18 peças teatrais, sendo nove originais e nove adaptações de seus livros.

Às vezes, ainda hoje, duas ou três peças dela são encenadas simultaneamente no circuito londrino.

Escrita para o palco, “A Ratoeira” está em cartaz desde sua estreia, em 1952, recorde absoluto de temporadas ininterruptas, com mais de 27 mil apresentações.

A biógrafa destaca a extensa lista de adaptações de obra de Christie para cinema e TV. Ela gosta dos telefilmes ingleses dos anos 1980, com David Suchet como Poirot, e Joan Hickson como Miss Marple.

Ela não viu a nova versão de “Assassinato no Expresso do Oriente”, de Kenneth Branagh. “Não posso apreciar as adaptações mais recentes que mudam tramas e caracterização. Eu me pergunto por que os escritores não escrevem seus próprios livros em vez de brincar com os existentes”, critica Morgan.

Seu livro favorito de Agatha Christie é “O Caso do Hotel Bertram” (1965). Mas para quem ainda não conhece a extensa obra da escritora, ela recomenda começar por “O Assassinato de Roger Ackroyd” (1926), seu primeiro grande sucesso de vendas.

“Embora as histórias de detetive estejam enraizadas em épocas e culturas particulares, frequentemente o mundo fechado da casa de campo britânica e os truques no enredo as tornam acessíveis para leitores que vivem em circunstâncias e ambientes completamente diferentes. Foi isso que fez de Agatha Christie um fenômeno global”, diz Morgan.

Agatha Christie - Uma Biografia

  • Preço R$ 59,90 (476 págs.)
  • Autoria Janet Morgan (trad. Patrícia Azeredo)
  • Editora BestSeller
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