Com crise no setor, literatura de futebol batalha para estabelecer nicho

Ano de 2018 foi difícil para o mercado, com calotes de grandes livrarias e distribuidoras

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"Escola Brasileira de Futebol" de Paulo Vinícius Coelho, colunista da Folha, foi um dos lançamentos futebolísticos de 2018
"Escola Brasileira de Futebol" de Paulo Vinícius Coelho, colunista da Folha, foi um dos lançamentos futebolísticos de 2018 - Zo Guimaraes /Folhapress
São Paulo

Quando o escritor britânico Nick Hornby lançou "Febre de Bola", em 1992, seu livro imediatamente se tornou leitura essencial para fãs de futebol pelo mundo. No Brasil, porém, a obra só foi ganhar edição em língua portuguesa no ano 2000.

Nick Hornby também lançou o romance "Alta Fidelidade" em 1995, título que chegou ao país em 1998 e o tornou conhecido por aqui. Bastaram três anos para que seu segundo livro estivesse nas livrarias brasileiras.

Já o primeiro demorou oito, e a verdade é que pouca gente por aqui sabia de sua existência quando "Alta Fidelidade" apareceu no mercado.

Pode parecer isolado, mas o exemplo ilustra em parte a distância que separava o Brasil do que havia de mais relevante na literatura sobre futebol no mundo.

Hoje o país conseguiu diminuir essa distância e produz mais livros do que nunca a respeito do esporte. Mas a iniciativa é quase que exclusiva de um grupo de editoras independentes, que lutam para desenvolver uma cultura de futebol em um ambiente que, até pouco tempo atrás, era estranho ao esporte.

"Começamos em um mercado que sequer existia de verdade, então temos enfrentado o desafio também de 'criar' o nicho em que queremos atuar. Existem alguns outros editores, de livros e revistas, remando no mesmo sentido que nós, mas a tarefa não é nada simples", diz Gabriel Roberti, sócio da Editora Grande Área, à Folha.

Fundada em 2015, a editora trouxe ao Brasil, entre outros títulos, a tradução de "Herr Pep", que ganhou o nome de "Guardiola Confidencial" por aqui, uma referência mundial da literatura de futebol.

A obra do jornalista espanhol Martí Perarnau repassa, com riqueza de detalhes, a primeira temporada de Pep Guardiola à frente do Bayern de Munique (ALE).

Em 2018, a Grande Área lançou três livros: "Barça", de Graham Hunter; "Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila", escrito pelo próprio técnico italiano e com prefácio de Tite, confesso admirador do treinador, para a edição em português; e "A Escola Europeia", de Daniel Fieldsend.

Ano que a editora considera positivo, mesmo com o colapso de gigantes do mercado literário como as livrarias Saraiva e Cultura, além da distribuidora Bookpartners, cujos repasses às editoras foram congelados devido aos pedidos de recuperação judicial dessas empresas.

Segundo a Grande Área, o calote, que envolve outras empresas além dessas três, ultrapassa os R$ 50.000.

"Para uma editora pequena como a nossa, que publica dois a três livros por ano, é um valor bastante alto", afirma Roberti.

A crise no setor fez com que editoras de maior porte tivessem atuação discreta no segmento futebolístico neste ano, mesmo com a Copa do Mundo no radar.

A Companhia das Letras, por exemplo, lançou dois livros, ambos em outros selos do grupo. "Os Beneditinos", do jornalista José Trajano, publicado pela Alfaguara, e "Escola Brasileira de Futebol", de Paulo Vinícius Coelho, colunista da Folha, lançado pela Objetiva.

Uma das medidas tomadas pela Grande Área, por exemplo, foi tirar seus livros dessas redes de livrarias, além de procurar intensificar uma relação mais direta com o leitor por meio de um clube de associados e pontos de venda conectados ao universo do futebol, como a loja de camisas retrô Atrox Casual Club, localizada no centro de São Paulo.

É justamente nessa relação mais direta que se apoiam editoras e selos que não participam do mainstream. Sem o poder de investimento de grandes editoras para fazer, por exemplo, traduções de títulos consagrados, apostam em autores desconhecidos e temáticas diversas dentro do futebol, na tentativa de formar uma comunidade leitora do assunto.

São os casos da Editora Primeiro Lugar, de Natal, no Rio Grande do Norte, e do Selo Drible de Letra, parceiro da Editora Multifoco, com sede no Rio de Janeiro.

Com atuação regional e tiragens pequenas, a Primeiro Lugar aproveitou o ano de Copa do Mundo para tentar angariar novos leitores fora do Nordeste com os lançamentos "1982 - O ano do tetra", de Rodrigo Cascino, e "Adeus, Copa!", uma seleção de crônicas com personagens que marcaram o Mundial da Rússia.

"A gente vende um livro para publicar outro. Não arriscamos na tiragem porque tem a dificuldade da distribuição. Tem muita coisa que não conseguimos fazer porque não estamos em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais. Para o nosso tamanho, a gente não considera viável distribuir para as livrarias", conta Rafael Morais, sócio da Primeiro Lugar, fundada em 2017.

Surgido em 2016, o Selo Drible de Letra já lançou 20 obras nesses dois anos. Em 2018, trouxe ao mercado alguns títulos como "A história do futebol na União Soviética", de Emanuel Leite Jr. e "O racismo no futebol brasileiro", de Igor Serrano, entre outros.

"No caso específico do futebol, a literatura especializada ainda caminha a passos lentos, mas o cenário hoje é melhor do que há alguns anos, principalmente pela maior diversidade de editoras publicando sobre o tema", completa Serrano.

Outro lançamento importante do ano passado foi o livro reportagem "O Delator", que narra como o empresário J. Hawilla (1943-2018) ascendeu no meio do futebol, terminando com sua derrocada nos escândalos de corrupção investigados pela Fifa.

Para 2019, as editoras já preparam alguns lançamentos. A Grande Área tem dois títulos previstos. Um sobre "um técnico de ponta no cenário mundial", segundo conta Gabriel Roberti, sem entregar o ouro, e uma novidade: o primeiro lançamento da editora de um autor brasileiro.

A Primeiro Lugar prevê a publicação de pelo menos quatro obras: uma que traz o relato de um jornalista que foi à Rússia cobrir a Copa, um livro de crônicas, um outro título sobre conceitos táticos e o terceiro livro de uma coleção de figuras ilustres do futebol potiguar, com a história do narrador Hélio Câmara.

Companhia das Letras e Drible de Letra ainda não têm lançamentos de futebol previstos para 2019.

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