Descrição de chapéu The New York Times

Oscar tem maior número de concorrentes politizados em 75 anos

Em termos absolutos, edição atual só se compara aos anos de 1943 e 1944, auge da Segunda Guerra

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Ben Zauzmer
Nova York | The New York Times

No ano passado, quando o público que acompanhou a entrega dos Oscar pela TV caiu para apenas 26,5 milhões de espectadores, um piso recorde, alguns comentaristas disseram que os prêmios tinham sido politizados demais.

Este ano está fácil encontrar usuários do Twitter dizendo que resolveram não acompanhar a cerimônia pela TV para evitar a política. E uma pesquisa com potenciais espectadores descobriu que 39% disseram que talvez não assistam à entrega dos prêmios, pelo mesmo motivo.

Às vezes “político demais” quer dizer discursos de aceitação de viés partidário evidente. Mas, se o objetivo foi criticar a presença de filmes politizados, os fãs aborrecidos têm razão: os Oscar estão especialmente políticos este ano.

Analisei todos os 554 candidatos ao Oscar de melhor filme ao longo da história da Academia. Concluí que este ano há mais participantes na disputa que enfatizam o lado político que em qualquer dos 75 anos anteriores.

É verdade que em muitos daqueles anos houve menos indicados a melhor filme, mas, mesmo em termos percentuais, 2018 ainda é um dos anos mais políticos na história do Oscar.

Para chegar a essa conclusão matematicamente é preciso classificar todos os 554 filmes como políticos ou apolíticos, e isso não é tarefa fácil. Quase todos os filmes poderiam ser interpretados como políticos em algum nível: a política afeta todo empreendimento humano, e podemos interpretar um filme como comentário sobre um sem-número de questões.

Então defini algumas regras básicas. Para ser considerado político para os meus propósitos, um filme teria que se enquadrar em pelo menos um de cinco critérios:

  1. Mostrar uma tentativa de conquistar poder político, como em “Cidadão Kane” (1941), em que o personagem principal concorre a governador de Nova York;
  2. Mostrar uma discussão sobre como governar, como é o caso de “Mr. Smith Goes to Washington” (1939), em que um homem isolado assume posição contra a corrupção no Senado;
  3. Tratar de acontecimentos políticos passados ou presentes, como as entrevistas históricas mostradas em “Frost/Nixon” (2008);
  4. Tratar de um conflito entre potências soberanas, como negociações durante a Guerra Fria em “Ponte dos Espiões” (2015);
  5. Ou tomar posição muito clara sobre uma questão, como a mensagem antiguerra declarada de “Sem Novidade no Front” (1930).

Evidentemente é impossível ser perfeitamente objetivo quando se classifica filmes desse modo, mas me esforcei para tratar os títulos com coerência.

Com essas regras definidas, considero políticos seis dos indicados a melhor filme este ano. “Infiltrado na Klan” trata de um complô da Ku Klux Klan e do movimento do poder negro dos anos 1970. “Vice” é uma recriação estilizada da carreira do ex-vice-presidente Dick Cheney. “Pantera Negra” reimagina a HQ clássica sobre dois primos que disputam o trono de uma superpotência africana fictícia. “A Favorita” traz duas mulheres que competem por influência política sob o domínio da rainha Ana.

“Green Book – O Guia”, embora talvez não seja tão nitidamente político quanto os quatro anteriores, mostra um pianista negro que toma posição em defesa dos direitos civis, fazendo uma turnê corajosa pelo Sul americano na década de 1960. “Roma” segue um rumo sombrio quando um protesto estudantil na Cidade do México descamba em violência.

Entre os indicados para o prêmio maior da Academia, apenas dois dramas musicais –“Nasce Uma Estrela” e “Bohemian Rhapsody”—não incluem ênfase política suficiente para ser classificados como filmes políticos segundo esses critérios, se bem que seja possível detectar temas políticos mais sutis em ambos.

Com seis filmes de viés político na disputa, este ano está empatado com 1944 no segundo lugar em número, perdendo apenas para os sete filmes indicados em 1943.

No auge da Segunda Guerra Mundial, é evidente que a política dominava o pensamento tanto dos cineastas quanto do público. O vencedor de 1943 foi “Mrs. Miniver”, a história de uma britânica no front doméstico. O filme se encerra com um discurso pró-Aliados tão comovente e persuasivo que o presidente Roosevelt o mandou imprimir e jogar de aviões sobre as áreas sob ocupação alemã.

Em 1944 o Oscar de melhor filme ficou com “Casablanca”, história clássica sobre intrigas políticas em tempos de guerra e um americano expatriado relutante em ser herói.

Em termos percentuais, 75% dos indicados deste ano trazem temas políticos. Com isso, este ano ocupa o sexto lugar, depois de cinco outros anos em que 80% dos indicados a melhor filme tiveram teor político. Para contextualizar essa cifra, vale lembrar que ao longo do conjunto de anos, apenas 38% dos filmes ao todo foram classificados como tendo teor político.

Mas esse número de 38% não se manteve estável no tempo. Ao longo dos 90 anos de história do Oscar os dados indicam ano a ano uma alta modesta na porcentagem dos indicados a melhor filme que tratam de questões políticas. Nos 30 primeiros anos do Oscar, 34% dos filmes indicados na categoria foram políticos; nos 30 anos mais recentes, foram 41%.

Não apenas os indicados de 2018 compartilham um tema político, como dois deles chegam a especificamente colocar o rosto do presidente Trump na tela. A imagem de “Trump” aparece brevemente em “Vice” durante uma montagem dos anos 1980, se bem que a intenção tenha claramente sido de transmitir uma mensagem mais ampla sobre os pontos em comum entre a política de Dick Cheney e a de Donald Trump.

Em “Infiltrado na Klan”, o filme conclui com um flash-forward para o protesto nacionalista branco em Charlottesville. Durante essa sequência final, Trump faz sua declaração infame sobre “os muitos lados”, enquanto Spike Lee sugere que o mal que ele filmou na década de 1970 continua presente hoje.

Analisando os 554 indicados ao Oscar de melhor filme, identifiquei apenas um outro ano em que um presidente em exercício da função é visto duas vezes na tela: 1976, quando Gerald Ford pôde se ver na tela grande duas vezes. Na cena de abertura de “Todos os Homens do Presidente”, sobre a investigação do caso Watergate pelo “Washington Post”, Ford aplaude em pé enquanto Richard Nixon, ainda presidente, entra no Congresso para fazer o discurso do Estado da União. Em “Network – Rede de Intrigas”, uma história cautelar à frente de seu tempo sobre o poder corruptor da televisão, Ford é visto brevemente na TV na sala de controle, até a tela passar a mostrar o excêntrico apresentador Howard Beale.

Quando chegou o momento da entrega dos Oscar, em março de 1977, Ford já havia perdido a Presidência para Jimmy Carter, e o clássico sobre boxe “Rocky – Um Lutador” derrotou os dois trabalhos, ficando com o Oscar de melhor filme.

Vale notar que “Rocky” foi o único indicado a melhor filme que pôde ser considerado apolítico naquele ano. Além de “Todos os Homens do Presidente” e “Network”, os candidatos naquele ano incluíram “Taxi Driver”, cujo protagonista alienado cogita assassinar o presidente, além de Woody Guthrie tocando uma canção pró-movimento sindical em “Esta é Minha Terra”.

Com isso, “Rocky” se torna um de apenas dois filmes apolíticos a terem vencido em um campo dominado por filmes políticos. O outro é “Amadeus”, de 1984, a história da rivalidade entre Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri.

Esses dois anos fogem um pouco da norma, porque, historicamente falando, os filmes políticos sempre contaram com uma pequena vantagem. Filmes apolíticos venceram em 15% das vezes que foram indicados, mas no caso de filmes políticos foram 19% das vezes.

Isso pode ser um bom sinal para “Infiltrado na Klan”, “Green Book – O Guia”, “A Favorita”, “Roma” ou “Vice”. Porque os Oscar ainda são muito politizados e não dão sinal de estarem abandonando a campanha.

Tradução de Clara Allain

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