Réplica: O que você fez é mansplaining, reage repórter a Ruy Castro

Meu interesse em Chico Buarque nunca foi fútil ou ingênuo como você irresponsavelmente enquadra

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São Paulo

No Brasil de 2019, se havia um mundo ideal para se viver ou morrer de tédio, este não era o mundo em que vivia Ruy Castro. O cenário podia sugerir uma sociedade evoluída, mas a atmosfera ainda era de homens encaixando mulheres no papel que pensavam estar desenhado para elas --e a gente aqui, tendo de lutar contra.

Mas seria um erro dizer que, diante do habitat inóspito, a Ruy Castro não restava a alternativa de agir diferente. É, Ruy, desta vez não vai dar para passar pano para você. Nem aqui nesta réplica, nem em 2019, em que se esqueceu que vive.

Respondo à sua coluna de domingo (28), aqui na Folha. Sim, Ruy, já há anos que somos colegas. Essa é minha segunda passagem pelo jornal, em 21 anos de carreira, tendo sido a primeira aos 20, mesma época em que conheci nosso objeto de discórdia.

Cheguei a Chico Buarque em 2000, quando era repórter da Ilustrada, porque quis escrever um livro sobre sua obra teatral. Entrevistei, como manda a cartilha-Ruy-Castro de literatura, centenas de pessoas envolvidas em suas peças, além do próprio Chico, que "topou" me receber, como você, Ruy, corretamente supôs.

Foto de Chico Buarque do livro 'Revela-te, Chico - Uma Fotobiografia', organizado por Augusto Lins Soares - Reprodução

Passamos, portanto, Chico e eu, aquelas tais semanas juntos que você menciona. Mas, sabe, Ruy, acho fundamental pontuar: meu interesse em Chico Buarque nunca foi fútil ou ingênuo como você irresponsavelmente enquadra. Não que eu lhe deva qualquer sorte de satisfação, claro.

Replico, isto, sim, em nome das mulheres que, como eu, são diariamente ridicularizadas por homens como você, que, ao invés de usar de maneira útil o rico espaço público que têm, optam pelo julgamento machista. Ou, se fosse um homem o autor da resenha que tanto lhe incomodou, você também escreveria um bilhete nominal?

Para resumir, Ruy: se eu quero ou quis transar com Chico Buarque, biografá-lo, divulgá-lo ou guardá-lo em uma gaveta, estas são coisas que não lhe dizem respeito. Seu papel é respeitar a mim, ao meu trabalho, e às várias outras escritoras mulheres que já se aventuraram neste gênero literário. Adriana Negreiros e Josélia Aguiar, por exemplo, estão aí, lindas e publicadas, sem precisar da sua aprovação moral e profissional para tanto.

O que você fez, Ruy, tem nome: mansplaining. Jogue no Google quando terminar de me ler. Pesquisar é um hábito saudável, e disso um bom biógrafo deveria saber.

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